[ENTREVISTA DADA A MARCELO CELANI BARBOSA EM MARÇO DE 1998 PARA SER INSERIDA NO SEU LIVRO As Lógicas – As Lógicas Ressuscitadas Segundo Luiz Sergio Coelho de Sampaio, PUBLICADO AINDA NAQUELE MESMO ANO PELA EDITORA MAKRON BOOKS, SÃO PAULO]
MCB- O professor Aquiles Côrtes Guimarães, e parece que você não discorda dele, o coloca no prolongamento de uma linha que vai de Parmênides a Hegel e não de Heráclito a Hegel, esta última que todo mundo conhece, inclusive porque Hegel declara que sua dialética aproveita tudo que foi dito por Heráclito. Por que uma linha e não outra?
LSCS- A pergunta é ótima... é o que todo entrevistado diz quando a pergunta está ótima para ser respondida. Hegel mesmo se filia a Heráclito, considerando-o o primeiro dos filósofos verdadeiramente dialéticos. Assim, a linha Heráclito/Hegel vai da dialética concebida (I/D) à dialética acabada (I/D)[1], de modo que no seu prolongamento só pode haver mais dialética (I/D). Como Hegel se considera o máximo, ficar no prolongamento dessa linha seria tornar-se um pensador dialético redundante (I/D). A linha Parmênides/Hegel é de natureza completamente diferente, é a dos filósofos onto-lógicos, que fazem de ser e pensar o mesmo. Parmênides o faz a nível identitário ou transcendental I; Hegel, a nível dialético ou trinitário I/D. Aqui, sim, pode haver prolongamento que não é pura redundância, embora tenhamos que sacrificar a pretensão hegeliana de ser não ultrapassável. Pode-se chegar a ser e pensar como sendo o mesmo a nível qüinqüitário ou hiperdialético I/D/D=I/D/2. Esta passagem de I/D a I/D/2, é fácil perceber, implica necessariamente que se consiga, de cima, pensar a ciência D/D=D/2. Acho que qualquer um, vendo o tabuleiro agora por inteiro, entre as duas linhas a que você se referiu, faria a mesma escolha, embora isto comporte grandes riscos e suscite grande antipatia.
MCB- É ainda o professor Aquiles, em seu Relatório para o CNPq, que rotula você como um neohegeliano. Você mesmo nomeia sua lógicaI/D/D= I/D/2 de hiperdialética numa obvia referência à dialética hegeliana. Por outro lado você diz que Hegel significou um entrave - progressista, ao focalizar o ser histórico, mas um atraso, quando, já em plena idade da ciência (D/D=D/2), absolutizou a dialética (I/D). Não seria mais “produtivo” se você se medisse não com Hegel, mas com Heidegger que, afinal, é quem domina a nossa época?
LSCS- Este negócio de eu estar me medindo com A ou com B, não é coisa que vá de si assim tão facilmente. Eu fico muito honrado, mas seria o caso de perguntar antes se, ainda que como régua, eles me aceitariam para termo de comparação.
De qualquer modo, se você reparar bem, irá ver que eu cito mais Heidegger do que Hegel, mas quando o assunto é especificamente lógica ele serve pouco para ilustrações didáticas. Desde a minha leitura de Introdução à metafísica ficou-me a impressão de que Heidegger havia antes muito se preocupado com a lógica. Hoje sei que seus primeiros textos de 1911 a 1919 trazem bem explícita esta preocupação, mas o grande problema é que não tenho acesso a estes textos para melhor explorar o tema, o que seria fascinante. Que eu saiba, existe muito pouco sobre o tema Heidegger e a lógica: a tradução de suas lições de 1928, para o inglês, notas referentes às lições de 1934, em espanhol, e a obra crítica, mas muito sumária, do professor Thomas Fay [2]. De qualquer modo, em Noções elementares de Lógica, tomo I, abro a questão da lógica em seu contexto cultural amplo citando justamente Heidegger e depois K. Axelos - Contribuition à la logique - que, a meu ver, foram os que enxergaram mais longe, que perceberam que a crise da cultura é de natureza lógica e correlata à crise da lógica em nossa cultura.
MCB- Crise da lógica?
LSCS- Sim, no sentido da lógica ficar reduzida hoje aos seus aspectos formalizáveis. Antes do pensamento único, como seria mesmo de se esperar, instalou-se a lógica única, já reparou?!
Continuando, quanto às lógicas, Heidegger, pelo enfoque metodológico, isto é, pelo comprometimento com a fenomenologia é lógico transcendental I, porém a emprega na direção oposta àquela de Husserl. Segundo Gerd Bornheim, para Heidegger, a medida do pensar encontra-se no diferente (D) do pensar (que ele me perdoe por ter intrometido um parêntese e uma letra no texto).
Você vê assim que a problemática lógica em Heidegger, à semelhança de Kierkegaard, principalmente, fica sempre entre I e D que, de algum modo, basta-lhe para fazer a crítica da idade da ciência (segundo ele, da técnica), mas é insuficiente para mostrar-nos um caminho a seguir. Como ele poderia enxergar a hiperdialética I/D/2, se lhe falta uma dialética I/D (novamente como em Kierkegaard), um esforço de síntese de I e D, como bem assinalou ainda o Gerd Bornheim em seu Dialética-Teoria/Práxis. Em suma, esta ambigüidade lógica, como eu dizia, torna difícil o seu aproveitamento para ilustrar uma lógica específica. Entretanto, para ilustrar a importância da questão da lógica em geral, inclusive de suas implicações sócio-culturais, ele é ótimo.
MCB- E o comprometimento de Heidegger com o nazismo, não lhe incomoda. Como é que a lógica poderia tê-lo salvo desta enrascada?
LSCS- Isto já chegou a me incomodar muito. Como o maior filósofo do século, uma quase unanimidade, pôde cometer um erro político assim tão grave?! Afinal, mesmo que a filosofia não sirva para nada - que é uma idéia do próprio Heidegger, que aceito de boa vontade -, podia pelo menos iluminar um pouco o caminho para evitar coisas assim tão graves. Eu não tenho a mínima dúvida do seu comprometimento profundo e prolongado com o nazismo. E não se precisa do livro do Farias [3] para se chegar a esta conclusão; basta a lógica da situação, como vou tentar explicar. As defesas que lhe foram até hoje feitas, eu acho, só serviram para comprometer também os defensores. Hoje isto não me incomoda tanto, em parte porque a lógica, acho, me levou a compreender porque aconteceu o que aconteceu. E nós, que combinamos deixar a lógica de lado...
A lógica não podia tê-lo salvo de jeito nenhum porque foi justamente ela que o levou ao equívoco. Veja bem. A modernidade é caracterizada pela lógica da ciência (D/2) e com isto não há quem discorde. Somos todos a favor da ciência - pelo menos para nós -, a começar pelos automóveis, CD’s, viagens em aviões a jato, anticoncepcionais, exames com ressonância magnética, etc.
O grande debate ideológico refere-se, ainda que freqüentemente dissimulado, a quem deva ser o sujeito da ciência: o sujeito liberal anglo-saxônico (hoje, pode-se dizer também social-democrata; é a mesma coisa) (I); ou o sujeito telúrico, romântico, inconsciente (cultural), ou, em sua versão mais primitiva, o sujeito libidinal (D); ou o sujeito coletivo jesuítico, socialista de verdade ou comunista (I/D); ou nenhum deles - é a posição das Cúrias, que não se interessam por qualquer sujeito, ainda que eles próprios, D/2. Politicamente, se não há dialética em Heidegger, exclui-se automaticamente o sujeito I/D. Como ele também não pertence à Cúria, sobram-lhe as opções I e D, identidade e diferença, cultura judaica e cultura grega, filosofia (transcendental) e poesia. Como nos informa o Farias, Heidegger, em suas manifestações públicas no início e no fim de carreira, refere-se a Abrahan a Sancta Clara, herói da resistência à penetração islâmica via Oriente. Islamismo ou semitismo?! De certo modo, a luta contra a penetração islâmica ia atingir também seus meio irmãos, tal como aconteceu no Ocidente, principalmente na Espanha e Portugal. Esta é a meu ver a raiz mais antiga do anti-semitismo europeu. Há outras posteriores, como a migração judaica para Frankfurt por volta de 1800, que dá início ao processo de modernização na Alemanha - que tanto incomodou Hegel [4] e Hölderlin -, e, ainda mais recente, o movimento soreliano [5] no início deste século, mas que não é o caso comentarmos aqui. A opção heideggeriana é pelo sujeito telúrico, pelo torrão natal, pelos gregos, pela cultura, pela poesia, pelo trágico, em suma, pelo sujeito D.
Na passagem para o século XX, o capitalismo vai aos poucos se transformando, o marketing passando a ser o motor do sistema, isso implicando que a sua expansão, doravante, só se faria pela prévia agressão à cultura (dos outros). Por isso, na Alemanha o nazismo ganhou a proporção que tomou, o que não pode ser explicado, de modo simplório, como causado por um grupelho de loucos. O nazismo acabou sendo uma reação antecipada ao capitalismo de marketing (ou a estetização da política?!) [6] como o socialismo soviético foi uma reação retardada ao capitalismo produtivista ou de acumulação (ou a politização da arte?!).
Acontece que o sujeito liberal (I) é por definição um sujeito sujeitado, um sujeito intervalar entre dois sistemas (D/2). Enquanto isto, as opções a direita (D) e a esquerda (I/D) têm a pretensão, não apenas de trocar de sujeito da ciência, mas inverter também sua posição relativamente a ela. Na versão nazi-fascista, significa colocar a ciência (e a técnica) a serviço da preservação da cultura (D). Isto, entretanto, é uma impossibilidade e, mais dia menos dia, a situação irá se inverter, porque a lógica D/2 é que subsume I, I/D e, com mais energia ainda, D, e não o contrário. A modernidade anglo-saxônica não corre este perigo porque ela é essencialmente pervertida, ali o sujeito já nasce tributário, servindo à reiterada restauração do sistema.
A única desculpa para Heidegger seria ter acreditado que o esquema lógico não perverteria, que D manteria o controle sobre D/2. Que ele não teria podido prever que a burocracia de estado (D/2) acabaria assumindo o poder total e usando a manipulação cultural, a propaganda (que era implicitamente tida como arma de agressão à cultura, arma do inimigo), para se manter no poder. É uma boa hipótese, mas, de qualquer modo, apenas uma atenuante. Creio que ninguém saberá ao certo, jamais.
MCB- Certa vez, assisti a uma palestra sua em que você, tratando das ideologias de esquerda e direita projetou um texto de Heidegger que me pareceu muito esclarecedor. Consegue lembrar?
LSCS- Como não! Você tem toda a razão. Não sei como fui me esquecer de mencioná-lo agora. É um texto sensacional da Introdução à metafísica, provavelmente escrito em 1935, antes da Segunda Guerra, em que Heidegger afirma que vê, metafisicamente, a Europa entre duas tenazes: de um lado a Rússia (tendo como sujeito da ciência o ser coletivo I/D) e de outro a América (como sujeito da ciência o indivíduo liberal I) [7]. Onde estaria o desejado sujeito da ciência para a Europa, segundo ele, senão em D? A propósito, uma sutil cantada nos franceses contra o sujeito anglo-saxão que, não fosse o General De Gaulle, poderia ter rendido melhores frutos.
Você vê, mais uma vez, que não se precisa do Farias, mas da lógica, para entender o comprometimento de Heidegger com o nazismo.
Acho que isto é o suficiente para me explicar sobre Heidegger.Tenho uma imensa curiosidade por seus textos anteriores a 1919; talvez isto pudesse obrigar-me a rever, pelo menos em parte, o que disse aqui, Quem sabe?!
[ Não seria bem o que diríamos hoje, depois de ter lido o HERÁCLITO de Heidegger, que parece-nos mais do que suficiente para compreender o filósofo alemão em sua real profundidade lógica, e também parcialidade, conforme mostramos em A LÓGICA DA DIFERENÇA – cap. 6, A lógica da diferença e a tradição filosófica (aguardando publicação). Com isto, por certo, diminuiria o valor propriamente lógico dos textos referidos, mas não obviamente o seu valor histórico compreensivo]
MCB- Respeitando nosso trato, vou fazer uma pergunta, não sobre lógica, mas sobre a recepção das suas idéias sobre ela. Você se queixa com freqüência de uma sistemática resistência neste sentido. Dá para você explicar porque acontece isso? Eu, pelo menos, não tenho a menor dificuldade em entender o que você quer dizer, embora nem sempre concorde. Você não estaria deste jeito, inconscientemente, imitando a tática do Freud, dizendo-se um eterno incompreendido?
LSCS- Que você entende, não tenho dúvida. O mesmo acontece com um bom número de pessoas, em geral, que não se tomam por especialista em filosofia. O que mais me intriga é a reação de pessoas que se têm por estudiosos de filosofia. Veja. Como pode alguém alfabetizado em filosofia desconhecer a existência de pelo menos três lógicas: a lógica clássica (D/2), a dialética hegeliano/marxista (I/D) e a lógica transcendental (I). Quanto a esta última, não é preciso mais do que ler umas vinte páginas da introdução da Lógica formal e lógica transcendental de Husserl (infelizmente, até hoje, sem tradução para o Português), para não falar de toda a Crítica da razão pura que só trata disso. Bastaria, agora, que estas pessoas se colocassem apenas uma pergunta: se a dialética é lógica síntese da lógica da identidade e da diferença (I/D), e se a lógica da identidade é a mesma coisa que lógica transcendental (I), onde estaria a lógica da diferença? Abrindo um parêntese, é a mesma coisa que, no âmbito do idealismo alemão, filiar Fichte (I) a Hegel (I/D) esquecendo Schelling (D). Bem, caso a lógica da diferença se confundisse com a lógica clássica (ou Schelling com Aristóteles) você teria que admitir a subordinação da lógica clássica à dialética. Se você não concorda com isso (e este é o caso da quase totalidade dos resistentes), então, simplesmente a lógica da diferença não é a lógica clássica. Por isso, estaria faltando considerar ainda uma quarta lógica. Esta é a lógica freudiana do pensar inconsciente, aquela que Lacan denominou com grande propriedade lógica do significante. Como a lógica do simbólico é a dialética - conforme ensinou-nos Platão em seu diálogo Parmênides -, ao desconsiderarmos o sentido para ficarmos apenas com o significante, estaremos desconsiderando o I de I/D e ficando apenas com D; não parece óbvio?! Em suma, desconhecer a existência de pelo menos quatro lógicas, que não podem se reduzir umas às outras, é o mínimo que se pode pedir a alguém, como eu disse, que se pretenda alfabetizado em filosofia.
Quanto às letras I, D. I/D etc. é apenas uma taquigrafia, uma simbologia mnemônica que me facilita bastante o pensar. Se alguém achar que é matemática de alta sofisticação, pode jogá-las fora, o que não altera em nada a essência do que eu digo. Mas veja, se este alguém não compreendeu com as letras muletas, pior vai se haver só com as próprias pernas! Aliás, recorrer a letras em matéria de lógica não é invencionice minha, mas uma tradição com pelo menos 2300 anos!
MCB- Você explicou o fato, aceito, mas não a resistência...!
LSCS- Acho que, ainda que obliquamente, a coisa está dita. Para falar da multiplicidade das lógicas eu podia parar no inventário de apenas três. Continuei porque era importante colocar a quarta lógica, que é a lógica da diferença D, precisamente a lógica do outro ou do inconsciente. A lógica clássica D/2 subsume as lógicas I, I/D e, além, a lógica da diferença D, o que significa que a preserva ao mesmo tempo que a recalca. Em termos pessoais, isto eqüivale à superação da problemática edipiana e, em termos sociais, à instauração da cultura cínica científica (D/2) sobredeterminando a cultura trágica grega (D). Num caso e noutro, trazer a lógica D à superfície assusta, na medida em que representa a volta do recalcado. Eu estou mesmo dizendo que o fenômeno é inconsciente, especificamente da ordem da resistência. Em apoio a isto está o próprio fato da lógica da diferença D, embora se constituindo numa lógica fundamental, ter sido a última das lógicas de base [8] a ser desvelada.
A minha clínica, que são as minhas palestras, mostra isto com bastante evidência. Em muitas pessoas o inconsciente é mais arguto do que o consciente e percebe logo onde eu vou chegar mal começo a falar da multiplicidade das lógicas. Quando isto acontece o inconsciente invade o consciente ordenando que este se recuse a compreender, que diga não a não importa o que vá ouvir. Seria cômico se não fosse muito triste ver, na oportunidade, pessoas com razoável grau de instrução e responsabilidade dizer obsessivamente (D/2) besteira em cima de besteira.
MCB- Isto explica a resistência às lógicas de base, particularmente à lógica da diferença. Mas por que então também a resistência à lógica hiperdialética ou qüinqüitária?
LSCS- Creio que é uma decorrência do fato anterior, porque a lógica qüinqüitária (I/D/2) é a síntese das anteriores, é a lógica que as administra. Mas podemos especular um pouco mais. A lógica da diferença é a que até hoje tudo comandou, porque, como nós sabemos, ela possui um conjunto de valores próprios ou de verdade (1, -1 e 0, ou seja, verdadeiro, falso e indefinido), a que pertencem todos os valores de verdade das outras lógicas de base. Em resumo, todas as lógicas de base - inclusive a lógica do ser consciente, lógica da identidade ou transcendental - são de algum modo tributárias da lógica da diferença. Você acha que o homem chegou à racionalidade, à era da ciência, consciente ou inconscientemente? Ademais, a lógica qüinqüitária (I/D/2) possui três valores de verdade como a lógica da diferença; porém, acontece que os valores desta última são modos reduzidos dos valores daquela. Intuitivamente, a configuração verdadeiro, falso, indeterminado é uma “abstração” da configuração eu, tu, ele. Daí, pode-se facilmente inferir que o advento da cultura nova (I/D/2) vai significar a derrocada do imemorial e sub-reptício império da lógica da diferença D, o que pode bem explicar a existência de uma forte resistência a nível cósmico (ou cosmo-lógico) à lógica qüinqüitária, resistência esta de que as pessoas seriam apenas vítimas. [É importante lembrar que ficar aquém de sua própria lógica constitutiva, define as psicoses (ficar em D ou aquém), e as neuroses (ficar além da psicose, mas aquém de D/D=D/2 ) é o que nos leva ao sofrimento.]
Falando um pouco mais terra a terra, eu diria que a nível pessoal, ainda prefere-se a certeza ou o cálculo (D/2) da inexorável incerteza do mundo atual, do que enfrentar as incertezas que levam à certeza, que para mim é o advento da cultura nova qüinqüitária (I/D/2).
MCB- Falando nisso, já existiriam sinais inequívocos da chegada da cultura nova hiperdialética ou qüinqüitária?
LSCS- Acredito que sim. Sintomas. A passagem da cultura moderna (D/2) à cultura nova qüinqüitária (I/D/2), pressupõe uma séria crise planetária, guardadas as proporções, semelhante à crise que levou à queda do Império Romano. A atual onda globalizante pode estar preparando esta grande crise.
Seria um pouco complicado lhe mostrar agora as razões pelas quais a lógica da competição ou do mercado (I/D), que hoje faz a mediação entre o desejo individual (D) e o desejo coletivo (demanda agregada) - que antes da modernidade já tinha mediado o político, isto é, a passagem das determinações pessoais à determinação coletiva -, se deslocará para fazer um outro tipo de mediação, de cunho simbólico ou espiritual, que ainda não consigo definir com precisão. Isto quer dizer que continuará a haver competição, mas não econômica ou material, mas algo de cunho simbólico ou espiritual. Quanto à mediação dos desejos (D), não há dúvidas, que ela será substituída por um processo lógico D/2, isto é, contábil, como hoje se contam votos. A informatização geral da sociedade, de um lado, e a oligopolização da produção mundial, de outro lado, são precisamente as pré-condições para que isto venha a ocorrer. Nunca vi maior idiotice do que se preparar para a competitividade econômica, quando ela está a olhos visto aceleradamente declinante. Teremos então uma espécie de economia planejada sem, no entanto, um órgão central de planejamento. Isto me parece já bastante óbvio. São as velhas astúcias da História, como diria Hegel.
Outro aspecto a considerar é que a síntese I/D/2, precisa ser alcançada não só via masculina (I)/(D/2), que reduz a humanidade à técnica, mas principalmente pelas lógicas recalcadas pela cultura moderna, D e I/D, isto é, via (I/D)/(D), que é o modo feminino da síntese I/D/2. Isto significa que a conquista da cultura nova qüinqüitária será concomitante a liberação/realização do ser feminino. E este processo está correndo com tal velocidade que uma só geração é suficiente para que se note enormes mudanças com respeito a este aspecto.
Acredito que já existam muitos outros sintomas, mas nós todos ainda temos grande dificuldade para interpretá-los.
MCB- E a explicitação da lógica I/D/2, pesa alguma coisa nisso?
LSCS- Seria muita pretensão e ingenuidade de minha parte acreditar que sim. Processos de formação de uma cultura levam séculos. A cultura cristã, pode-se dizer, começa a se formar com a helenização promovida por Alexandre, especificamente com a sua invasão da Palestina e só se consolida de vez no Concílio de Nicéia; são aproximadamente 650 anos. Podemos tomar para início da modernidade Erasmo, Santo Alberto Magno ou a chegada de São Tomás de Aquino à Universidade de Paris e, para data de sua consolidação, Descartes, Galileu ou a Revolução Industrial inglesa; temos aí cerca de 500 anos. A formação da cultura judaica, pode-se dizer, se dá entre a fuga do Egito e construção do segundo templo, época da reforma esdraica, e temos aí mais de 700 anos. Não vá levar estes marcos históricos a ferro e fogo, mas de qualquer modo são o suficiente para dar uma idéia aproximada do quantum de que estamos falando: em torno de 600 anos. É sempre assim, os processos culturais são por demais demorados e violentos, e ninguém é capaz de abarcá-los, porque não vive para tanto, nem teria mesmo olhos e estômago para tamanha violência que isso sempre implica. Acho, honestamente, que a compreensão do processo histórico cultural, especificamente, de seus determinantes lógicos, pode evitar um pouco de sofrimento pessoal, constituir-se numa espécie de Prozac, só que ninguém sabe ainda, dos dois, qual produz os piores efeitos colaterais!
MCB- Quais as chances brasileiras com a aproximação da cultura lógico-qüinqüitária?
LSCS- Para o Darcy Ribeiro, as coisas já estariam até consumadas. Para o Caetano Veloso (vão me malhar, porque este não é um autor conspícuo!), ainda não; a questão seria apenas de tomada de consciência, de parar de se sabotar, de não tremer diante da tarefa quase concluída. Estou mais perto do Caetano Veloso, porém, acho o processo cultural brasileiro muito complexo para que se possa já dormir tranqüilo, que já ganhamos. Pelo menos, para garantir que chegaremos lá, valeria a pena um bom investimento nesta compreensão. Não atrapalha, e pode ajudar.
Caso eu esteja certo, seria bom voltarmos à problemática do sujeito da ciência. A marginalidade do Brasil em relação à modernidade não tem nada a ver com a ciência, e seria um absurdo que assim fosse, se nascemos com a modernidade e, Portugal, das nações européias, era a que menores amarras tinha com o feudalismo. O problema, como sempre, é o do sujeito da ciência, que já herdamos de Portugal, e aqui mais se complicou.
Quando os judeus, criadores da cultura da identidade I, foram convertidos a força ou expulsos, Portugal perdia exatamente a força que o faria uma nação moderna. Ficou com o estado burocrático (D/2), mas sem o sujeito liberal, sem a iniciativa privada (I) que o poderia dinamizar. Isto foi bem observado pelo padre Antônio Vieira, que tentou mesmo consertar as coisas, o que lhe valeu um bocado de dor de cabeça... e quase a própria cabeça.
O episódio Pombal se explica nestes termos: por suas andanças e amizades Pombal percebeu que o grande impedimento para a modernização de Portugal eram os jesuítas, com sua insistência no sujeito coletivo universal (I/D). Ele tentou mudar, começando com expulsão dos jesuítas de Portugal, e antes, com a execução de seu provincial local. Não sei porque não tentou o sujeito anglo-saxônico (fora embaixador na Inglaterra). Insistiu (ou conformou-se) com um sujeito coletivo (I/D), porém nacionalizado, o que vai na direção de D. A criação do Colégio dos Nobres, é algo exatamente neste sentido. É a mesma lógica do conflito entre a Igreja e os militares no Brasil de 64 para cá.
No Brasil, como herança portuguesa, as elites são pelo sujeito coletivo (I/D). A parcela civil, educada jesuiticamente, opta pelo sujeito coletivo universal, internacionalizado. Já a parcela militar merece um capítulo a parte. Ela também opta pelo sujeito coletivo, porém, nacionalizado (particularizado), o que, a princípio, além de uma contradição, a leva para os lados de D, seguindo o mesmo esquema pombalino. Isto não quer dizer, entretanto, que caiam necessariamente na posição fascista, e isto, por duas razões: a primeira, porque são travados justamente pelo seu apego ao racionalismo (D/2); a segunda, derivada desta, é que a lógica D, ao invés de visar o corpo, o gozo, justamente porque recalcada por D/2, visa o sacrifício (do gozo), à geopolítica, à guarda dedicada das nossas fronteiras, do espaço físico da nação abstraídas as pessoas. Esta coisa complicada leva o rótulo de positivismo das Forças Armadas Brasileiras! Positivismo que tem alguma coisa com a ciência, com a racionalidade, mas, como sempre, como você pode ver, muito mais com a escolha do seu sujeito apropriado.
Agora a situação ainda mais se complica com a forte presença da cultura negra (Bantu), que manifestamente tende para o sujeito libidinal D. Assim, não vamos nunca na direção do sujeito I; de um lado, a elite tende para a esquerda I/D (a parcela civil, coerentemente, para o internacionalismo, e a parcela militar, se enreda naquela complicação, indecisa entre o sujeito coletivo nacional - I/D submetido a D -, e não ter qualquer sujeito - D/2 subjugando D, inclusive barrando sua aliança com o povão); de outro lado, o povão para a direita D. Esta é, muito esquematicamente, a lógica da nossa resistência à modernidade. Insisto em que estou simplificando demais por não considerar aqui a cultura dos índios, as migrações européias e asiáticas para o Sul e principalmente as variantes regionais.
A tentativa de modernização do Brasil é hoje feita, primeiro, pela penetração das seitas evangélicas no estrato social de mais baixa renda (bastante ambígua, porque feita metodologicamente de maneira D, dado o peso da herança cultural africana neste estrato); depois, empurrando o estrato médio (excluídos os saduceus cooptados que aderem ao conquistador) para a “livre iniciativa” através da instabilização do emprego ou mesmo da sua supressão (engenheiros especializados que deixam empregos em estatais para ter seu próprio taxi ou carrocinha motorizada de venda de cachorro quente); por último, pela substituição da “clientelista” (I/D) elite econômica nacional pela “auto-determinada” (I) elite econômica internacional (I).
Ao invés de resolver, isto está, sim, tornando a situação brasileira absurdamente complexa e confusa. É isto mesmo, ninguém consegue entender o Brasil. Por isso a necessidade, para começar, de esquematizações drásticas como estou tentando fazer aqui. Depois, é que a poderemos refinar.
Vejo tudo isso com grande apreensão dado o alto nível de alienação das elites políticas e de boa parte das intelectuais brasileiras.
Por outro lado, já vimos que é precisamente das lógicas femininas que se precisa para criação da cultura nova. E aí está o mais interessante: a tendência histórica oscilante entre I/D e D atrapalha a ida para a modernidade I, mas ambas são essenciais para a criação da cultura nova qüinqüitária. O erro dramático é forçar o Brasil a entrar para o primeiro mundo, correr atrás dos EUA, quando o que deveríamos fazer é ultrapassá-lo, não via política ou econômica, mas culturalmente. Como eu gosto de repetir, nossa grande vocação é a originalidade, e não o luxo.
A meu juízo o Brasil jamais será moderno; se insistirmos como estamos estupidamente fazendo agora, corremos um grande perigo, o da desagregação cultural, e a seguir, a desagregação política e econômica da nação.
MCB- Você pode dizer, especificamente, quais seriam as ameaças ou perigos que hoje nos estariam rondando?
LSCS- Como a guerra é cultural, o objetivo estratégico fundamental é o de se apoderar do imaginário do outro e promover, por aí, a destruição da sua integridade cultural [9]. Isto é feito hoje sem descanso, buscando atingir a religião, a música, os jogos infantis, as relações familiares tradicionais, o ensino de história, etc. Corroem o esporte coletivo em proveito do esporte individual, enfatizando corridas de carros, o tênis, etc. Procuram desmobilizar as paixões transformando clubes de massa em empresas e as equipes em amontoado de estrelas. O assalto, sob a denominação de modernização globalizante, às escolas de samba não tarda. Você já parou para ver um anúncio?! Digo ver e não se deixar violentar. Veja os comerciais do Mc Donald’s (cafetinando o futebol brasileiro), da Peugeot (fazendo a promoção de eu sozinho), do cigarro Free (proclamando o caráter relativo de todas as coisas, exceção do referido cigarro, que passa assim a ocupar o lugar da cultura) e milhares e milhares de outros. O marketing televisivo, e não os filmes de ação, é que são a causa primeira do crescimento da violência no Brasil.
Eu digo que a propaganda é a indústria do inconsciente; a psicanálise seu pobre artesanato. Quando Freud, chegando de navio aos EUA, disse que ali estava aportando a peste, não podia estar mais certo ... e mais louco pelo sucesso (mesmo que fosse este), aliás, como sempre esteve!
Veja só, o incentivo à jogatina por todos os lados e ao sexo debochado é apresentado como nossa maior conquista em termos de liberdades democráticas! [E viva o farsismo!]
Você sabe que uma das nossas grandes vantagens é a tradicional resistência da cultura negra, mas aí também ronda o perigo. Ou se tenta transformar o direito à cidadania plena de fundamento cultural em luta meramente econômica, pagável em espécie, ou se ataca direto no plano cultural, com a “evangelização” ou mesmo com a “islamização”, como se está fazendo nos EUA.
O mais grave, é que tudo isto é feito com a conivência (a palavra mesmo é traição) das nossas elites políticas, econômicas e “intelectuais”. Uma das formas mais insidiosas de fazer isto é através da defesa do multiculturalismo, que agora se tornou moda intelectual.
MCB- Num País como o Brasil, a multiplicidade cultural não seria uma virtude?
LSCS- Em termos. A multiplicidade cultural é ótima quando se tem em mira a construção de uma nova cultura. Se não é este o caso, estamos sim criando uma nova Iugoslávia.
O que está em causa é o ocultamento da dimensão cultural, que é o fundamento, em última instância, da unidade de qualquer grupo social. Veja, existem hoje uma porção de discursos marcadamente ideológicos com o propósito deliberado de ocultar a dimensão cultural do ser social. O mais comum e grosseiro é afirmar que o social está composto de três dimensões básicas: o político, o econômico e o social. Isto é hoje repetido à exaustão e estrutura todos os discursos públicos e privados; está na Constituição (ordem política, ordem econômica e ordem social) e no discurso doutoral do Presidente (Presidente dos interesses internacionais no Brasil). Outro, um pouco mais sutil, está precisamente na defesa irrestrita do multiculturalismo, discurso já com uma certa áurea de nobreza acadêmica. Ainda outro, é desvirtuar a cultura sob a pecha do psico-social.
O primeiro discurso constitui uma absurdidade tão grande quanto afirmar que o corpo humano está dividido em três parte - cabeça, tronco e corpo humano - ou, que a Trindade é formada pelo Espírito Santo, pelo Filho e pela Trindade mesma, ocultando, lacanianamente, o nome do Pai. Trata-se de um discurso facilmente desmontável, desde que não lhe sejamos também coniventes. O correto seria ter o cultural no lugar do social (se você reparar bem, o que chamam social é o lado podre do modelo econômico). Assim deve ser - político, econômico e cultural -, não por capricho ou revelação, mas porque a cultura é o fundamento da unidade do ser social, o econômico, necessariamente fonte de suas diferenciações internas, e o político, o lugar da síntese que permite recuperar o ser uno, agora uno/trino ou dialético. Quanto maior a espessura e consistência cultural de um grupo social, mais ele pode dar largas à inventividade tecnológica e ao dinamismo competitivo, pois a nível político pode-se tudo remediar e assim recuperar a imprescindível integridade grupal (este é o caso precisamente dos EUA). Estas prosaicas observações servem também para deixar a nu o caráter ideológico, e novamente absurdo, do discurso filo-multiculturalista: o múltiplo que é, ao mesmo tempo, um, [sem que se trate aí de um pensar lógico-dialético]. Algo equivalente ou pior do que um círculo quadrado!
Quanto ao psico-social, não é preciso explicar nada, o próprio significante, no caso, já diz absolutamente tudo. É novamente o social no lugar do cultural, com o agravante do psico, que lhe dá um tom inequivocamente manipulativo.
MCB- Você está sempre insistindo na lógica e na cultura e todo mundo só fala em economia e mercado. Você não estaria na contramão da história, correndo o risco de ser taxado de culturossauro?
LSCS- Ao estarmos na contra-mão corremos o sério risco de sermos atropelados, e isto deve ser tomado mesmo ao pé da letra.
A Grande História, não é a história da luta de classes, mas a história (I/D) da luta de culturas (D), por isso um processo lógico hiperdialético qüinqüitário (I/D/2). O atual processo de globalização é essencialmente cultural. Isto só não é mais facilmente percebido porque a concepção de cultura para os americanos é primordialmente cultura de massa, e não, como a concepção francesa e também nossa, cultura de elite. Assim, o marketing é o grande veículo cultural americano, vale dizer, para eles, política/estratégia econômica e política/estratégia cultural em boa parte se confundem. Para que eles possam jogar sozinhos, é importante dar a impressão que o jogo é outro, apenas o dos meios e não dos fins, que a grande problemática do mundo é econômica. Eles jogam o jogo mesmo, que pode ser boliche, e nos põem para jogar baralho; não importa o quanto nos esmeremos, sempre perderemos, simplesmente porque o jogo é outro. Quando alguém chama a atenção para o fato de que o jogo é cultural, passa a sofrer riscos de atropelamento.
Aqui é muito importante ter em conta a explicação lógica do fascismo de que falamos há pouco. A conexão fascismo/defesa antecipada da cultura contra a agressão mercado-lógica, precisa ficar a nível subconsciente para permitir a conexão automática defesa da cultura/fascismo. Aí está: se você defende a cultura, é logo acusado de fascista, o “subconsciente coletivo”, pelo que já expliquei, referenda este anátema e você é cercado e não consegue qualquer acesso à mídia. Se insistir, corre o risco de ser atropelado mesmo, como se fora um reles culturossauro, como você diz.
MCB- Que sentido pode ter a expressão filosofia brasileira? E, a seu juízo, como vai a produção filosófica brasileira?
LSCS- Para Heidegger, a filosofia é grega e talvez apenas os alemães tenham (ou tinham) condições de continuá-la. É óbvio que Heidegger sabia bem o que dizia. De fato, a filosofia é a pergunta pelo ser, mas o autenticamente grego é o distanciamento implícito à pergunta (D) e não o ser (I). Isto só poderia ser conseguido por uma cultura prometêica ou trágica D, que, para constituir-se, precisava justamente recalcar o ser (ou o sentido do ser) (I). O homem grego é o que se contrapõe ao deuses e não o que emana do Deus único e que também Neste encontra o seu destino.
A pergunta já pressupõe a perda. Por isso, Heidegger pode concluir com grande acerto que Platão acabou com a filosofia, pois foi buscar a resposta para a pergunta pelo ser (ou pelo sentido do ser) para além da diferença, na dialética. Acabava assim com a Grécia, embora estivesse antecipando em tudo a cultura cristã patrística, como você mesmo pode constatar lendo o Timeu.
Só discordamos porque para mim Platão não representa o fim da filosofia, mas apenas do seu período fundador grego.
A filosofia é um saber muito peculiar que sempre incorpora a anti-filosofia (fez assim com o positivismo, o neopositivismo e agora está fazendo com a psicanálise) e com isso dialetiza-se, faz-se confundir com sua própria história. Assim, a filosofia depois dos gregos deixou de ser a pergunta pelo ser perdido para se constituir na busca esperançosa da unidade de ser e pensar como modo de auto-desvelamento do homem. Tornou-se, por isso, também, saber crítico da cultura [10]. O seu grande problema hoje é subsumir a ciência, o que a fará então filosofia hiperdialética qüinqüitária. Esta, por enquanto, ainda é apenas uma oportunidade.
Agora, pode-se abordar a sua pergunta acerca de se existe ou não filosofia brasileira. Bem que poderia haver, se tivéssemos a coragem e têmpera para assumir esta tarefa, que se confunde hoje, em parte, com o empenho na construção da cultura nova qüinqüitária.
Quanto á produção brasileira de estofo acadêmico seria leviandade minha dar uma resposta; não conheço o suficiente. Creio que possa existir muita coisa de alta qualidade, como seguramente é o caso da produção do Newton da Costa, do Gerd Bornheim, do Miguel Reale. Melhor seria dirigir a pergunta para o Aquiles Côrtes Guimarães, o Jorge Jaime ou o Antônio Paim, que são os grandes especialistas neste assunto [11]. De qualquer modo, a circulação das idéias filosóficas entre nós é a pior possível. Aqui, em geral, nem as editoras privadas nem o Governo fazem qualquer coisa para ajudar, como acontece na França e nos EUA, cada um do seu modo, evidentemente. Aqui, [de cima vindo o mal exemplo,] praticamente só se raciocina (um eufemismo) em termos econômicos, e assim mesmo mediocremente.
MCB- Para terminar, uma questão bastante prática: como você orientaria a introdução da filosofia no segundo grau, que se tornou agora matéria obrigatória?
LSCS- Esta é uma questão que me preocupa bastante, e há cerca de dez anos fiz uma palestra, a convite do professor Antônio Xavier Teles, num ciclo para aperfeiçoamento de professores no Colégio Pedro II. Cheguei a preparar um texto de umas 50 páginas para a ocasião, que veio a ser Noções elementares de lógica - Compacto, que você já conhece. Se bem me recordo, parti da premissa que a matéria deveria ser acessível e interessante não só por si, mas igualmente pelos seus desdobramentos. Propus que se começasse no segundo semestre do penúltimo ano do segundo grau com o assunto Lógica clássica, tendo-se o cuidado de, primeiro, explicitar e discutir com alguma profundidade os seus três princípios consagrados - identidade, não contradição e terceiro excluído -; segundo, proporcionar ao aluno um mínimo de destreza operatória no trato dos conectivos lógicos através de suas tabelas de valores de verdade.
No primeiro semestre do último ano, o aluno teria sua Iniciação à informática, que o estaria aproximando e motivando para aquela área onde justamente serão maiores as oportunidades de trabalho; e aí a destreza operatória alcançada no trato dos conectivos lógicos lhe estaria sendo de grande valia.
Em paralelo, o aluno continuaria o seu curso de Iniciação à filosofia nos dois semestres do último ano. Um semestre seria dedicado à História da filosofia, organizada cronologicamente, é obvio, mas secundariamente segundo o eixo temático. A discussão do princípio clássico da identidade serviria para introduzir a filosofia crítica kantiana e a fenomenologia (I). A mesma coisa seria feita com o princípios clássico da não contradição e do terceiro excluído, o que daria ensejo à apresentação, de um lado, dos pensadores dialéticos (I/D), e de outro lado, da filosofia da diferença e da finitude (D). A aceitação dos três princípios seria a oportunidade de apresentação dos positivistas e neopositivistas (D/2). O segundo semestre seria dedicado às grandes problemáticas filosóficas. Estas seguiriam também seus determinantes lógicos: ser/pensar (I), conhecer (D) e agir (I/D); depois, ser/parecer (I; D) e ser/dever ser (I; I/D), respectivamente, a estética e a ética.
Acho que se deveria dedicar algum tempo à questão do transcendente, no âmbito do qual se pode adequadamente colocar a questão de ser/dever ser, por conseguinte, a questão ética. A questão do Absoluto pode aí também ser posta independente da eventual confissão religiosa dos alunos.
Não dá para entender porque não se faz absolutamente nada neste sentido, e seria tão fácil! O mercado, sempre o mercado, brevemente estará cheio de manuais de baixa qualidade sendo impingidos aos alunos, principalmente para os de família de mais baixa renda e perdida assim mais uma oportunidade para fazer alguma coisa séria em educação no Brasil, o que não acontece, eu acho, desde o tempo do presidente (do Brasil) Getúlio Vargas, do ministro Capanema e do educador Anísio Teixeira (estou radicalizando, porque existiu o Paulo Freire e por certo alguns outros heróis que desconheço).
NOTAS CONJUNTAS DO ENTREVISTADO E DO EDITOR
1. As expressões I, D, I/D etc. são apenas uma taquigrafia, uma simbologia mnemônica para designar as diversas lógicas da tradição. Existiriam duas lógicas fundamentais: I (lógica transcendental ou da identidade) e D (lógica da diferença). As demais lógicas seriam delas derivadas através da operação de síntese dialética generalizada simbolizada por “/ ”. Teríamos, então, I/D (lógica dialética), D/D=D/2 (lógica clássica), I/D/D=I/D/2 (lógica hiperdialética ou qüinqüitária) etc. Na esfera mundana, a ultima é por nós considerada a lógica própria e exclusiva do ser humano. Para maiores detalhes, ver SAMPAIO, Luiz Sergio C. de, Noções de antropo-logia. Rio de Janeiro, UAB, 1996 (xerografado) ou BARBOSA, M. C. As Lógicas. Rio de Janeiro, Makron Books, 1998. É bom alertar que o presente texto foi construído para ser lido independente destas referências taquigráficas. Elas aqui estão porque acreditamos que alguém, desde que não as tema, possa tê-las como um conveniente e simples apoio didático.
2. Hoje eu citaria, como fundamental, M. HEDEGGER, Heráclito, Rio de Janeiro, Relume-Dumara, 1998.
3. Menção a Heidegger et le nazisme de Victor Farias, Paris, Verdier, 1987
4. Referência aos escritos de Hegel de sua fase em Frankfurt focalizados em Hegel a Frankfort ou Judaïsme-Christianisme-Hegelianisme, de Bernard Bourgeois, Paris, J. Vrin, 1970
5. Referência a Georges Sorel. A propósito, ver Sternhell, Sznajder, e Ashéri, Naissance de l’idéologie fasciste, Paris, Gallimard, 1989.
6. Alusão a Walter Benjamin, Sampaio se perguntando onde a causa, onde o efeito.
7. Trata-se de Heidegger, M. Introdução à metafísica, Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro, 1966 p.79
8. As lógicas de base são as lógicas subsumidas pela hiperdialética qúinqúitária: I, D, I/D e D/D. Este conjunto, que forma a base da pirâmide representativa de I/D/D, é de grande importância porque suas diagonais, segundo Lacan (lido por nós), permitem a re-definição da sexualidade no ser-humano. Cf. SAMPAIO, L. S. C. de, Lacan e as Lógicas, Rio de Janeiro, 1992 in Sete ensaios a partir da lógica ressuscitada, Rio de Janeiro, Ed. UERJ (no prelo)
9. A propósito, acabam aqui no Rio de substituir as cores rubro-negras do Metro, pelo azul e branco do sempre excelente selecionado argentino.
10. Esta noção já se encontra em E. Cassirer.
11. Seria também importante mencionar, agora, depois de já editados os dois primeiros dos quatro volumes programados, JORGE JAIME, História da filosofia no Brasil, Rio de Janeiro, Vozes, 1998/99, que pela sua extensão e generosidade do autor, bem pode nos trazer gratas surpresas.
NOTAS CONJUNTAS DO ENTREVISTADO E DO EDITOR
1. As expressões I, D, I/D etc. são apenas uma taquigrafia, uma simbologia mnemônica para designar as diversas lógicas da tradição. Existiriam duas lógicas fundamentais: I (lógica transcendental ou da identidade) e D (lógica da diferença). As demais lógicas seriam delas derivadas através da operação de síntese dialética generalizada simbolizada por “/ ”. Teríamos, então, I/D (lógica dialética), D/D=D/2 (lógica clássica), I/D/D=I/D/2 (lógica hiperdialética ou qüinqüitária) etc. Na esfera mundana, a ultima é por nós considerada a lógica própria e exclusiva do ser humano. Para maiores detalhes, ver SAMPAIO, Luiz Sergio C. de, Noções de antropo-logia. Rio de Janeiro, UAB, 1996 (xerografado) ou BARBOSA, M. C. As Lógicas. Rio de Janeiro, Makron Books, 1998. É bom alertar que o presente texto foi construído para ser lido independente destas referências taquigráficas. Elas aqui estão porque acreditamos que alguém, desde que não as tema, possa tê-las como um conveniente e simples apoio didático.
2. Hoje eu citaria, como fundamental, M. HEDEGGER, Heráclito, Rio de Janeiro, Relume-Dumara, 1998.
3. Menção a Heidegger et le nazisme de Victor Farias, Paris, Verdier, 1987
4. Referência aos escritos de Hegel de sua fase em Frankfurt focalizados em Hegel a Frankfort ou Judaïsme-Christianisme-Hegelianisme, de Bernard Bourgeois, Paris, J. Vrin, 1970
5. Referência a Georges Sorel. A propósito, ver Sternhell, Sznajder, e Ashéri, Naissance de l’idéologie fasciste, Paris, Gallimard, 1989.
6. Alusão a Walter Benjamin, Sampaio se perguntando onde a causa, onde o efeito.
7. Trata-se de Heidegger, M. Introdução à metafísica, Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro, 1966 p.79
8. As lógicas de base são as lógicas subsumidas pela hiperdialética qúinqúitária: I, D, I/D e D/D. Este conjunto, que forma a base da pirâmide representativa de I/D/D, é de grande importância porque suas diagonais, segundo Lacan (lido por nós), permitem a re-definição da sexualidade no ser-humano. Cf. SAMPAIO, L. S. C. de, Lacan e as Lógicas, Rio de Janeiro, 1992 in Sete ensaios a partir da lógica ressuscitada, Rio de Janeiro, Ed. UERJ (no prelo)
9. A propósito, acabam aqui no Rio de substituir as cores rubro-negras do Metro, pelo azul e branco do sempre excelente selecionado argentino.
10. Esta noção já se encontra em E. Cassirer.
11. Seria também importante mencionar, agora, depois de já editados os dois primeiros dos quatro volumes programados, JORGE JAIME, História da filosofia no Brasil, Rio de Janeiro, Vozes, 1998/99, que pela sua extensão e generosidade do autor, bem pode nos trazer gratas surpresas.
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