17.10.17

Comentário de José Miguel Wisnik sobre a Lógica da Diferença

Caríssimo Sampaio,

acabei de ler, com grande interesse, a "Lógica da diferença". O livro esclarece o conjunto sistemático das idéias que eu vim conhecendo pouco a pouco, e me impressiona pelo caráter sincrônico-abrangente com que abarca grandes problemáticas históricas ferindo questões agudamente atuais. Não acompanho, evidentemente, as argumentações especificamente lógicas, que permanecem para mim em estado interrogante. Mas extraio um saldo reflexivo muito provocador, concorde ou não com as proposições. Percebo, por exemplo, que a minha relação com a música, tratada n"O som e o sentido", esteve ligada à intuição de lógicas específicas que comandam sistemas composicionais, e que estão ligadas, ao mesmo tempo, ao filosófico, ao religioso, aos mitos, ao ideo-lógico. Assim, a passagem do modal ao tonal, via canto gregoriano, se esclarece como processo de constituição do I/D, assim como a do tonal ao serial envolve o desvelamento de D/2, e as "simultaneidades contemporâneas" os espasmos caótico-criadores de uma outra lógica (que pode vir ou não).

O caráter abstrato, dedutivo, ou propriamente lógico-generalizante do esquema, corre o risco de reducionismo esquematizante quando diretamente aplicado às produções singulares, como as da arte, que contêm outras mediações. Mas pode iluminá-las também, e isso depende sempre, a meu ver da re-dialetização discursiva do método (já que ele guarda algo do D/2, na forma). A propósito, também, e contraditoriamente, o último parágrafo toma uma dimensão messiânico-apocalíptica que permanece obscura, ao mesmo tempo que desvela um recalcado no texto, pela alusão a uma força, não nomeada, supostamente capaz de derrubar o império da diferença, uma vez desvelada a sua lógica. Devo dizer que entendo o espírito da afirmação, e que essa força é a capacidade humana que se realiza na linguagem, intuída como Desígnio. Mas vejo que ela abre também, mais do que fecha, uma imensa discussão, na qual retornam todas as instâncias concretas que o pensamento lógico descarta, recalca ou sublima. Em suma, quero parabenizá-lo pelo imenso trabalho, afirmar o quanto ele abre campo inspirador ao pensamento, e declarar a minha disposição ao diálogo.


José Miguel
2 de Agosto de 2001

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