Biografia

LUIZ SERGIO COELHO DE SAMPAIO

Sampaio cursou o ginásio e o científico no Colégio Militar do Rio de Janeiro. Graduou-se em Engenharia Eletrônica pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) e em Economia pela Sociedade Unificada de Ensino Superior e Cultura do Rio de Janeiro (SUESC-RJ). Obteve a pós-graduação em Análise de Sistemas na Escola Nacional de Ciências Estatísticas do Rio de Janeiro (ENCE-RJ).

Apesar de sua formação filosófica, Sampaio exerceu ainda a superintendência técnica da Bolsa de Valores do Rio de Janeiro, colaborando intensamente para a sua modernização. Até hoje vigoram no Rio e em São Paulo as metodologia para formação de índices bursáteis por ele desenvolvidas a partir de um trabalho preliminar de Mário Henrique Simonsen. Idealizador, fundador e primeiro Diretor Geral do IBMEC (Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais - Rio). A grande contribuição do Sampaio para o pensamento filosófico brasileiro foi a tentativa de desvelar uma nova lógica, que se chama: Lógica Hiperdialética.

Foi Vice-Presidente da Embratel (Empresa Brasileira de Telecomunicações S.A.), época em que idealizou e implantou o Projeto Ciranda, primeira rede informatizada no Brasil, em tudo semelhante ao que hoje é a Internet, empreendimento que vinha ainda como objetivo prestigiar a Política Nacional de Informática, pois fazia uso apenas de equipamento de procedência nacional. Foi desta forma, também, que se promoveu de maneira rápida e generalizada a digitalização da Embratel. A este projeto, sucedeu o Projeto Cirandão de âmbito público. À época, ambos os projetos colocavam o Brasil na vanguarda do desenvolvimento no setor de tele-informática, porém, foram ambos intencionalmente desmontados tão logo se deu o advento da "Nova República". É também de sua autoria o programa de Desenvolvimento Cultural que visava dar aos empregados da Empresa uma maior consciência de suas responsabilidades sociais - não apenas econômicas, mas igualmente políticas e culturais - para além da sua já reconhecida proficiência técnica e alertá-los assim dos perigos do corporativismo que começava a corroer os padrões de eficiência, qualidade e seriedade da Empresa. Coordenou a equipe que idealizou e negociou o convênio que deu nascimento à "Televia para a educação" ao fim do Governo Itamar Franco, mas também hoje descontinuada.

Foi membro da ABF (Academia Brasileira de Filosofia), fundador do IPGAP (Instituto de Políticas Governamentais e Assessoramento Parlamentar) e também fundador e ex-Presidente do Instituto Cultura-Nova.

Realizou aulas e conferências em diversas instituições, no Brasil e no exterior, dentre elas: UFRJ, USP, UFP, UnB, UERJ, UFRGS, Universidade Nova de Lisboa, SAE (Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República), Serpro, Banco Central do México, FGV, Fundação João Pinheiro, ECEME, Companhia Vale do Rio Doce, Petrobrás, Eletronorte, Embratel.


Itinerário filosófico, nas palavras do próprio

Ao apresentar meus dados biográficos fiz uma referência indisfarçavelmente afetiva ao bairro de Vila Isabel, onde nasci. Ela não é de modo algum fortuita ou anedótica. Criança, tive eu e meus companheiros um heroi local um heroi cultural - do qual muito nos orgulhávamos - um heroi que possivelmente tivesse lá seus defeitos, porém, que alinhava entre suas reconhecidas virtudes a sensibilidade, o amor às raízes, a inteligência afiada, a coragem em desafiar os poderes musicais alienados e conservadores de então. Em quantos bairros, para não ir muito longe, suas crianças puderam gozar deste privilégio? Por certo não é a Noel Rosa que devo meu interesse e minha iniciação filosófica, mas não posso negar que fosse o que fosse que viesse a me interessar ou realizar na vida poderia deixar de refletir em maior ou menor medidas as vibrações daquele meu universo mítico infanto-juvenil, inclusive, fazer Filosofia.

Até onde pode alcançar a memória, estivesse eu ocupado com este ou aquele interesse ou tarefa, me vejo sempre fuçando-Ihe os fundamentos, tentando alargar e entre tecer o espaço de sua contextualidade, buscando equilibrar o que pudesse em cima de dois ou três princípios, botando dúvida em todas as certezas, tentando vislumbrar as implicações éticas das intenções e ações em jogo.

Nestas circunstâncias, me é hoje quase impossível identificar um salto, uma súbita iluminação, um fato ou uma voz que pudesse assinalar onde, de fato, foi para mim a porta de entrada da Filosofia. Tenho a sensação de ter entrado por qualquer lado. Talvez por uma fresta, como o vento.

O mais que consigo recordar é um episódio ocorrido lá pelos meus vinte e poucos anos, quando estava tomado de paixão pelo cinema, e que, pode-se dizer, vinha caracterizar uma inquietação comumente qualificável como academicamente filosófica.

Assaltou-me uma preocupação de cunho eminentemente epistemológico, bem kantiana, se bem que às avessas: Quais as condições de possibilidade (ou a priori) não da verdade científica - que à época não me suscitava grandes preo-cupações - mas ao contrário, da ilusão (ou realidade) cinematográfica? Busquei resposta em Kant, tranquilizei-me, por algum tempo, com o guarda-chuva hegeliano, excitei-me quando me deparei com a faca afiada da fenomenologia, e um dia concluí que o melhor mesmo era pensar com a própria cabeça. A propósito, alimento até hoje a esperança de estruturar e realizar um curso de epistemologia para iniciantes apoiado num punhado de bons filmes. Se alguém chegou a inventar e manipular a não mais poder tempos e espaços, deve com certeza ter bastante para nos ensinar sobre eles na sua simples persistência cotidiana ou científica!

A partir daí, creio que o essencial, como é de todos sabido, foram noventa e tantos por cento de suor, mais um zás de inspiração.

Hoje, meu interesse maior centra-se na lógica em sua acepção mais ampla, chegando mesmo a vê-Ia como uma das faces necessárias de uma só e inteiriça onto-Iogia. A formação matemática relativamente sólida - em boa dose, mérito menos meu do que das boas escolas públicas que tive a sorte de cursar - não foi motivo suficiente para reter-me no logicismo; distribuí minha atenção a todas as lógicas da tradição: à aristotélica ou clássica, à transcendental (de Kant/Fichte e Husserl), à dialética (em suas versões "idealista" e materialista), e à aparentemente multifária lógica da diferença (lógica paradoxal de kierkegaard, intuicionismo de Brower, até a contemporânea e polêmica lógica lacaniana do significante). A explicitação e expressão homogênea dos princípios de cada uma destas grandes lógicas (que levou-me bom tempo e esforço) permitiu-me chegar a identificação e caracterização de uma lógica maior - chamo lógica do ser-subjetivo-em-sua-integralidade - que as vinha subsumir, e capaz de, com suficiência e propriedade, dar conta do ser-subjetivo tanto pessoal, como social.

Tenho procurado adotar uma postura metodológica e expressiva de estilo antropofágico - creio que bem à brasileira - o que não significa abrandar em nada as exigências do rigor que não podem faltar a nenhum resultado. Doutro modo, quem nos deixaria pensar! Gostaríamos de ver a Filosofia, especialmente a Lógica - que já identificamos como contra-face da antologia - empenhada na crítica radical da modernidade; mais que isso, abrindo caminho à cultura-nova cujos sinais já se anunciam.

Não é só; a desejo Lógica da esperança e do amor maior, na medida em que uma lógica livre de castrações, acabará topando com a problemática de seu próprio horizonte, daí, inexoravelmente, com a problemática do Absoluto humanamente transcendente.

Dedico-me hoje com afinco à explicitação dos determinantes lógicos (a priori) de cada um dos grandes campos do conhecimento, na esperança de chegar, oxalá, a um "compacto" do saber formal básico do Ocidente. Paralelamente, busco uma compreensão mais aprofundada do processo de formação cultural brasileiro. Não é preciso dizer que na explicitação dos determinantes lógicos de cada um destes componentes culturais é que, penso eu, iremos encontrar a chave da referida compreensão, e o mais importante, os elementos estratégicos para ajudar a desatar o nosso imbróglio cultural. Este último trabalho, juntamente com o "compacto" antes referido, a nosso juízo, constituiriam as peças fundamentais para a viabilização pedagógica e econômica de um amplo programa de educação nacional.

Tudo isso pode parecer um delírio, porém, não vemos nada mais coerente com a crença, que é a minha, de que a única revolução que vale realmente a pena, e de que desesperadamente carecemos, é uma revolução cultural.

----------------

Referência básica: JORGE JAIME, História da filosofia no Brasil, v. IV, Petrópolis, Vozes, 2002.

Nasceu em 1933, na cidade do Rio de Janeiro, já publicou três livros de enorme densidade e significação: Lógica Ressuscitada, A Lógica da diferença e Filosofia da Cultura – Brasil, luxo ou originalidade. A partir de então pode ser considerado um dos mais importantes filósofos contemporâneos, seja pela profundidade, seja pela extensão dos efeitos revolucionários de seu pensamento. Explica-se: o epicentro de seu labor filosófico está na lógica. Faz um mapeamento geral das lógicas da tradição; caracteriza-as por princípios estritamente operatórios e homogêneos; valendo-se de um formalismo de êxito já consagrado na mecânica quântica, determina os respectivos valores de verdade; dá contornos precisos ao que denomina lógica da diferença (incorporando definitivamente o pensar inconsciente ao universo das lógicas); por fim, nos desvela uma nova lógica, a hiperdialética, síntese das lógicas da identidade e de duas diferenças independentes e irredutíveis, lógica imprescindível para que se possa pensar as coisas e os processos humanos em sua real complexidade, vale dizer, para além do cientificismo ora reinante. Após este imenso trabalho de esclarecimento e síntese no terreno da lógica, Sampaio formula uma precisa antropologia filosófica (um passo além da concepção estruturalista lévi-straussiana) e redesenha uma conseqüente história da cultura, em cujo prolongamento se abre, ancho e luminoso, o espaço para a emergência de um novo pensamento utópico; há certamente um lugar de vida e esperança para lá da cultura cínica científica moderna. A revolução lógica operada por Sampaio tem efeitos marcantes sobre os fundamentos de praticamente todos os saberes estabelecidos: na matemática, na física, na cosmologia, na epistemologia, na psicologia, na economia, mesmo na teologia (que começa agora onde justamente se esgota a hiperdialética mundana) e a cada dia que passa é mais um campo do conhecimento que recebe o impacto de seu pensar raro, porque deveras seminal.