a) a fixação de uma noção precisa do que é a lógica: um saber sistemático tanto quanto possível sobre os diferentes modos de pensar, efetivos ou abstratamente concebíveis; a lógica não é saber empírico, mas não é também "saber" normativo o que vai implicar que exista pelo menos uma lógica transcendental (dando conta de si mesma), entretanto, nem todas o são; a lógica considerada como teoria normativa da inferência correta é um caso bem particular, que, apenas por interesses ideológicos, vem assumindo ares de universalidade, sem que isto encontre qualquer respaldo conceitual e mesmo histórico;
b) a cada lógica corresponde um modo específico de ser, porém, qualquer lógica pode re-visar o ante-visado por ela mesma ou por outras lógicas e assim fazer proliferar modos derivados de ser; paralelamente, a verdade pode recuperar o seu estatuto originário onto-lógico, como reivindicado por Heidegger, refinado por Lacan e completado por nós - toda verdade é verdade de um modo de pensar (ou referida a uma lógica) correlato, portanto, a um modo de ser (4);
c) as lógicas formam uma estrutura pré-linguística, a fortiori, pré-matemática aberta (5), gerada por apenas duas lógicas fundamentais - da identidade (ou do mesmo) e da diferença (ou do outro) - através de uma única operação sintética (síntese dialética generalizada) que pode ser indefinidamente reiterada, e que, de certa maneira, generaliza a tão afamada aufheben hegeliana;
d) liquida-se com a bagunça nos fundamentos, onde justamente ela é mais danosa: cada uma das lógicas, agora, fica completamente caracterizada por apenas um principio, todos eles homogeneamente definidos e que podem por isso ganhar uma forma operatória unívoca e também homogênea; toma-se de empréstimo, com surpreendente naturalidade, o formalismo da mecânica quântica para fazer corresponder ao referido operador estados e valores próprios numéricos; estes últimos irão se t constituir em representações fidedignas dos valores de verdade da lógica correspondente (6); com isso, a trama relacional das lógicas se intensifica, trazendo por conseqüência uma intensificação ampliada da trama relacional dos modos de ser; até as velhas modalidades aléticas - necessário, contingente, impossível e possível - são agora reconhecidas,
corretamente, como modos efetivos de ser (lógico)F);
e) todas as lógicas presentes na tradição filosófica - o logos heraclítico, a dialética conceitual platônica, a lógica aristotélica, a lógica transcendental kantiana/fichteana, a dialética histórica hegeliana, a lógica transcendental de Husserl, etc. -, sem exceção, encontram guarida nesse "conjunto" (8) de lógicas, inclusive, modos aparentemente esdrúxulos, como a lógica lacaniana do significante ou que se pretenderam i-lógicos, como a razão do coração em Pascal ou a "lógica" da contradição em Kierkegaard; aqui uma solene constatação a posteriori: só se consegue pensar grande coisa se se desvela, concomitantemente, seu modo específico de ser visado; por isso, todos os grandes pensadores, pelo menos no Ocidente, foram grandes inovadores da lógica;
f) o campo das "novas lógicas mate matizadas" , hoje se multiplicando (9), fica claramente trissecado: há a lógica clássica (do terceiro excluído ou, melhor dito, da dupla diferença), com todo o direito, formalizada à extrema unção; há também estruturas formais que pretenderiam se constituir em modos desviantes de pensar, mas que na verdade são no todo ou em parte lógicas efetivas, formadoras ou subsumidas pela lógica clássica, que, pela própria violência da formalização tornam-se irreconhecíveis, perdem sua alma e suas vísceras e são transformadas em autênticas múmias ("lógicas" paraconsistentes e paracompletas, por exemplo); há, por fim, o campo ilimitado das estruturas matemáticas "puras' que podem estar até muito bem fantasiadas e ainda melhor funcionando nas operações de cálculo do mundo, mas nada têm a ver com a lógica propriamente dita ("lógica" probabilística, "lógica" fuzzy, por exemplo);
g) as lógicas identitárias ou sintéticas (10) formam estruturas hierarquizadas (umas subsumindo as outras), cada uma delas definindo um nível onto-lógico, o que enseja uma correspondente hierarquização dos entes; a posição do homem pode ser assim precisamente definida, permitindo-lhe reassumir sua posição impar no pináculo do mundo (ou da Criação?!); renova-se assim a antropologia filosófica em bases bastante sólidas, inclusive, incorporando as conquistas da moderna antropologia estrutural;
h) por extensão são definidas estruturas lógicas epistemo-lógicas e praxiológicas dando conta, respectivamente, da complexidade do saber e do agir em cada um desses níveis onto-lógicos; mostra-se que as "ciências, do homem" enquanto tal estão além da capacidade lógica humana, o que é, sem dúvida, uma limitação, mas também a vivência imediata e grave de uma falta, de que algo lhe poderia efetivamente transcender; essa vivência, ainda que não tematizada, já é e será sempre o real suporte da religiosidade autêntica;
i) abre-se a possibilidade de uma nova e sistemática crítica dos fundamentos dos múltiplos saberes: já podemos contar com alguns resultados altamente relevantes pelo menos no âmbito da matemática (11), da fisica (12), da semiologia, da antropologia, da história da cultura, da economia, do conhecimento da doença mental e do processo de desenvolvimento cognitivo e emocional da criança, nas "ciências" da administração;
j) contra o conluio do pragmatismo anglo-saxão e o pós-modernismo continental, a conceituação do homem como ente hiperdialético (13) permite a volta à Grade Narrativa; especificamente, permite a retomada do projeto hegeliano de uma fenomenologia do espírito, num nível bem mais ancho e elevado, que a torna agora capaz de abarcar a cultura científica atual; desvelam-se as noções cruciais de desejo e fingimento de uma cultura, lançando-se assim uma larga ponte por onde hoje só com dificuldade se transita -do ser-pessoal ao ser-coletivo e vice-versa; consolida-se destarte a noção de história hiperdialética qüinqüitária em contraposição à história dialética trinitária hegeliano/marxista e à história "unária" (judaica), esta última que se pode agora considerar como o degrau zero da dialeticidade; a Grande História é a história hiperdialética da cultura;
1) retifica-se (14) e depois descreve-se com rigor e detalhes a gênese e as fases da Modernidade; aponta-se a dominação de gênero como sua essência mais profunda; a Caça as Bruxas não é mais o último episódio da Idade das Trevas, mas o primeiro da Modernidade; torna-se evidente o trànsito do capitalismo produtivista, brutamontes, ao capitalismo consumista ou de marketing, etnocida; demonstra-se cabalmente - através de uma critica profunda do marxismo, das ideologias de inspiração romântica e freudiana, das concepções heideggerianas, como também frankfurtianas -, porque o século XXfoi um século perdido; no entanto, em que pese a força, a grana e nuvens de incenso à volta do "pensamento único", não chegamos ao fim da História; evidencia-se que o mito, a filosofia e a ciência, tentando, respectivamente, corromper, "peitar" e abolir os deuses, esgotam as possibilidades culturais niilistas; pode-se agora enxergar claro para além da Modernidade e, a partir de então, recuperar o pensamento e a vontade utópicos;
m) afinal, nós brasileiros passamos a ter uma idéia bastante precisa de qual o nosso lugar presente na história (da cultura) e qual possa ser o nosso melhor destino (15); concluí-se que o Brasil não é Belíndia, como interpretado pela elite intelectual; seu dualismo não representa atraso, mas persistente recusa a ingressar na Modernidade; ela é, fundamentalmente, um guardar-se para algo maior; logo, temos a opção entre o luxo (lixo)ou a originalidade;
n) as possibilidades formais de lógicas trans-humanas (mais complexas que a hiperdialética humana) apontam a direção e o sentido corretos para a renovação radical da teologia (pela primeira vez se conseguiria escapar realmente à idolatria, ou seja, perguntarmo-nos por um Absoluto logicamente além, e não, como até hoje, aquém do homem, isto é, das "classes sacerdotais"); ensejar-se-ia então a oportunidade de uma teologia natural altamente consistente, competente, inclusive, para manter um vigoroso e profícuo diálogo com a teologia revelada;
o) estariam postas também as bases de uma revolução pedagógica capaz de proporcionar uma democratização do saber, de ampliar e universalizar a capacidade de resistir às manipulações ideológico/ marqueteiras, isto que é uma condição necessária para a consolidação de uma política à altura da nova cultura hiperdialética que já se anuncia.
Ora, quando eventualmente chegamos a um grande resultado, de modo geral, temos a sensação de que ele é mais ou menos óbvio. Descobrimos então uma plêiade de pensadores de hoje e de ontem, muitas vezes até artistas e poetas que haviam chegado cada um a seu modo, bem perto dele (é aí, em geral, que pescamos nossas epígrafes), e ficamos boquiabertos que outro qualquer por aí não nos tivesse há muito precedido na descoberta. Em conseqüência, só nos sentimos de fato um pouco mais tranqüilos quando conseguimos encontrar alguma razão, a maioria das vezes insignificante (ou seja, de ordem significante (16)) e contingente, pela qual este último não foi deveras o caso. Considerando não um, mas um amplo conjunto de resultados densamente articulados, como parece ser o caso acima recenseado, então tudo que dissemos se intensifica dramaticamente. Explicar porque tais descobertas, ao menos em parte, não vieram à luz anteriormente, torna-se muitas vezes um problema até mais difícil e angustiante que a dura luta que nos levara àqueles resultados. O presente escrito deveria ser também explícito sobre estas coisas, contudo, confessamos que elas ainda não nos são até hoje inteiramente claras.
A pesar disso, temos duas observações que nos parecem pontos de referência bastante sólidos para no futuro poder completar este trabalho resumo: primeiro, que a desorientação lógica (ou da lógica) promovida pelos ideólogos da Modernidade foi muito mais longe do que eles mesmos poderiam imaginar, na medida em que a resistência intelectual a ela tem sido até hoje praticamente nenhuma; segundo, a falta de sensibilidade para a questão da equivalência de ser e pensar, ainda que como simples objetivo, inaugurada por Parmênides, em nível transcendental, continuada por Hegel, em nível dialético, e que teria uma continuação obrigatória, depois da Modernidade científica, em nível hiperdialético, pois este é precisamente o nível lógico constitutivo do ser humano (17).Porque não se percebeu isto?!
Notas
1. SAMPAlO, L. S. C. de, Lógica ressuscitada - Sete ensaios. Rio de Janeiro, EdUERJ, 2000
2. .Lógica da diferença. Rio de Janeiro, EdUERJ, 2001
3. .Filosofi da cultura - Brasil, luxo ou originalidade. Rio de Janeiro, Ágora da Ilha, 2002.
4. Na modernidade, a questão do estatuto da verdade é levantado por Heidegger, contrapondo a alétheia grega e a adaequatio moderna. Esta problemática é ampliada por Lacan propondo uma estrutura onde aparecem 4 verdades: total, parcial, total e parcial, nenhuma nem outra. Nós a ampliamos ainda mais para incluir, ademais, a verdade hiperdialética qüinqüitária e os desdobramentos das verdades nos planos fenomênico, objetivo e subjetivo. BARBOSA,Marcelo C. As lógicas - As lógicas ressuscitadas segundo Luiz Sergio Coelho de Sampaia, São Paulo, Makron Books, 1998. pp.61-63
5. As lógicas traduzem as potencialidades operatórias do cérebro humano, ou seja, elas constituem as estruturas a priori do espírito humano, sendo portanto anteriores à linguagem e portanto também à matemática. Elas podem ser descritas numa retórica formal, mas que não propriamente matemática: dizemos então que elas formam um semi-monoide (fechado, associativo e, à diferença dos monóides, dispondo de um elemento neutro apenas de um dos lados) livre gerado pelas lógicas da identidade I e da diferença, D, reiteradamente articuladas pela operação de síntese dialética generalizada, /.Teríamos então as seguintes seqüência de lógicas: I, D, I/D, D/D, I/D/D, D/D/D, I/D/D/D, D/D/D/D.... Na tradição, I é denominada lógica transcendental; D, não tem um nome universalmente aceito, mas podemos identifica-la com a lógica lacaniana do significante; I/D é a nossa bem conhecida lógica dialética e D/D a lógica clássica ou do terceiro excluído. Nós denominamos I/D/D hiperdialética qüinqüitária e as demais não têm até hoje nome próprio.
6. Não se deve fazer corresponder arbitrariamente valores de verdade a números, como faz a álgebra de Boole. Isto foi Da verdade, um desastre, embora algo de importância menor em termos de computação.
7. Não a um lógico profissional, mas ao astuto Lacan coube abrir o caminho para esta compreensão das modalidades, esta sim, acorde com as conjecturas aristotélicas acerca do futuro contingente. Na verdade, Lacan procede apenas a amarração das modalidades aos seus famigerados matemas. Como já havíamos demonstrado a correspondência dos maternas às lógica, facilmente se estabelece a correspondência das modalidades às lógicas.
8. As lógicas formam uma multiplicidade que, no entanto, não pode ser considerado propriamente um conjunto no sentido rigoroso do termo, pois a lógica fundamental I não goza das propriedades que fariam dela o "conjunto vazio" do ser-lógico.
9. Imitando o processo de relativização da geometria, os lógicos empreenderam a relativização dos princípios da lógica clássica, para produzirem "novas lógicas". Hoje proliferam os sistemas "lógicos" não clássicos, a maioria dos quais não passa de pura especulação formal sem qualquer sentido propriamente lógico. O mais ridículo é que estes "cientistas" estão sempre prontos a desqualificar como propriamente lógicas a dialética hegeliana ou a lógica lacaniana do significante.
10. Lógicas identitárias ou sintéticas são aquelas em que se dá a presença irredutível da lógica da identidade, ou seja em que esta aparece em primeiro lugar. São elas: I, I/O, I/D/d, I/D/D/O, .... A estrutura I define o mundo fenomênico, I/O o mundo objetivo, I/D/O, o mundo subjetivo.
11. Demonstra-se exatamente como a matemática deriva da linguagem natural pela "mumificação" dos poderes lógico-identitários da primeira. A posterior "mumificação" do poder referencial, significante ou simplesmente lógico diferencial da linguagem natural é o que separa as duas grandes correntes filosóficas em matemática - intuicionistas e formalistas.
12.Demonstra-se que as forças da natureza são 6 e não 4, e que os seus mediadores correlatos, em conjunto com a classe dos férmions e o vácuo formam o octeto irredutível dos entes físicos. Ademais, revitaliza-se o principio antrópico em bases significantes, ou seja, demonstra-se que as partículas elementares são por si legíveis. Significantes das lógicas: elas são, em suma, o ADN do espírito humano.
13. Os animais cordados, possuidores de SNC, são capazes de operar com símbolos essencialmente convencionais, portanto, chegam ao nível dialético (I/O). O homem, por operar com regras convencionais ou com a gramática, alcança a capacidade lógico-formal (D/O), que associada à capacidade lógicodialêtica animal, lhe permite operar a nível do discurso, ou seja, hiperdialeticamente (1/ D/ O).
14.Referimo-nos especificamente á Inquisição, em particular, ao episódio da Caça às Bruxas, que deve ser considerado o capítulo inicial e fundador da Modernidade e não o derradeiro da "Idade das Trevas".
15. Tenta-se mostrar que o Brasil, por sua história, é o candidato mais apto a desvelar a nova cultura hiperdialétíca. No entanto, ele pode falar, e outros, como a Índia podem toma-lhe o lugar. Há ainda a possibilidade de que a nova cultura resulte de um novo cisma na cultura judaica, em especial na sua diáspora ocidental, hoje dividida entre o tradicionalismo mudo e oportunismo berrante que veio se associar, viabilizando-a, à cultura científica anglo-saxônica.
16.Boa parte das vezes nos deparamos com um obstáculo meramente significante, que jamais pode ser um erro ou acerto, mas uma pura e simples infelicidade designativa. Um exemplo óbvio é a designação tradicional das lógicas que quase impede que bem compreendamos sua cerrada rede interrelacional.
17. A operação com símbolos convencionais exige a capacidade lógico-dialética (I/D), conforme posto por Platão em seu diálogo Parmênides e, a gramática ou legalidade convencional, exige a capacidade lógico-clássica, equivalente à capacidade de operar com a dupla diferença (D/D). Portanto, a capacidade discursiva exige a conjugação destas duas capacidades, que poderia ser chamada hiperdialética (representada por I/D/D, posto que esta expressão contém, concomitantemente, I/O e D/D)