por Luiz Sergio Coelho de Sampaio
no Quitandinha, Café Literário, às 14 horas do dia 16 de março de 2002
1. O século XX foi um século perdido. Na sua primeira metade o capitalismo deu por vezes mostra que estaria agonizante quando, na verdade, víamos apenas a fisionomia em contorções de um mutante. Passava ele da era do market share àquela do minei share, do produtivismo brutamontes ao consumismo etnocída. Terminou assim muito pior do que começara, deixando provado que não há saída, seja à esquerda, seja à direita. Quem sabe, haja uma saída por cima?! Tudo isto nos exige uma reflexão profunda para que possamos manter, de fato, ainda vivo o justo desejo de mudar o mundo.
2. O capitalismo é apenas o modo de produção preferencial da Modernidade, que em última instância constitui uma cultura. A Modernidade é, em sua essência lógica, uma estrutura de gênero: o masculino por cima, o feminino submisso em baixo. A Inquisição, especialmente, a Caça às Bruxas (ou à feminilidade) não foi o último capítulo da Idade das Trevas, mas o primeiro da era Moderna; destarte foram moldados os alicerces e os porões onde se iria encerrar enfim a "excessiva" sexualidade feminina.
3. Eis a estrutura bem visível e acabada: acima da linha do horizonte, atraente, está o motor - a ciência - e a ela bem atrelado como um eqüino, o sujeito liberal- o "conjunto" formando seu ser masculino. Em baixo, o tanque de combustível, seu ser feminino - a história e o desejo. Assim como plantas e bichos soterrados viraram petróleo, a história retoma de-formada pelo cálculo, virando acumulação de capital, e o desejo retoma deformado pelas técnicas de marketinq, virando hoje a demanda agregada.
4. O materialismo dialético e as filosofias da diferença, inclusive as que se inspiraram em Freud, foram fundo na crítica, mas apenas o fizeram pela metade. O que é pior, se pretenderam científicos. Então veio a Escola de Frankfurt tentando uma crítica por inteiro; no entanto, acabou recuando, em parte pelo que via, em parte pelo que era. Heidegger manteve fixo o olhar, por isso não calculou bem as conseqüências, ao cabo, acuado, se tez de volta ao berço, aos gregos, no fim refugiou-se na poesia. Até hoje não se teve a exata compreensão do que ficou aquém e, muito menos, a capacidade subversiva para apontar o que estaria verdadeiramente além da Modernidade.
5. É preciso criar uma saída e isto passa necessariamente pela critica radical da Modernidade como cultura, por conseqüência, também à ciência e à técnica. Só assim se poderá restabelecer o horizonte histórico onde irão emergir de novo, vigorosos, a vontade e o pensamento utópico. Na verdade, nunca foi tão fácil mudar o mundo, mas o difícil hoje é fazer as pessoas renunciem à crença na salvação pelos prodígios da ciência, em especial, daqueles da biopirotecnologia, que os meios de comunicação de massa não cansam de apregoar (especialmente nos jornais da noite, em todas as TVs, sem falhar um só dia).
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