15.9.17

Luiz Sergio Coelho de Sampaio, filósofo da lógica ressuscitada e anunciador de uma cultura nova qüinqüitária que se nos avizinha

por
Jorge Jaime de Souza Mendes
Presidente da Academia Brasileira de Filosofia
Rio de Janeiro, 1992


Esta é uma versão remanejada e ampliada da publicação interna da Academia Brasileira de Filosofia intitulada CONHEÇAMO-NOS UNS AOS OUTROS - Nº 1 – 1990, e que veio servir de base para o tópico sobre o referido filósofo em nossa História da filosofia no Brasil, 4 v., já em curso de publicação pela Editora Vozes.

Jorge Jaime - Maio de 1999.



SUMÁRIO


INTRODUÇÃO

PARTE 1: LINHAS GERAIS DA FILOSOFIA DE SAMPAIO

PARTE 2: A LÓGICA RESSUSCITADA E SEUS DESDOBRAMENTOS

2.1 Lógica

2.2 Lógica e Economia
2.3 Lógica e Cultura

2.4 Lógica e Psicanálise

2.5 Lógica e Teologia

2.6 Lógica e Física

2.7 A fertilidade de um pensamento

BIBLIOGRAFIA




INTRODUÇÃO


LUIZ SERGIO COELHO DE SAMPAIO nasceu na cidade do Rio de Janeiro, no bairro de Vila Isabel, em 1933. Cursou o Colégio Militar de onde passou ao Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) formando-se em engenharia eletrônica. Bacharelou-se também em economia, e após, realizou pós-graduação em análise de sistemas (ENCE) num dos primeiros cursos desta natureza realizado no País. Sua vida profissional tem sido da grande dinamismo tendo ocupado postos de direção na BVRJ, IBMEC, TELERJ (ex-CTB e hoje TELEMAR) EMBRATEL. Nesta última ocupou o cargo de vice-presidente e, na ocasião, por sua iniciativa, foi criada uma das primeiras redes tele-informacionais do mundo, o bem conhecido projeto Ciranda, que gerou o projeto Cirandão, rede de grande envergadura e acesso público semelhante ao que é hoje a Internet, e que foi “inexplicavelmente” descontinuado com o advento da Nova República.

Em que pese todo este engajamento empresarial, Sampaio jamais deixou de cultuar a filosofia, sempre o fazendo, não como um adereço intelectual, mas, como um modo de pensar com profundidade e conseqüente maior responsabilidade as coisas da vida e, particularmente, do Brasil, sua grande paixão. O seu persistente esforço pela busca de uma maior qualidade e eficiência empresarial foi sempre na direção da melhor qualificação do homem e, para tanto, segundo ele, além de sólidos conhecimentos técnicos, mercadológicos e administrativos, não poderiam faltar lógica e filosofia.

A obra do nosso pensador é ampla e surpreendentemente diversificada, como pode-se ver a seguir [a]:


1. A Permanente Revolução do Analógico ao Convencional – Rio de Janeiro. Parcialmente publicado no JB em 07.09.80 - (PRA).

2. As Lógicas da Diferença – Rio de Janeiro, Ed. EMBRATEL, 1984 - (LDI).

3. Informática e Cultura – Rio de Janeiro, Ed. EMBRATEL, 1984. (INC)

4. Noções sobre Angelologia – Rio de Janeiro, EMBRATEL, 1984 [NAG]

5. Notas sobre a Significação da Teoria Axiomática dos Grupos. Rio de Janeiro, Ed. EMBRATEL, 1984. (TAG)

6. Noções Elementares de Lógica – Tomo I. Rio de Janeiro, Ed. Inst. Cultura-Nova, 1988 (xerografado) – (NEL-I).

_____________

a. Esta lista foi atualizada pelo A. até a presente data de publicação. As obras serão citadas, no restante deste texto, pelas siglas mnemônicas que as acompanham. Assim, por exemplo, (LDI-p.3) remete-se à página 3 de As lógicas da diferença.



7.Lógica e Economia. Rio de Janeiro, Ed. Inst. Cultura-Nova, 1988 (xerografado) [LEE]

8. O Mundo Concreto. Tempo-espaço e Materialidade. Partículas e Forças, Vol. I e II. Rio de Janeiro, Ed. Inst. Cultura-Nova, 1988 (xerografado) – (MCT).

9. Noções Elementares de Lógica – Tomo II. Rio de Janeiro, Ed. Inst. Cultura-Nova – 1989 (xerografado) – (NEL-II).

10.Lógica e Psicanálise - nove ensaios. Rio de Janeiro, Ed. Inst. Cultura-Nova, 1990 (xerografado) – (LPS).

11. Depoimento para Rumos da filosofia atual no Brasil em auto-retratos – 2º volume (publicação idealizada e dirigida pelo Dr. P. Stanislavs Ladusãns S.J. que infelizmente faleceu antes de sua efetiva publicação). Rio, 1990 (RFB).

12. Noções de Onto-teo-logia. Rio de Janeiro, Ed. Inst. Cultura-Nova, 1990 (xerografado) – (OTL).7.Lógica e Economia. Rio de Janeiro, Ed. Inst. Cultura-Nova, 1988 (xerografado)

13. Noções Elementares de Lógica – Compacto. Versão abreviada e significativamente modificada do volume I da obra homônima acima mencionada. Rio de Janeiro, I. Cultura-Nova, 1991 [NEL-C]

14. Lacan e as Lógicas. Versão em português de artigo já aceito para ser publicado em Cahiers de lectures freudiennes. Rio, setembro de 1992 – (LEL).

15. Apontamentos para uma história da física moderna. Rio de Janeiro, UAB, 1993/1997. (xerografado) – (AHF)

16.Entrevista a Diane Kuperman in KUPERMAN, Diane, Anti-Semitismo, Novas Facetas de uma Velha Questão, Rio de Janeiro, Notrya, 1993

17. Cultura para a Educação, palestra in Conferência Nacional de Cultura, Rio de Janeiro, CULT, 1993

18. Dialética trinitária versus hiperdialética qüinqüitária. Rio de Janeiro, junho de 1995, (xerografado) – (TVQ)

19. A matematicidade da matemática surpreendida em sua própria casa, nua na passagem dos semigrupos aos monóides. Rio de Janeiro, outubro de 1995. (xerografado) – (MMS)

20. Lógica e Realidade - sob as vestes, ora mais, ora menos adequadas, de uma retórica formalizante. Rio de Janeiro, fevereiro de 1996. (xerografado) – (LER)

21.Introdução à Antropologia Cultural., I, II, III e IV em 2 vídeos, com cerca de 3,5 h de duração, EMBRATEL/UAB, 1994.

22.O jogo da diferença é o jogo do inimigo in O ENCONTRO – Um olhar sobre a Cultura, o Cidadão e a Empresa. Rio de Janeiro, CNI-SENAI/Ayuri, 1995

23. Noções de Antropo-logia. Rio de Janeiro, UAB, dezembro de 1996. (xerografado) – (NA-L)

24. A Questão Cultural – Palestra proferida no Workshop sobre A Questão Cultural, sob os auspícios da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, Brasília, out. 1996 (xerografado)

25. Princípio Antrópico - um novo fundamento e uma significação renovada.. Rio de Janeiro, UAB, fevereiro de 1997. (xerografado) – (PAN)

26. Lógica das constantes universais, Rio de janeiro, UAB, junho de 1997

27.Sete ensaios a partir da lógica ressuscitada. Rio de Janeiro, Ed. UERJ (no prelo) – (SEN)

28. Noções de teo-logia. Rio de Janeiro, UAB, 1999– (NT-L))

29.Outra vez, a matematicidade da matemática. Rio de Janeiro, UAB, dezembro de 1997

30.The Octect of the Physical Beings – Vacuum, the Class of Fermions and the Six Bosons Mediating Natural Forces, Rio de Janeiro, 1998 (xerografado). Também em versão em Português

31.A Grande Tarefa de Nosso Tempo: uma Nova Filosofia in Revista Brasileira de Filosofia, fasc. 189, S. Paulo, 1998

32.Desejo, Fingimento e Subversão ma história da Cultura, Rio de Janeiro, 1998 (xerografado)

33.Reflexões, logicamente otimistas, acerca do advento da cultura nova pós-científica in Pensamento Original Made in Brazil, Rio de Janeiro, Oficina do Autor/etc..., 1999

34.Lógica da Diferença. Rio de Janeiro, 1999 (aguardando publicação)

35.Considerações Gerais sobre a História da Cultura – Pré-requisito para a Compreensão e Avaliação da Situação Brasileira, palestra no Evento anúncio do Programa do Laboratório de Estudos do Futuro, UnB, Brasília, 1999.

36.Lógica da Diferença in Revista Brasileira de Filosofia, fasc.194, S. Paulo, abris/junho 1999

37.Crítica da Modernidade. Rio de Janeiro, julho de 1999

38. Re-significação cósmica do homem e do processo de sua auto-realização. Rio de Janeiro, setembro, 1999

39. A história da cultura segundo Toynbee, Tillich, Hegel e Marxa. Rio de Janeiro, outubro de 1999

40. A superação das idolatrias a religiosidade na cultura nova lógico-qüinqüitária, Rio de Janeiro, novembro de 1999


A importantíssima obra de Sampaio mantém-se fechada em âmbito bastante restrito, e mesmo aí, só circula graças às facilidades proporcionadas pelas modernas máquinas copiadoras. Em que pese tudo isto seu pensamento já encontrou interlocutores alhures e de grande peso. Vejamos, por exemplo, o que nos diz René Guitart, do Departamento de Matemática da Universidade de Paris e Diretor do Colégio Internacional de Filosofia, apreciando os trabalhos de nosso filósofo no terreno da lógica: “ Je veux essentiellement insistir sur l’originalité accomplie que comporte le travail de monsier Sampaio, et souligner que ce travail est indispensable à qui s’intéresse à la logique aujourd’hui.”[a]. Em continuação, o conhecido matemático francês, um dos maiores especialistas na teoria matemática das categorias, lógico, diz mesmo que seu “propre travail sur la logique spéculaire devra certainement en tenir compte dans son dévellopement futur, ainsi que les travaux d’autres chercheurs français comme Badiou, D. Vaudène, J. M. Vappereau par exemple.” [b]



1. LINHAS GERAIS DA FILOSOFIA DE SAMPAIO

A tarefa de explicitar as linhas gerais da filosofia de Sampaio ficou bastante facilitada com o nosso acesso ao relatório de pesquisa do professor Aquiles Côrtes Guimarães sob o título Tendências da Filosofia Brasileira Contemporânea [c]. Este relatório é o primeiro de três que pretendem cobrir a corrente neohegeliana no Brasil e é inteiramente dedicado à apreciação da obra do nosso filósofo. Ademais, cremos que o professor Aquiles foi de extrema felicidade quando identificou a velha linhagem a que pertence o pensador carioca. Vejamos:

“Começamos afirmando que nosso autor filia-se a uma respeitável e antiga tradição filosófica que remonta a Parmênides. Já então afirmava o grande pensador eleata:



"... pois o mesmo é pensar e ser."



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a . Quero essencialmente insistir sobre a originalidade consumada que comporta o trabalho do Sr. Sampaio, e sublinhar que este trabalho é indispensável a quem se interessa hoje pela lógica.

b. .. próprio trabalho sobre a lógica especular deverá certamente tê-lo em conta em seu desenvolvimento futuro, ao lado dos trabalhos de outros pesquisadores franceses, como Badiou, D. Vaudène, J. M. Vappereau , por exemplo,

c. Tendências da Filosofia Brasileira Contemporânea, Relatório parcial pelo professor Dr. Aquiles Côrtes Guimarães, em novembro de 1994 endereçado ao CNPq, relativo ao proc. n° 823806/88-0(RN)



Ora, para Sampaio, é bem disso que se trata: a lógica, ou melhor, as lógicas são saberes sobre cada um dos modos de pensar e, a cada um destes modos corresponde, estritamente, um modo específico de ser. Com isto fica estabelecida uma indissolúvel correlação entre ser e pensar, consequentemente, entre lógica e ontologia. Diz-nos textualmente Sampaio:





"A lógica constitui-se, ademais, na contraface da ontologia; a rigor, deveríamos reconhecer apenas uma única onto-logia, em que a ordem dos termos aí em jogo não deve ter por justificativa muito mais que a simples eufonia. Nenhuma novidade: entre os gregos já se dizia que ser e pensar são o mesmo – em que pese seu ulterior "afastamento", não deixaria de, com lástima, observar Heidegger. Mais recentemente, Hegel declarou com gravidade que o que é racional é real, e o que é real é racional, com o que se há de concordar, desde que não sejamos assaz conservadores empacando, com exclusivismo, ao nível da dialética." (NEL-C, p.5)



Esta referência final a Hegel é iluminadora e pode propiciar-nos uma boa via de aproximação ao pensamento de Luiz Sergio. De fato, mais de dois mil anos depois, a velha concepção inaugurada com Parmênides vai encontrar seu clímax em Hegel. [...] Fica tácito, entrementes, que aqui o racional é o pensar especificamente dialético - pensar síntese da identidade e da diferença - e o real correlato, a idéia, ou correspondentemente o espírito em sua realização histórica. O núcleo central do pensamento de Sampaio, vê-se claramente, é o mesmo encontrado em Parmênides, e mais recentemente em Hegel. Porém, como o pensar dialético hegeliano não é o suposto pensar parmenídeo, também o racional sampaiano não é o racional hegeliano, e, sim, algo maior, que não o nega, mas o ultrapassa.



Explicitada a pertinência de Sampaio a este philum filosófico, torna-se mais ou menos óbvio que a melhor estratégia para alcançarmos a mais rápida compreensão do seu pensamento será confrontá-lo com a filosofia hegeliana, especificamente no que tange aos seus aspectos lógicos fundamentais.”



Mais uma vez o professor Aquiles acerta em cheio: sendo a centralidade da lógica um traço marcante e comum aos dois pensadores em questão, melhor e mais econômica estratégia compreensiva não poderia haver senão a detalhada confrontação das respectivas concepções lógicas. Voltemos, um pouco mais demoradamente, ao aludido Relatório:



“A comparação das especificidades da correlação entre realidade e pensamento – ou equivalentemente, entre ontologia e lógica – em Hegel e em Sampaio pode, no essencial, ser compactada em apenas cinco pontos capitais:



1) O primeiro ponto a considerar é a sutil diferença que está em Sampaio, mas não em Hegel, acerca das realidades – conceito (idéia) e história – visadas pela dialética.

Resumiríamos dizendo que tanto em Hegel como em Sampaio a dialética que pensa a idéia é a mesma que pensa a história. Entretanto, para o último, isto jamais pode se dar de modo concomitante. A dialética pensa a idéia enquanto nos atemos ao plano ontológico objetivo; e aí, ela se constitui, sem dúvida, na lógica maior. Quando passamos ao plano ontológico mais abrangente da subjetividade, pessoal ou coletiva, é que a dialética irá pensar a História; entretanto, ela perde aí seu papel dominante, sendo então subsumida pela lógica maior do ser-subjetivo. É o que veremos mais detalhadamente a seguir.



2) Para Hegel a lógica maior, capaz de tudo pensar, do objetivo ao subjetivo, e além, o absoluto, é a dialética, lógica trinitária síntese das lógicas da identidade e da diferença. É mesmo em termos lógicos que o próprio Hegel se referenciava à história da filosofia alemã fazendo-se sucessor do subjetivismo de Fichte (fundado numa lógica transcendental ou da identidade) e do objetivismo de Schelling (fundado numa lógica objetiva). Em contraste, Sampaio, tão só para o trato das realidades subjetivas – pessoais ou sociais –, reclama já uma lógica maior, que ele denomina lógica do ser-subjetivo-em-sua-integralidade; trata-se de uma lógica qüinqüitária, síntese, não só das lógicas da identidade e da diferença, mas também da própria lógica dialética e da lógica clássica, esta, sutil e precisamente, caracterizada como uma lógica da dupla diferença. No texto acima referido Sampaio manifesta sua perplexidade ante a cegueira hegeliana em discriminar a lógica da diferença daquela da dupla diferença ou clássica. Atentando para o fato de que a lógica clássica é a lógica da matemática e da ciência, e que estas vêm se constituir em pilares da modernidade, como justificar tal confusão numa época em que a Revolução Industrial já se instalara definitivamente na Europa? De certo modo não é isto que estava no âmago da crítica kierkegaardiana: a reivindicação de autonomia para uma lógica da real condição humana, lógica do trágico, em suma, do pensar da diferença irreconciliável?



3) Para Hegel a dialética é a lógica maior, insuperável, enfim, a lógica do Absoluto; contrariamente, para Sampaio, a lógica qüinqüitária do ser-subjetivo, ainda que superior à lógica trinitária dialética, é apenas a lógica maior da mundanalidade; ou mais precisamente, a lógica da mais complexa das realidades do mundo – o homem, indivíduo ou comunidade. Não há para ele a menor possibilidade de se confundir a lógica humana com uma suposta lógica do Absoluto. Isto significa de modo imediato e conseqüente que a filosofia de Sampaio não é nem pode converter-se num humanismo, nem se pode filiar, mesmo longinquamente ao Iluminismo. Em suma, se há sentido em falar numa lógica do Absoluto, ela não será definitivamente a lógica do ser-subjetivo (qüinqüitária), muito menos a dialética (trinitária), mas sim algo bem além.



A argumentação desenvolvida por Sampaio que leva a esta conclusão é um pouco longa e árdua, porém, a nosso juízo, de bastante consistência. Vejamos: as cinco lógicas subsumidas pela lógica do ser-subjetivo podem ser grupadas para definir planos onto-lógicos de complexidade crescente:



a) lógica da identidade ou transcendental definindo o que ele denomina plano onto-lógico fenomênico.



b) lógica trinitária dialética, subsumindo a lógica da identidade, da simples diferença e a própria dialética definindo o plano onto-lógico objetivo, plano este que inclui as formas aristotélicas, todo o mundo concreto (mundo da res extensa), e o mundo simbólico (da idéia no sentido platônico).



c) lógica qüinqüitária do ser-subjetivo subsumindo as lógicas da identidade, da simples diferença, dialética, clássica ou da dupla diferença e a própria lógica do ser-subjetivo definindo o plano onto-lógico subjetivo, tanto pessoal como social.



Sampaio mostra que a estrutura epistemológica para cada um destes planos é específica podendo, no entanto, ser simplesmente referida à lógica maior que define o plano. A regra para a determinação desta estrutura epistemológica é bastante simples e intuitiva: conhecer é anular-se e deixar-se determinar pelo outro; é neutralizar sua própria identidade para deixar viger o outro. Por exemplo: no caso do plano ontológico objetivo (trinitário) a estrutura epistemológica correspondente resultará da própria estrutura lógica dialética neutralizando-se a identidade e introduzindo uma nova diferença, o que nos faz recair, assim, numa estrutura de dupla diferença; isto é, na lógica clássica. É por esta razão que, numa situação epistemológica objetiva, temos necessariamente quatro personagens correspondentes às quatro lógicas subsumidas pela lógica clássica: o sujeito, o inconsciente operatório, o objeto e o fundo ou contexto.



As coisas se passam de modo análogo quando vamos do plano epistemológico ao plano da ação, vale dizer, ao plano praxiológico. Só que aqui, o que há de novo é o reaparecimento do sujeito como liberdade ou determinação, o que, em termos lógicos, significará o retorno da lógica da identidade à estrutura correspondente: considerando ainda o plano objetivo, tem-se a lógica da dupla diferença articulando-se à lógica da identidade, resultando na lógica qüinqüitária do ser-subjetivo. Resumindo, no exemplo do plano objetivo (trinitário) teríamos:



estrutura ontológica objetiva - lógica dialética (estruturante do mundo objetivo)



estrutura epistemológica objetiva, ou seja, estrutura lógica das ciências - lógica clássica ou da dupla diferença (estruturante do conhecimento objetivo)



estrutura praxiológica objetiva ou seja, estrutura lógica da técnica - lógica qüinqüitária do ser-subjetivo (estruturante da ação objetiva)



Se agora tomarmos como referência o plano do ser-subjetivo caracterizado pela lógica qüinqüitária, as estruturas epistemológica e praxiológica seriam, respectivamente, a lógica da tripla diferença e a lógica síntese da lógica da identidade e daquela da tripla diferença, ambas obviamente, acima da capacidade humana. Vale dizer: o conhecimento e a ação inter-subjetivos não podem ser abarcadas pelo próprio homem. Como, entretanto, estas duas últimas lógicas – da tripla diferença e aquela síntese da identidade com a da tripla diferença – subsumem lógicas menores (da identidade, da diferença, dialética, etc.) o saber psicológico ou social, assim como a dominação psíquica e política são possíveis, porém, sempre parciais, precários, incompletos, falíveis, etc. Inserta na experiência intersubjetiva estaria, pois, a vivência de uma falta que é, por princípio, lógica e ontológica, e suficiente, pelo menos, para evidenciar ao homem que ele não é o ser-máximo, ou equivalentemente, que a lógica qüinqüitária não é a lógica do Absoluto.



4) A quarta diferença capital – uma consequência quase que imediata da anterior – é que em Hegel, sendo a História e o Absoluto regidos pela mesma lógica (a dialética), não há como marcar fundamentalmente a fronteira entre o mundo divino e o mundo humano; daí, as tão amiudadas acusações de panteismo que lhe são imputadas. Em Sampaio, a diferença entre aqueles mundos fica marcada pelos respectivos níveis lógicos e, por consequência, de suas premissas, igualmente ontológicos. O mundo humano, inclusive o mundo natural, é aquele que é propriamente "visado" pela lógica qüinqüitária do ser-subjetivo, ao passo que o mundo divino está, por intuição ou inferência, além desta "visada". O Absoluto, o que quer que ele seja, é impensável em seu ser próprio pela lógica qüinqüitária do homem, e muito menos o poderia ser pela dialética trinitária hegeliana, na visão de Luiz Sérgio Sampaio.



A singeleza da proposição é mais ou menos óbvia, mas suas conseqüências são consideráveis e o próprio Sampaio tratou de explorá-las amplamente em Noções de Onto-teo-logia. Neste texto ao mesmo tempo denso e volumoso, destacaríamos algumas conclusões importantes. A primeira, é o desvelamento do eixo e da direção em que pode ser posta a questão do Absoluto (ou de Deus): o eixo dos níveis onto-lógicos sucessivos – transcendental ou da identidade, dialético ou trinitário, do ser-subjetivo ou qüinqüitário, etc.; este desvelamento além de seu aspecto afirmativo tem seu evidente aspecto profilático na medida em que é uma radical denúncia das idolatrias, tanto das "baixas", como das "solenes e paramentadas". A segunda é uma renovada concepção da teologia natural ou teodicéia – a rigor, um prolongamento de sua própria ontologia – que, afora seu valor universalista, apresentaria um especial interesse para nós brasileiros”. Voltaremos a este assunto, já com maiores detalhes, quando estivermos tratando especificamente das relações entre lógica e teologia no pensamento sampaiano [item 2.5 adianta).



5) “Por fim, notaríamos que em Hegel o valor, e consequentemente o interesse, concentra-se quase que exclusivamente no resultado da síntese dialética ascensional. Os valores e interesses de Sampaio são bem mais amplos e matizados. Mesmo postado de um ponto de vista mais alto – de uma lógica hiper-dialética qüinqüitária e não apenas dialético trinitária – interessa-lhe também o retardatário, o que estagnou a beira da estrada, os escolhos da construção, o recalcado (mas, que um dia retorna), os andaimes que foram, mas já não o são; em suma interessa-lhe tudo que conjunturalmente ainda vige, ainda que à margem, como razão superada ou mesmo desrazão. De modo sintético: o subsumido, em certas circunstâncias, sem deixar de sê-lo pode ressurgir como momento de uma nova síntese.



Estes cinco pontos capitais, por si, mas também pelos infindáveis desdobramentos potenciais que podemos facilmente vislumbrar, são suficientes, a nosso ver, para revelar-nos o cerne da filosofia deste nosso pensador, assim como identificar sua autêntica linhagem.”



Para completar este magnífico resumo, gostaríamos apenas de acrescentar que, se no dizer mesmo de Sampaio, sem um pensar próprio - uma nova lógica - não se consegue pensar grande coisa, o que estaria Sampaio verdadeiramente visando com sua lógica qüinqüitária? Parece-nos que o homem, em sua plenitude (lógica) ou uma cultura nova (hiperdialética). Mas não necessitaríamos antes já estarmos habitando tais paragens para poder sabê-lo? Onde, a que altitude está o próprio Sampaio para poder anunciar-nos o que estaria ainda por vir? Daí que, mesmo reconhecendo o seu meritório esforço no sentido do rigor - valendo-se com maestria, inclusive, de uma bem urdida retórica formalizante -, não podemos deixar de registrar, latente em seu discurso, a existência de uma real dimensão profético-soteriológica. Entrementes, não acreditamos que este tenha sido seu propósito a priori determinado, mas sim uma inevitável conseqüência de seu empenho em fazer valer sem travas, seja em intenções, seja em operações e resultados, um novo discurso filosófico vivificado pelas lógicas ressuscitadas.



2. A LÓGICA RESSUSCITADA E SEUS DESDOBRAMENTOS



O enfoque deste segundo item será eminentemente horizontal ou extensivo. Importa-nos aqui propiciar ao leitor a formação de uma visão panorâmica da filosofia de Sampaio. Começaremos, obviamente, com sua Noções elementares de lógica (volumes I e II) para depois visitarmos cada uma das áreas de saber por ele já tratadas sistematicamente. Por interesse didático o faremos não na sua ordem cronológica de aparecimento, mas pelo que nos pareceu ser sua ordem crescente de complexidade. Esta visitação iniciar-se-á com Lógica e Economia seguindo-se Informática e Cultura, Lógica e Psicanálise e Noções de Onto-teo-logia. O texto O Mundo Concreto: Tempo, espaço e materialidade; Partículas e forças fechará nosso périplo pela obra sampaiana; embora se trate de um livro sobre filosofia da física e não propriamente de física, implica conhecimentos razoavelmente sólidos e atuais sobre a física teórica incomuns ao leitor médio, razão pela qual nela pouco nos deteremos.



2.1 Lógica



Luiz Sérgio está sempre a realçar a importância da Lógica "pois o ser-lógico - o que é o mesmo, o pensamento - está na raiz de todo Ser" (em Noções Elementares de Lógica, Tomo I - este volume não apresenta numeração de páginas). "Todas as problemáticas, tanto objetivas como subjetivas, tanto individuais como coletivas" teriam solução mais promissora se houvesse um estudo apurado das lógicas. Os grandes filósofos inovadores o foram, igualmente, no campo da lógica, como Aristóteles, Platão, Kant, Fichte, Hegel, Freud/Lacan...

A crise atual da Lógica consiste na "perda do lógico como objeto da lógica. Que é o lógico e sua extensão, se é que ele de fato existe? Na alternativa de não existência, a lógica seria apenas um ramo elementar das matemáticas, isto é, das linguagens (ou estruturas) formais." "O que vem ocorrendo, fato largamente assumido e reforçado pelos lógicos profissionais, é justamente a trans-substanciação da Lógica em matemática, o que revela um enorme contra-senso e, mais que tudo, uma verdadeira deserção. Aliás, se aceitarmos que toda ciência começa quando acha seu objeto, que dizer da Lógica atual, que justamente está a perder o seu?" Lógica não é matemática - insiste Luiz Sérgio Coelho de Sampaio - "ela tem objeto, e este é o pensamento, no todo ou ainda que parcialmente". A lógica e a psicologia são parentes próximos. Se a lógica passou ao campo dos especialistas ela, aos poucos, se distancia da cultura comum do cidadão.

Depois de analisar objetivamente as posições de Heidegger (Que é Metafísica?) e Kostas Axelos (Contribuition a la logique - Paris, 1977) em referência à Lógica, de contestar K. Popper (Conjecturas e Refutações - Brasília, Ed. da U. do Brasil, 1972), de ponderar sobre o anti-psicologismo de Frege, Luiz Sérgio chega à conclusão de que "as leis lógicas não são apenas leis da dedução, nem leis gerais do comportamento da realidade, mas fundamentalmente leis instituidoras dos modos-de-ser-real. As leis lógicas, em particular os princípios lógicos, são a priori constitutivas do funcionamento "normal" de todo cérebro humano." "Lógica, ou saber sobre o lógico, trata das leis fundamentais do pensamento, em especial, enquanto constitutivas dos modos-de-ser-real. Com isto, é natural que possamos nos aproximar das leis lógicas, tanto pela via trancendental (intuição no sentido comum), como pela via constatativa dos diferentes modos-de-ser da realidade, que se correspondem quase perfeitamente, a menos da diferença inerente às perspectivas operatória e argumental. Exemplificando: para visarmos o ser como história é preciso pensar dialeticamente, e a história, por seu turno, força-nos ao pensar dialético; para visar o ser como ser-sistêmico não podemos prescindir da lógica clássica e o Sistema força-nos ao pensar lógico-formal clássico."



"O concreto não pode prescindir do lógico; ele emerge da confluência do lógico (temporalidade/espacialidade) e da concretude, em particular da materialidade." "O simbólico deriva da síntese do lógico - que lhe porporciona a sub-estrutura fundamental da presença/ausência onde poderão se alterar significante e significado - e do concreto - substrato de todo significante (necessariamente diferencial)."



A caracterização do lógico, segundo a cultura grega, seria a símbolo em sua totalidade, menos a especificidade do simbólico. Porque "lógico é forma", ou seja "ciência formal", isto é, "ciência das formas". Forma de quê? - perguntar-se-ia. Forma do concreto. Neste ponto é que se pode aproximar a lógica da ontologia. Há "múltiplas lógicas" porque existe uma "multiplicidade de realidades instituidas."

Devemos partir "das lógicas fundamentais, e, através de um processo de síntese dialética", atingir os demais rincões do mundo lógico.





Luiz Sérgio entende por "lógicas fundamentais" "aquelas que não podem ser geradas por síntese dialética a partir de outras lógicas. Duas são as lógicas fundamentais: a lógica transcendental (da simples identidade) e a lógica da simples diferença, abreviadamente, lógica da diferença. Kant, Fichte e Husserl irão "complementar a lógica formal clássica com a lógica transcendental. Husserl caracterizará a lógica transcendental como ciência da subjetividade. Luiz Sérgio dirá que esta lógica "se caracteriza, entre outras coisas, como o saber sobre a capacidade de ser consciente, sem qualquer qualificativo; em suma, lógica da res cogitans em sua mais estrita essencialidade." "Se existe uma correspondência estrita entre realidade e pensamento, então, que visa a consciência, o pensar transcendental? Visa tão somente a realidade como ser. Nesta condição podemos caracterizar a lógica transcendental como lógica da abertura, a lógica do pensar fenomênico". "A lógica transcendental é lógica fundante, é auto-instituidora da separação entre pensar e ser, porém não os afastando". "Lógica da simples e pura abertura ao Ser, antes de qualquer atitude atributiva ou valorativa, antes mesmo de qualquer investida descritiva..." É a lógica do que apenas fala, do ser projeto, aquele que "pro-jeta-se"...

A lógica da diferença é a intuicionista, a do paradoxo, ou para-consistente, a de Spencer-Brown (Laws of form - N. York, 1979)). É a lógica do inconsciente, a lógica do outro. "É a lógica do pensar criativo, operante desde a poesia, a loucura, do deixar-se pensar, do calar e só ouvir".

As demais lógicas derivam dessas fundamentais "por uma operação de composição sintética." Classifica como lógicas sintéticas de base a dialética e a clássica e inclui em outras lógicas sintéticas a lógica da subjetividade-em-sua-integridade e as lógicas trans-subjetivas.

Indiscutivelmente o trabalho central de Luiz Sérgio, é Noções Elementares de Lógica que, nos seus dois volumes, sintetizam a estrutura do seu pensamento. Nele, analisa os princípios das diversas lógicas, confronta a lógica com a realidade, com o conhecimento. Estuda a relação entre o ser e o pensar, "ou, em sua versão moderna", "o comprometimento ontológico da lógica". Defende que o "homem é capaz de vários modos de pensar - tantos são estes tantas serão as lógicas possíveis - a cada pensar correspondendo um certo modo de ser-pensado ou de realidade".

Estudando a evolução do sistema nervoso central vai notar correlações estreitas entre a formação do tubo neuronal nos vertebrados com a interiorização psíquica. "Pode ser visto ainda nos jovens embriões dos vertebrados que o tubo neuronal se forma por um processo de invaginação do ectoderma dorsal. Este processo permite a formação de um tubo superficial que a seguir se interioriza, e em torno do qual virá se formar a coluna vertebral protetora.

Na extremidade frontal do tubo neuronal irá se formar uma sequência de três intumescências cujo desenvolvimento redundará no cérebro". Essa evolução "vai constituir uma interioridade no corpo do aninal. Numa linguagem um pouco informal, diríamos que o animal passa a dispor, em si, de um avesso; que assim cria-se um espaço interno onde se pode representar tanto o meio como seus próprios impulsos e disposições, e além, simular diferentes cursos de ação sem pagar o imprevisível preço de uma efetiva experimentação. Constitui-se, pois, um espaço imaginário onde é possível até refugiar-se momentaneamente fugindo às excessivas pressões 9do mundo externo; no homem, chega a proporcionar-lhe o espaço, onde pode inventar explicações para o bem e o mal, onde pode localizar suas origens míticas, gozar o ilimitado poético, e até, drástica e definitivamente, onde se pode propor como enígma ou, pura e simplesmente, dissolver-se na loucura.

Em suma, diríamos que a base filosófica para a operação lógico diferenciadora está na codificação digital dos impulsos das células sensíveis, e além, na homogeneidade da natureza desta codificação relativamente à diversidade de sensibilidades. Por outro lado, a operação de identidade se alicerçaria na homogeneidade da codificação no que diz respeito aos tipos lógicos e, sobretudo, no processo de formação do cérebro e do tubo neuronal por invaginação do ectoderma."

A História da Filosofia nos mostra que os filósofos inovadores "tiveram que, concomitantemente, desvelar uma maneira própria e específica de pensá-lo. De um modo ou de outro, isto é lógica".

"A problemática lógica da identidade e da diferença emerge concomitantemente ao surgimento da própria filosofia. No famoso e solitário fragmento legado por Anaximandro assiste-se o despontar dessas duas possibilidades fundamentais do pensar" (Os Filósofos Pré-Socráticos, - S.P., Ed. Cultrix)... Os eleatas optam igualmente por uma lógica da identidade, mas já agora contraposta a uma lógica do movimento, vale dizer, à dialética, que é por eles simplesmente taxada de ilusória. No extremo oposto, entrando em diagonal, Heráclito nega a identidade e afirma o exclusivismo da dialética como pensar próprio da physis. Sócrates coloca o problema da idéia ou do conceito, fazendo-o contudo, nos limites de uma teoria da definição. Vale dizer, visa de fato a idéia, porém, atendo-se a um pensar da diferença ou das essências. É curioso notar que a concepção de Sócrates é o oposto em diagonal da concepção heraclitiana.

Platão restabelece a necessária homogeneidade onto-lógica, convocando uma nova razão: a razão dialética para pensar a idéia ou o conceito. De certo modo podemos dizer que Platão, do ponto de vista lógico, subsume todas as alternativas lógicas levantadas por seus predecessores, em especial, Parmênides, Heráclito e Sócrates." (NEL-I-190 a 193)

Esse evoluir da lógica na Grécia antiga vai da polaridade identidade/diferença à polaridade identidade/dialética até a síntese dialética platônica.

Sob o ponto de vista da lógica, Luiz Sérgio Coelho de Sampaio acredita que melhor seria considerarmos os pré-aristotélicos ao invés de pré-socráticos. A partir de Aristóteles inaugura-se uma nova lógica, a lógica da ciência, aquela da dupla diferença.

"Os grandes pensadores do Ocidente vão reivindicar lógicas especiais, outras que a lógica clássica para dar conta dos campos do saber que então inauguravam. Uma lógica transcendental para o trato da problemática gnosiológica, mais precisamente, uma lógica própria para o trato do sujeito da ciência; aqui contamos como principais Kant e Fichte, e mais tarde Husserl.

Uma lógica para a realidade contra-sistêmica, uma lógica capaz de, com propriedade, pensar a história, temos aí a dialética em sua versão "idealista" com Hegel e em sua versão "materialista" com Marx, Engels e todos os seguidores do materialismo histórico. Mais tarde, impõe-se uma nova lógica: da diferença, do paradoxo e da intuição, da repetição, do significante, ou ainda, a lógica do sujeito (do) inconsciente, em suma, uma lógica que não viesse anular ou desconsiderar o trágico da existência. Ela seria, pois, a lógica própria do sujeito da história, tanto quanto a lógica transcendental o é do sujeito da ciência. Em ordem cronológica, aparecem aí Kierkegaard, Nietzsche, Freud/Lacan e toda a legião ora em moda dos pensadores da diferença, incluindo os estruturalistas". (NEL-I-194 a 196)

Há pensadores que assumem ou transitam por mais de uma lógica como, por exemplo, Heidegger, os filósofos da Escola de Frankfurt. Quanto ao primeiro, apresenta uma ascendência metodológica husserliana, mas que "por seus pressupostos finitistas, por tomar como ponto de partida o Dasein, teria que ser posicionado junto com Kierkegaard e Nietzsche.

Ainda em Noções Elementares de Lógica Luiz Sérgio Coelho de Sampaio perguntará o "que devemos entender por verdade?" E responde dizendo haver vários "modos de verdade: tantos são os modos onto-lógicos tantos devem ser também os modos da verdade". Inicialmente, ressalta " a verdade dialética, a verdade hegeliana da História, onde razão e realidade são totalmente as mesmas". Para esta verdade Luiz Sérgio pretende um nome: vitória porque "o que se registra nos livros de história é a verdade dos vencedores; ainda que isto nos choque, poderia ser diferente, se a própria história já tomou seu partido?"

São quatro, seguindo as lógicas, as verdades básicas, segundo Luiz Sérgio: a vitória, o gozo, a alétheia e a adaequatio.

O gozo é a verdade do pensar da diferença, a verdade do corpo, do significante e do inconsciente, "onde a realidade sempre excede o pensamento, onde, portanto, só pode haver co-pertinência parcial".



"As quatro verdades de base não são ainda tudo. Assim como o ser-subjetivo-e-sua integridade subsume os quatro modos de ser acima considerados, tal como acontece com suas lógicas correlatas, assim também, a verdade a nível do ser-subjetivo deve subsumir os quatro modos de verdade correspondentes: alétheia, gozo, vitória e adaequatio. Acreditamos que a melhor denominação para a verdade do ser-subjetivo-em-sua-integridade é amor, amor especificamente humano. Em verdade, não há amor sem a justa abertura do ser (alétheia); sem a copenetração ainda que necessariamente parcial dos corpos (gozo); sem o nunca excessivo diálogo ou confrontações, sem que se chegue à unidade que respeita ao mesmo tempo que suprime as diferenças (vitória, na confrontação ou no diálogo); por fim, sem a compreensão, entendimentos que se dá no contexto das demais verdades, e que faz com que, de algum modo, as coisas funcionem (adequatio). Obviamente, nenhuma de per si, ou em conjunto, é amor; amor é ainda um pouco mais, precisamente sua síntese."

Quanto ao gozo, Luiz Sérgio tece outras considerações, pois a cada uma das verdades ele procura a lógica que lhe é mais propícia. E chega "à concepção do gozo como êxtase encarnado, ou, simetricamente, sensação significante. Não é despropositado dizer, igualmente, que o gozo é o infinito confinado, ou, olhado pelo reverso, infinitização do que se tem por originária e irremediavelmente finito. Não seria isto, precisamente, a "forma" de todo o gozo?! Uma simulação veraz da impossível síntese de um e do Outro, por apenas um e um particular Outro."

Para se entender as lógicas conforme propostas por esse autor é necessário ter-se em mente os símbolos de cada uma, pois, a todo instante, ele faz referências às diversas lógicas através

de seus símbolos. Assim:



I, representa a lógica da identidade,

D, a lógica da diferença

/, a barra para indicação da operação de síntese dialética generalizada (uma generalização da aufheben hegeliana).



Disto resultam, por exemplo, as lógicas I/D (dialética) e D/D=D/2(clássica) que, em conjunto com as lógicas fundamentais I e D, formam o conjunto das lógicas de base. Segue-se a lógica a lógica I/D/D, ou seja, I/D/2 de grande importância por ser aquela específica do ser humano.

Formalmente a seqüência das lógicas pode prosseguir indefinidamente: lógica da tripla diferença (D/3 ), lógica síntese da identidade com a tripla diferença (I/D/3 ), da quádrupla diferença (D/4 ) etc.

As lógicas da identidade, I, I/D, etc. "definem níveis onto-lógicos de complexidade crescente".

No tomo segundo de Noções Elementares de Lógica, Luiz Sérgio Coelho de Sampaio faz uma análise das correlações entre a Lógica e a Filosofia, a Cultura, a História e a Teologia. Isto ocupa todo o seu primeiro capítulo. "A lógica - explica-nos - no fundo, a tudo se articula, daí a imensidão de temas que poderiam encontrar abrigo sob o título ora proposto: a lógica e os múltiplos saberes." É nesse sentido que, durante o correr de seus trabalhos, aparece a matemática, a economia, a história, a teologia, e muito mais, vistos através do arcabouço das várias e possíveis lógicas. "Não há lógicas nem ontologias de per si - costuma afirmar - mas, uma única, ainda que complexa, onto-logia".

Essas correlações ele estabelece em Platão: dialética/idéia; em Kant/Fichte: lógica transcendental/sujeito do saber científico; em Hegel: dialética/história do conceito; em Marx: dialética/história materialista; em Husserl: lógica transcendente/ser fenomêmico; em Freud: a lógica do inconsciente; em Lacan: a lógica do significante, ou seja, a lógica da diferença; em Aristóteles: a lógica clássica ou da dupla diferença...



2.2 Lógica e Economia



Quanto à economia, João Paulo de Almeida Magalhães, que lhe prefaciou a Lógica e Economia, ressaltou:

"A Economia está hoje entrando num momento de grande inquietação quanto aos seus métodos, resultados, e sua própria signicação como ciência da realidade. Enquadram-se nesse contexto o artigo seminal de Boland, A Critique of Friedman's Critics - 1979, em que põe a nu o elevado despreparo dos economistas no que se refere à moderna epistemologia, e a contribuição de Mac Closkey, The Rethoric of Economics - 1983, que se aproxima, nessa disciplina, do anarquismo epistemológico de Feyerabend. O número especial de Ricerche Economiche - 1989, com a contribuição de especialistas de todo o mundo, e a publicação recente de livros como Boland, The Methodology of Economic Model Building - 1989 e Glass e Johnson, Economics - Progression, Stagnation or Degeneration - 1989, apontam no mesmo sentido.

O trabalho de Luiz Sérgio Coelho de Sampaio: Lógica e Economia cria, pelo seu título, a impressão inicial de se tratar de contribuição na mesma linha. Já nas primeiras páginas, todavia, fica patente que se trata de algo diferente e bem mais ambicioso. O trabalho examina a realidade econômica em sua correlação com diferentes tipos de lógica.

O autor identifica duas lógicas fundamentais: lógica da simples identidade (ou lógica transcendental) e lógica da simples diferença (ou da diferença). Existem, a par disso, duas lógicas compostas: lógica dialética e lógica da diferença da diferença (ou lógica clássica). Temos, além dessas, a lógica da subjetividade em sua integridade que constitui a lógica básica do ser pensante. Ela abrange e supera todas as outras não tendo, todavia, existência concreta no contexto histórico-cultural, passado e presente.

Para Sampaio, o homem é capaz de vários modos de pensar correspondentes às lógicas possíveis que, por sua vez, correspondem a modos de realidade. Ou ainda, segundo ele, ser e pensar se correspondem, havendo tantos modos de realidade quantos são os modos de pensar.

Com base nisso, que poderíamos chamar de um novo paradigma analítico, Sampaio vai se debruçar sobre a realidade econômica, com colocações e ilações extremamente originais.

Analisa as etapas lógicas do desenvolvimento. A primeira é a fenomênica, dominada pela lógica da simples identidade, e correspondente à fase pré-econômica. A etapa seguinte, que vai dos primórdios ao feudalismo, é dominada pela lógica dialética. A terceira etapa, subjetiva, vai do feudalismo à modernidade contendo elementos da lógica transcendental e da lógica clássica.

A análise é especialmente interessante no que se refere ao Capitalismo. Neste, a lógica clássica vai permitir o surgimento da ciência. A aplicação desta no aumento da produtividade, faz com que a acumulação de riqueza da Antigüidade se transforme em acumulação de capital. Em linguagem puramente econômica se diria que o incremento da produtividade determinado pelas inovações tecnológicas neutraliza os rendimentos decrescentes resultantes do acúmulo de capital por trabalhador. Na sociedade moderna tudo vai, assim, girar em torno do aumento da produtividade. Esse aspecto, que constitui ponto central do ensaio, é importante porque nas análises dinâmicas modernas, conforme assinalam Simonsen e Cysne, Macroeconomia - 1989, o aumento da produtividade (resultante dos investimentos em pesquisa tecnológica) é largamente esquecido.

Para Sampaio, as sociedades antigas eram duais, divididas entre trabalhadores e controladores dos meios de produção. A sociedade moderna é ternária compondo-se de trabalhadores, classe média e burguesia. Nesta, a classe média não se distingue (como, por exemplo, em países subdesenvolvidos) apenas pelos seus padrões de vida. Ela tem função própria fundamental que consiste em garantir o constante aumento da produtividade. Contribuem para esse resultado:



a) o pessoal engajado na conservação e aumento da produtividade;

b) o pessoal engajado no desenvolvimento tecnológico;

c) o pessoal engajado na formação de trabalho especializado;

d) o pessoal engajado no ensino básico universal.



O capitalismo deverá evoluir para uma - economia nova - levado pelos corolários inexoráveis da informatização. Sampaio recapitula a evolução que leva a esse resultado. Inicialmente o homem trabalha com suas próprias mãos, em seguida utiliza a ferramenta e depois a força animal. Nesta etapa a função do homem já é informacional, ou seja, de domesticar, adestrar e conduzir o animal. Na etapa seguinte, surge o motor e a função informacional se faz pelo controle da máquina sendo a energia diretamente inserida nela. Na economia nova, o homem será liberado da própria função informacional. Esta será, cada vez mais, inserida na máquina, através do computador.

Na economia moderna, as lógicas transcendental e clássica, apenas coexistiam. Na economia nova, tornar-se-ão integradas. As características básicas dessa economia deverão ser as seguintes:



a) o capital perde sua autonomia desaparecendo o mecanismo automático da cega acumulação;

b) haverá uma cultura nova: a mudança não será um processo puramente econômico mas um processo cultural;



c) o consumismo desaparece (com isso ficamos livres não só de uma neurose mas de uma psicose paranóica).



Essa visão final coloca Sampaio, dentro de certa medida, numa linha de análise que me parece especialmente fascinante no pensamento de Marx. O seu estágio comunista da sociedade (consagrado por Lenine em L'Etat et la Revolution) em que os bens são distribuídos de acordo com as necessidades, só pode ser interpretado como aquele em que o progresso econômico, permitindo o equilíbrio entre disponibilidades e necessidades, torna todos os bens - livres - Nesse momento, a - cega acumulação - se torna desnecessária e o - consumismo - deixa de ter sentido porque todos os bens se acham amplamente disponíveis. O capitalismo, como muito bem previu Sampaio, desaparecerá, não pela violência mas por deixar de ter razão de ser.

A indagação que fica é a seguinte: o consumismo ditado pelos chamados efeitos de Imitação, Snob e Veblen, é uma constante psicológica das sociedades modernas, inclusive as do mundo comunista não podendo, consequentemente, ser explicado somente pelas técnicas de marketing. Como então poderá ser eliminado? A meu ver a resposta implícita em Sampaio é a seguinte: na sociedade nova predominará a lógica da subjetividade em sua integridade e esta é, certamente, incompatível com a neurose-psicose do consumismo.

A Lógica e Economia não é para leitores de fim de semana. É um trabalho para ser lido, relido e meditado. Pouca coisa se tem escrito ultimamente no Brasil em relação a qual se possa dizer o mesmo. Donde a excepcional importância da contribuição de Sampaio."



3.3 Lógica e Cultura



O autor tem em preparo um texto, justamente, com o título acima, porém, muitas de suas idéias neste campo já foram expostas em Informática e Cultura, datando de 1984. Neste, já vem, claramente, delineado o que será a nova cultura. Resultará do desenvolvimento da Informática - incluindo a teleinformática e robótica - invadindo todos os aspectos da sociedade atual. "Perguntamo-nos todos, em algum ponto entre a simples curiosidade e a mais funda ansiedade: em essência, como será esta nova cultura? Como serão afetados nossos modos de comunicação? Nossas linguagens? Nosso élan criativo? Nossa convivência com o sagrado? E tantas outras questões semelhantes." (pág. 5) Luiz Sérgio quer saber se nós, brasileiros, estamos "preparados para esta aventura tecnológica e cultural". O seu trabalho é uma tentativa para responder a estas perguntas. Procura mostrar que a Informática não é mais do que "o subprocesso de expansão semi-autônoma de nosso pensamento diferencial ou analítico, ou - o que é sinônimo - da lógica da diferença." (pág. 6)

"O que era originalmente governado pela Lógica da diferença passa, com o advento da cultura Ocidental Moderna, a sê-lo pela Lógica da diferença da diferença; e isto ocorre com os mundos concreto e econômico, tornados, respectivamente, sistema físico e sistema econômico". Acredita que com as novas descobertas técnico-científicas, "não pode mais restar grande dúvida sobre a referência central da nova cultura, nem de quais sejam seus traços fundamentais. Trata-se aí da emergência da Pessoa. São múltiplas e variadas as formas de precisar isto: incorporação da História e do Inconsciente como dimensões irredutíveis do ser - seja pessoal, seja social - ao lado da consciência (da liberdade, do projeto) e do sistema (da lei, da regra); estas últimas duas dimensões já do domínio da cultura Ocidental Moderna. Pode-se falar, também, da liquidação da supremacia do ser-masculino - do machismo como se diz vulgarmente: o homem ainda presente, ser subjetivo, reduzido a seus aspectos objetivos, ser-dominante, dando vez ao gênero pessoa em primeiro lugar; feminino e masculino, passando a constituirem-se em faces simétricas complementares do ser-pessoal..." (pág. 54)

"Pode-se ainda ratificar o que todo o mundo intelectual diz: estamos diante da morte de Deus (Nietzsche) e da morte do Homem (estruturalismo da moda), esclarecendo-se, porém, que se trata da morte do Deus parcial, objetivo, do Deus-conceito, bem como do Homem reduzido, objetivo, dominador e dominado, para abrir lugar ao Deus-Uno-Trinitário-Quinquitário, verdadeiro Deus pessoal, criador já da Pessoa integral, instalada em sua plenitude subjetiva.

Ficamos sabendo, inclusive, como isso ocorrerá:



a) Preliminarmente pela exacerbação dos aspectos sistêmicos do mundo, em especial dos aspectos materiais e econômicos - produto exatamente do sub-processo de informatização geral da sociedad;.

b) Num segundo momento, reativamente, talvez em alguns poucos lugares, haverá o reforço do ser-consciente, da liberdade individual e de grupos. Até aí, estaremos apenas re-produzindo, em grau superlativo, o processo já visto de formação do Ocidente Moderno. Isto, contudo, será insuficiente, como já poderíamos prever pelo que nos advertem os pensadores da História, do Inconsciente e até os teóricos da Matemática com seus teoremas, de limitação (limitação das possibilidades lógico-formais ou sistêmicas);

c) Será inelutável a chegada de um terceiro momento, momento especificamente pós-moderno, caracterizado, de um lado, pela abertura ao ser-inconsciente, donde brotam a criatividade e a força expressiva dos indivíduos e das massas; de outro lado, compensatoriamente, haverá o refôrço da dimensão histórica do ser, que só pode manifestar-se em plenitude pela instauração do verdadeiro diálogo de pessoas e grupos, tanto face a face quanto mediado pela crescente parafernália das telecomunicações e da teleinformática. Da síntese destas quatro lógicas operantes, emergirá a Pessoa - correlativamente um novo ser-social - como antes afirmado, referência central da nova cultura". (Págs. 54/55 de Informática e Cultura)

Através da educação - sugere-nos Luiz Sérgio - poderíamos acelerar o processo de integração cultural brasileira, acelerando o processo de amadurecimento político e o processo de conquista de uma relativa independência tecnológica. (pág. 77) Para isto precisamos posicionarmo-nos em atitude de abertura atenta à criatividade e expressão do outro, em atitude de respeito às regras e convenções coletivamente estabelecidas, em atitude decididamente livre, por consequência intencionalmente estratégica, em atitude de generosa abertura para o diálogo, enfim, em atitude de aberta esperança ao advento da Pessoa... (pág. 78) Precisamos responder, "à altura, os desafios lançados por Kierkegaard, Freud, pelo Estruturalismo e pela Teologia do Desejo: abrir espaço para o ser-inconsciente - o que é equivalente - à criatividade e expressão dos indivíduos e das comunidades. Será preciso, pois, aprender a escutar. Em termos de Política de informática, isto quer simplesmente dizer que o computador deve ficar ao alcance de todos, inclusive daqueles que dele farão um uso a priori desconhecido das autoridades (sejam políticas, sejam administrativas)." (pág. 79) "Ter-se-á que responder aos desafios impostos por Hegel, pelo Materialismo Dialético e pela atualíssima Teologia da Libertação: abrir espaço para o vero diálogo: reconhecer, em síntese, o direito à luz do ser-histórico, do ser-novo como tal. Será preciso, pois aprender, simultaneamente, falar e escutar. Em termos de Política de Informática, isto quer dizer pura e simplesmente que os computadores devem, sempre que possível, estar em rede aberta, completamente transparente a nível de terminais e até de memória." (pág. 79) E, por fim, devemos nos posicionar "em atitude de franca e aberta esperança ao advento da Pessoa, centro referencial da nova cultura que se avizinha." (pág. 79)



2.4 Lógica e Psicanálise



Lógica e Psicanálise de Sampaio é uma coletânea de nove ensaios, elaborados em diversas épocas - de 1984 a l989 - que focalizam alguns temas psicanalíticos procurando classificar seus determinantes lógicos. No ensaio A lógica lacaniana explica-nos que "cabe a Lacan o mérito da explicitação das determinações lógicas subjacentes ao pensamento freudiano. "Para se entender Freud é necessária uma "leitura significante". No Pequeno ensaio sobre as modalidades aléticas nos fala como compreender as clássicas modalidades aléticas - possível, contingente, etc. - estudadas por Lacan. Em Fases do Desenvolvimento Psicológico, aborda a problemática da periodização do processo de desenvolvimento psíquico, partindo basicamente das postulações freudianas, ressaltando a fase do espelho tão enfatizada por Lacan. O quarto ensaio, sobre A Desordem Mental, analisa as lógicas das psicoses e das neuroses. Mencionaríamos ainda os ensaios O Trabalho do Inconsciente no Sonho, Por uma Caractero-logia e Aspectos Onto-lógicos da Psicossomática. Neste último, Sampaio aproveita a oportunidade para revisitar um antiquíssimo problema filosófico, qual seja, o da relação corpo/alma.

Numa primeira conclusão estabeleceu que "o termo genérico corpo comporta três corporeidades específicas: um corpo associado à pré-D, que poderíamos denominar corpo físico, fisiológico, ou ainda, biológico...; depois, um corpo associado a D, que podemos nomear corpo libidinal, corpo significante, corpo pulsional, ou apenas, inconsciente; por fim, um corpo associado a D/ , que chamaríamos corpo socializado, corpo institucionalizado, ou, talvez, com grande propriedade corpo diplomático..." "A segunda conclusão a tirar, é que existiria uma hierarquia - conquanto que não absoluta - entre os três tipos de corpos mencionados." "Por fim, poderíamos também concluir que entre este corpo múltiplo e a alma, igualmente múltipla, existiria uma grande quantidade de modos interativos, tantos e tão cruzados que não seria um despropósito denominar a descrição de toda estra trama "teoria do boot strap".



2.5 Lógica e Teologia



Em Noções de Onto-Teo-Logia, obra em dois volumes, procurará uma análise pormenorizada do problema religioso. "De todas as facetas de uma cultura, a religião é, sem nenhuma dúvida, a mais importante, a mais crítica, na medida em que ela se pretende o núcleo central e invariante desta cultura, ou mais exatamente, seu ser absoluto." "Qualquer cultura tem seu fundamento numa determinada parcialidade lógica assumida, e ainda, aceite a hipótese de que na religião se condensa o absoluto de qualquer cultura, seremos obrigados a concluir que uma cultura, sua religião e sua lógica, em boa medida, são as mesmas. Seremos obrigados a admitir, ainda, um pouco mais: que a eventual fragilidade de um povo é, em verdade, sua fragilidade cultural, e, por consequência, uma outra face de sua fragilidade religiosa."

A seguir, Coelho de Sampaio irá ressaltar que a desorganização da sociedade brasileira resulta de sua desordem lógica, promíscua, que, por sua vez, tem como correlato a insegurança religiosa. Assim nos explica esse fenômeno: - "Quem se der ao cuidado de escutar com atenção um punhado de brasileiros tomados ao acaso terá que ficar abismado, senão alarmado, com o que eles pensam da religião e como, de fato, vivenciam suas relações com um pressuposto absoluto. Dificilmente se ouvirá coisas coincidentes de uma pessoa para outra, e o que é pior, coerentes quando vindas de uma mesma pessoa. A sensação é de caos, o que não quer dizer que aí não haja lógica: em verdade há, até demais; há uma multiplicidade de lógicas que só atuam topicamente; é compreensível que qualquer raciocínio ou simples ilação precise ser evitada para que a pessoa não venha se defrontar com sua própria desordem interior, que em se tratando de religião, se afigura como caos absoluto. Note-se que isto não deve ser visto como pura negatividade, muito menos como algo definitivo; talvez possa significar um processo particularmente complexo em andamento, uma convergência embargada por uma estabilização dominadora, e muitas outras coisas. Contudo, não deixa de ser preocupante, até mesmo alarmente; é, acima de tudo, um fenômeno a se compreender e buscar superar. Qualquer ação social efetiva que pretendamos empreender, por certo, exigirá a pré-compreensão desta nossa especialíssima problemática religiosa. Não temos a menor dúvida sobre isto: nada mais urgente hoje no Brasil, pois, que reflexão teológica, séria, obviamente."

"Kierkegaard insiste em que o homem é, ao mesmo tempo, participação no finito e no infinito, não conciliados ou não sintetizados plenamente, como pensava Hegel. Daí a condição trágica do homem, eternamente uno e dividido." Esta separação é a problemática teológica. "Como pôde se dar tal separação? Diríamos que de muitos modos, como se umas fossem metáforas das outras." Sampaio nota várias separações a partir de sua análise onto-lógica: consciência de... / Consciência reflexa; Inconsciente, diferença /Consciência, identidade; Feminino / Masculino; Sistema / História; Homem / Deus.



O problema fundamental dessa separação "é a re-união, a re-ligação, como normalmente se diz, a religião". "Enfrentar corajosamente a problemática da re-conciliação, da re-união, enfim, da religião, é o que lhe resta."

Essas diferenças são constitutivas do próprio homem. Vários mitos procuram nos levar "da transformação de uma estrutura em uma seqüência, de um sistema a uma estória." "Assim, a vivência da separação, da convivência não plenamente resolvida da identidade e da diferença, é transformada no mito da "idade de ouro", do paraíso perdido, devendo-se a perda a um procedimento pecaminoso ou à força de um acontecimento fortuito que a perpetrou."

O objeto das religiões é o Absoluto - que Sampaio identifica como Deus - e, portanto, fará inúmeras análises onto-lógicas sobre esta idéia, nelas incluindo as conotações sobre o infinito. E pondera:

"Não é lá muito difícil descobrir de onde provém a idéia de Deus como infinitude. Sua origem está na própria estrutura do sujeito enquanto ser consciente. Já foi dito por inúmeros pensadores - dentre os quais destacamos Fichte - que o eu (eu-consciente) se nos apresenta como uma "mescla" do finito e do infinito (note-se que este mesmo pensamento já vinha expresso em Patrício Muniz...), o que, num certo sentido, é bem verdadeiro. O caráter de finitude deriva do fato de que a consciência só se realiza como tal no exercício de um confronto, o que é mesmo que dizer que ela é essencialmente operatória, ou ainda, como afirmam os fenomenólogos: toda consciência é necessáriamente consciência de... Por outro lado, a consciência é essencialmente reflexa significando que toda consciência de x, necessariamente, confunde-se com a consciência da consciência de x."

Tal idéia mais se consolida quando extrapola para um e outro lado fundando uma hierarquia: o que está onto-logicamente abaixo do homem ficará caracterizado como mera finitude; o que o ultrapassa caracterizar-se-á pela pura infinitude. Assim se ordena o mundo; na base, a finitude, identificada como natureza; no extremo superior, a infinitude, a que chamamos Deus; na posição mediana, o homem, "mescla" de âmbos os extremos, do finito e do infinito - corpo e alma também se diz."

"Que nos diz a palavra infinito? Antes de mais nada, nega; nega alguma coisa - a finitude, obviamente - mas, ao mesmo tempo, afirma tácita, porém, radicalmente uma continuidade, uma conservação ou invariança além de todos os limites. Se bem atentarmos, verificaremos que a noção de infinito se constitui a partir da conjugação de duas outras noções: a de conservação ou continuidade qualitativa (essencial) e aquela da simples quantidade inesgotável."



Os homens, com o conceito de infinito visam "estender o domínio (simbólico) dos homens a todos os recantos do mundo; o infinito é, antes de tudo, a expressão de uma vontade de poder infinita." Estão sempre pretendendo estender "a vigência do conceito onde o conceito, por natureza" não alcança." A extensão a que se refere o conceito de uma espécie, por exemplo, é infinita... "Aquilo que está hoje eventualmente fora de nossa vista, do nosso alcance, do nosso poder manipulador o estaria tão somente de fato, jamais de jure".

Sampaio ainda nos explica: - "É bem verdade que alguns teólogos, em especial os mais extremados na afirmação da incomensurabilidade da "distância" Deus/homem - dentre os quais K. Barth é dos melhores exemplos - perceberam as insuficiências da oposição corrente infinito/finito para dar conta da aludida diferença, e buscaram contorná-la aduzindo o atributo "qualitativo" do infinito daquela diferença específica: teríamos lá, então, não uma simples diferença infinita (quantitativa), mas, sim, uma diferença infinita qualitativa. Bem, parece-nos pior a emenda que o soneto. A adjunção do atributo "qualitativo" pré ou pós infinito não lhe precisa a extensão, e sim, o faz explodir em contradição, pois, como enfatizamos, é da própria essência da infinitude o ser de modo contínuo qualitativamente invariante, seja qual for o âmbito considerado."

Todas as culturas históricas - nos adverte Sampaio - "não conseguiram escapar a um quê de idolatria, e o fizeram absolutizando a sua própria lógica..."

"Na maioria das vezes, a realidade suprema nada mais é que a grande realidade que envolve, topologicamente, suas pequenas realidades. As virtudes divinas são assim reduzidas às virtudes mundanas, sejam elas fenomênicas, objetivas ou mesmo humanamente subjetivas, levadas a um mero extremo quantitativo; dá-se tão somente uma pseudo-elevação, absolutização horizontal, a rigor, nada mais que a absolutização de sua própria e limitada realidade. Olhando retroativamente, que constatamos? Que tudo aí passa pela prévia absolutização de sua própria lógica.

Isto posto, é de se esperar que haja uma perfeita correspondência entre o nível de desenvolvimento lógico de uma cultura e a concepção que ela faz de Deus. Afora a modernidade, e os primórdios pré-lógicos da cultura, lógica e teologia numa dada cultura devem aparecer aos olhos do historiógrafo como saberes irmãos. Isto, inclusive, aponta-nos o caminho real para o desvelamento da lógica de uma cultura: ela é a sua própria teo-logia (e não onto-teo-logia) oficial."

Sampaio pergunta quais seriam as relações entre os níveis lógicos de Deus (I/D/D/D/D=I/D/4) - e dos homens (I/D/D=I/D/2). "Que relações daí se estabelecem, tanto necessárias, quanto voluntárias de parte a parte?" Responde que "o poder da analogia é tal, que ela mesma nos pode levar à justa compreensão e classificação dos ateísmos modernos."

Sob as análises de Sampaio pouco escapa. Fala-nos sobre especulações cabalísticas, a teologia natural versus teologia revelada, a lógica do Absoluto diante da Revelação, a Revelação Paradigmática da Encarnação e Paixão de Cristo, diversos modos reveladores, e muito mais. "A famigerada infalibilidade papal - comenta - é, talvez, de todos, o caso mais flagrante, contra o qual o corajoso Hans Kung não cansa de clamar." Como explicar isto logicamente?... "Tudo começa com a identificação da Igreja com o corpo de Cristo - dizem que ela é o próprio corpo místico do Cristo - do Cristo ressuscitado, obviamente (D/2), logo, o conteúdo lógico correspondente a I/D/2. Quem melhor do que o chefe da Igreja para assumir, especificamente, I/D/3, já que os fiéis não o poderiam, pois se sabem (ou sentem) I/D/2? Somente da posição I/D/3 poder-se-ia reivindicar a infalibilidade em questão."

O capítulo sexto de Noções de Onto-Teo-Logia vai estudar a Angelologia, os anjos, que precisam ser explicados ao nível angélico, que, certamente, ficará distanciado dos homens e de Deus, numa posição mediana entre estes e Aquele... "O homem moderno - o homem da era da ciência - mostra grande reserva ou desinteresse pelas questões atinentes à existência e ao poder dos anjos"... Todavia, à Lógica interessa explicá-los. E, nesse sentido, Sampaio não se omite nesta tarefa... Termina por especificar as relações de Deus com os homens concluindo que "os anjos são possíveis, são criaturas de Deus, seres espirituais, intermediários entre a espiritualidade humana (subjetividade) e a espiritualidade absoluta de Deus, possuem uma quase-onisciência (excluem-se apenas os desígnios de Deus, para o que lhes seriam exigidas a fé e, acima, a Graça); embora livres e dotados de vontade, seu poder é limitado tanto em relação a Deus como em relação aos homens, a menos que ajam por delegação divina, constituem-se mensageiros e intérpretes do logos divino em relação ao homem, distribuem-se, formalmente, em nove coros, redutíveis a sete que se cingem apenas a três hierarquias e, por fim, dividem-se em bons e maus. Os maus são anjos decaídos; seu pecado é o orgulho, e sua revolta caracteriza-se fundamentalmente por negar sua própria essência: ser-para-Deus. O demônio volta-se naturalmente para o homem, e seus modos de tentação são, em primeiro lugar, a oferta de poder (lógico ou político) - que é exatamente o que ele não possui e razão mesma de sua revolta - e, em segundo lugar, o oferta de bens materiais (concreto ou econômico) e de sucesso (simbólico ou cultural)."

Quando Luiz Sérgio Coelho de Sampaio nos fala dos anjos isto não quer dizer que ele conviva com os mesmos ou que já os tenha visto. Não. Esta análise resultou de uma necessidade lógica, um raro e extremo exercício a que a razão não devia se furtar (a esta mesma conclusão chegou Mortimer Adler, um dos principais editores dos Great Books da Encyclopaedia Britannica, e que nos conta que teve tal idéia censurada pelos financiadores daquela publicação). Se a lógica I, refere-se ao ser, ao nível fenomênico; a I/D já se dirige ao objeto, ao nível objetivo; a I/D/2 é a lógica que se refere ao homem, ao nível subjetivo, e a lógica I/D/4 é a necessária ao Absoluto, onde ocorre o nível de Deus, ficava, pois, uma lacuna: a lógica I/D/3 que, justamente, é a que explica os seres que medeiam entre os homens e Deus, ou sejam, os anjos... A possibilidade de sua existência insere-se dentro de uma lógica que lhes é própria...

O último capítulo de Noções de Onto-Teo-Logia, o sétimo, trata do trinitarismo: de Platão a Hegel, quando faz uma longa análise da estrutura trinitária da alma segundo Platão, composta pelo Mesmo, pelo Outro e pela Terceira Substância, que seria a mistura do Mesmo e do Outro. Assim, a estrutura da alma cognitiva ou lógica nos remete à lógica da identidade ou transcendental para o Mesmo, à lógica da diferença para o Outro e à lógica da identidade da identidade e da diferença ou lógica dialética para a Terceira Substâncias.

O dogma da Trindade Divina vem explicado desde suas origens pré-cristãs. Jung notou essas origens "entre os babilônios, egípcios e gregos, em especial em Platão."

Sampaio nos remete ao concílio de Nicéia, ao símbolo de Santo Atanásio, onde ficam estabelecidos os critérios sobre Deus que é um só com três pessoas. Faz a seguinte correspondência entre Platão e o cristianismo: o Mesmo seria o Pai; o Outro, o Filho; a Terceira Substância, o Espírito Santo.

Em Hegel, a tese corresponde à lógica da identidade, a antítese, à lógica da diferença e a síntese à lógica da identidade da identidade e da diferença... "Os três momentos da estrutura epistemológica fundamental em Hegel são o subjetivo, o objetivo e o absoluto."

"Existe - insiste Sampaio - manifestamente um núcleo comum ao platonismo, ao cristianismo e à filosofia hegeliana; justamente por isso, estas três doutrinas constituem-se em pontos privilegiados para a compreensão do pensar e obrar ocidental." Para compreendermos mais profundamente esta conexão "é didaticamente interessante separar o eixo epistemológico do eixo ontológico."

Para concluir este item observaríamos que embora não tenhamos sido até hoje brindados com uma Lógica e uma Ética por Sampaio - seria interessante que um dia a tivéssemos! - podemos já antecipar qual viria a ser sua idéia central pelo que extraimos de seu depoimento em Rumos da Filosofia Atual no Brasil em Auto-Retratos coordenado pelo padre S. Ladusãns, S.J.:

"... a ação moral é aquela que vai em direção à realização, na plenitude, do próprio ser; que imoralidade significa, em última instância, degradação ontológica". A ação moral seria "como um realizar-se que busca superar-se ao referenciar-se, de modo imperativo, ao Absoluto."

Todavia, Sampaio faz questão de acrescentar que:

"... não seria aceitável uma concepção de moralidade que fosse estritamente privada. Sendo o homem ser-subjetivo, tanto pessoal quanto social, não seria lícito tomar sua referenciação necessária ao Absoluto como um álibi para o descomprometimento social do seu agir".

Esta concepção da Ética, fazemos notar, não é uma novidade, mas sua re-fundamentação onto-lógica, como a propõe Sampaio, mereceria ser meditada com seriedade, em especial, nos dias atuais.



2.6 Lógica e Física



O Mundo Concreto - Tempo-espaço e materialidade; Partículas e forças é a parte segunda de uma trilogia que busca abarcar a totalidade do mundo objetivo - o mundo das formas (lógico), o mundo da concretude e o mundo simbólico. Em suma, trata-se aqui fundamentalmente de uma filosofia da física.

Sampaio retoma nesta obra o projeto kantiano, qual seja, o da determinação das condições a priori da verdade no campo das ciências exatas, particularmente da física. Em princípio o sujeito da ciência em Kant e Sampaio é o mesmo sujeito lógico transcendental, mas a diferença está em que para o último isto não reduz a capacidade lógica do sujeito à simples capacidade lógico transcendental. Para Sampaio transcendental é, deveras, a lógica da "posição" ou "lugar" de sujeito da ciência, porém, não se pode confundi-la com a globalidade de sua capacidade operatória. Apenas um exemplo: a ação de sujeito da ciência envolve a capacidade de medir, calcular, elaborar sistemas axiomáticos, todas regidas pela matemática, e esta, pela lógica clássica. Como esta, obviamente, não provém do fenômeno, deixa como única alternativa o fato de sua proveniência subjetiva. A produção do objeto científico - partículas, átomos, núcleos atômicos, etc., - segundo a análise sampaiana mobiliza uma longa cadeia de determinaçies lógicas: o objeto natural - a res extensa - é inicialmente pensado pela lógica de diferença ou da espacialidade (D); o produto desta primeira operação é repensado pela lógica do conceito ou de idéia - a dialética (I/D) - o que lhe confere uma suposta significação e o subtrai, assim, do mundo da contingência. Se ficarmos aí, fixamo-nos precisamente no seio da magia.

O pensamento científico nasce no exato momento em que esta exorbitância é corrigida ou anulada através do expediente de se desconsiderar o sentido do objeto simbólico e tomá-lo apenas como simples significante, o que eqüivale a "visá-lo", de novo, pela lógica D, já agora lógica do significante. Nesta operação de ida e volta, de atribuição de significação e retirada de sentido referencial ou extensivo, sobra algo: a possibilidade da significação intensiva do significante, isto é, a possibilidade de sua articulação a outros significantes por uma lei externa, que não pode ser senão a lei científica. A ulterior operação de mensuração é uma operação lógica clássica (D/2) que, afinal, revela o objeto como um conjunto ordenado de números, e depois, como objeto (ou estado) sistêmico; enfim objeto científico propriamente dito.

Seguindo esta via paradigmática, Sampaio procede a uma minuciosa análise das principais entidades da física moderna - partículas e forças - que não é possível ser seguida sem um razoável conhecimento da física experimental e teórica mais atual. Não poderíamos, entretanto, encerrar este item sem uma breve referência ao item 2.10 da obra em questão, que se denomina, com especial propriedade, veremos, Considerações imoderadas.

Em determinado momento do texto nosso autor explica-nos o que vem a ser o hoje denominado princípio antrópico, assunto de grande atualidade no arraial da cosmologia. Sampaio, concisamente, informa-nos sobre a novidade:



"Neste ponto, não podemos deixar passar a oportunidade de uma breve referência ao princípio antrópico, hoje em moda nos círculos da especulação cosmológica. O princípio emerge da constatação de que admitidas pequenas variações nos valores das constantes universais, transtorna-se-ia de tal sorte a história do universo, que se tornaria impossível o advento do homem. Conclusão: se as constantes universais sempre o foram, desde o big-bang, então, desde o começo, o universo guardou em suas potencialidades a matriz do homem. Admitindo que só o homem é capaz de conhecer as leis que regem o universo e suas respectivas constantes, fecha-se o círculo: este universo destinava-se, ab initio, ao homem, e o homem a ele. Este é, em essência, o conteúdo central do princípio antrópico, que ganha maior ou menor extensão conforme o ímpeto especulativo de cada autor." (MCT, -216, 217)

O objetivo de nosso autor, entretanto, está bem mais além. Toma tudo isto apenas como um pano de fundo para apresentar sua própria versão do princípio, diga-se de passagem, muito mais radical.

O cerne de sua especulação é a correspondência estrita que consegue estabelecer entre as estruturas lógicas e o conjunto das chamadas partículas elementares: neutrinos, fótons, elétrons, bósons fracos, quarks etc. Tão estreita se afigura a correspondência que, segundo ele, as partículas elementares podem ser consideradas como possuindo, além do seu especíico conjunto de qualidades físicas - massa, spin etc. -, também, qualidades propriamente semânticas. Em suma, Sampaio afirma que as partículas elementares constituem uma mensagem, em princípio, pois, legível. Que pretende ele ler aí? Tão apenas as estruturas lógicas que dez ou vinte bilhões de anos após o big-bang iriam se concretizar ou atualizar no homem! Em outras palavras, a seu ver as partículas elementares se constituiriam, literalmente, no "código genético" do Espírito, assim como o DNA o é da vida.

Fica agora patente a razão pela qual Sampaio escolheu o título Considerações imoderadas para o referido item de sua obra sobre a filosofia da física...



3. A FERTILIDADE DE UM PENSAMENTO



Sampaio, talvez pela assunção ao extremo do pensar arriscado, é, certamente, um dos mais criativos filósofos que já tivemos; com um agravante: ser contagiante Para um autor de certo modo inédito, surpreende-nos o número de trabalhos acadêmicos que tomam, em menor ou maior medida, o pensamento de Luiz Sergio Coelho de Sampaio como base, referência ou inspiração. É também de se notar a diversidade de campos que sua influência vai alcançando. No que nos foi possível apurar, podemos citar:

Teses universitárias ou equivalentes que em maior ou menor medida fazem referência a L. S. Coelho de Sampaio e sua obra





1. GARCIA, Armando Edso. A difração da pessoa no discurso - as linguagens e suas gramáticas, tese de doutorado no Departamento de Ciências da Literatura da Faculdade de Letras da UFRJ, Rio de Janeiro, 1986.

2. SOUTO, Edgard Garcia do. Édipo – de volta a Platão. Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras São Marcos. Curso de Psicologia – Teorias e Técnicas Psicoterápicas. São Paulo, 1987

3. RAMOS E CÔRTE, Adelaide. Estilos gerenciais do profissional da informação na área de biblioteconomia, tese de mestrado no Departamento de Biblioteconomia da Faculdade de Estudos Sociais Aplicados, Brasília, 1988;

4. BARBOZA, João Baptista Dias. Telecomunicações e informatização da sociedade industrial, tese de mestrado em Sociologia na Universidade Católica do Rio Grande do Sul, 1988;

5. BREGALDA do CARMO, Paulo Fábio. Políticas de privatização, tese de fim de curso na Escola Superior de Guerra, 1990;

6. RAPOSO, Luiz Fernando. Valores, necessidades e bem comum: contribuição para os fundamentos axiológicos da doutrina da Escola Superior de Guerra, tese de fim de curso na Escola Superior de Guerra, 1990;

7. KUPERMAN, Diane. Anti-semitismo - novas facetas de uma velha questão tese de mestrado na Escola de Comunicações da UFRJ, 1992; Rio de Janeiro, Notrya, 1993 . A autora toma como principal referência uma série de longas entrevistas com J. Habermas, R. D. Jraetz (ex-rebino em N. York), Sampaio e outros. Nesta sua entrevista Sampaio mostra como a conjuntura social na passagem do século XVIII a XIX , em Frankfurt, foi decisiva para o enraizamento do anti-semitismo na Alemanha, aí ressaltando a percepção e o juízo do jovem Hegel sobre os acontecimentos de então.

8. RODRIGUES, Rubi G. Uma tentativa de radicalização das noções husserlianas de intencionalidade e redução , visando uma teoria holística da racionalidade, tese de pós-graduação no Departamento de Filosofia da UnB, 1993.

9. TEIXEIRA, Gladslene Deniz. Filosofia e currículo: uma proposta a partir do projeto desenvolvido pela EMBRATEL, tese de mestrado no Centro de Educação e Humanidades Faculdade de Educação da UERJ, 1995.

10. BRAGA, Cláudio. A revolução tecnológica nas telecomunicações e suas implicações para a reestruturaçào do Setor no Brasil, tese de mestrado no Instituto de Economia Industrial da UFRJ, 1996.



Para um filósofo quase ignorado por nossas editoras e órgãos de comunicação especializados ou não, tão paradoxal como esta já extensa lista de trabalhos acadêmicos de algum modo referidas ou influenciadas pela obra de Sampaio, é o interesse que seu pensamento desperta em alguns abalizados estudiosos do pensamento brasileiro, dentre os quais destacaríamos os dois trabalhos do Professor Dr. Aquiles Côrtes Guimarães :

1. CÔRTES GUIMARÃES, Aquiles. Tendências da Filosofia Brasileira Contemporânea - os neohegelianos. Projeto de pesquisa para o CNPq. Rio de Janeiro, novembro de 1994.

2. CÔRTES GUIMARÃES, Aquiles. Sumário das Contribuições à filosofia da parte de Luiz Sergio Coelho de Sampaio, in FINEP....



Finalizando, mencionaríamos recente livro As lógicas - As lógicas ressuscitadas segundo Luiz Sergio Coelho de Sampaio. S. Paulo, Makron Books,1998 de Marcelo Celani. BARBOSA que nos proporciona uma visão bastante sistemática quão didática das concepções sampaianas acerca da lógica

Pelo visto, existem setores do pensamento em que o Brasil já pode justamente se orgulhar, tanto pelo pionerismo, quanto pela profundidade do que aqui se vem produzindo - lógica e filosofia da lógica , sem dúvida, são hoje dois destes setores. E isto, sabemos, se deve em boa parte ao empenho desbravador de Leônidas Hegenberg, brilhantemente continuado por Newton da Costa com seus trabalhos na esfera das lógicas desviantes, em particular, das lógicas paraconsistentes, e por L. S. Coelho de Sampaio, que, com sua percuciência, trouxe a lógica para o proscênio filosófico.




SUMÁRIO







INTRODUÇÃO





PARTE A: O NÚCLEO CENTRAL DA FILOSOFIA DE SAMPAIO

PARTE B: A LÓGICA E OS MÚLTIPLOS SABERES SEGUNDO SAMPAIO



B.1 Lógica

B.2 Lógica e Economia

B.3 Lógica e Cultura

B.4 Lógica e Psicanálise

B.5 Lógica e Teologia

B.6 Lógica e Física

B.7 A fertilidade de um pensamento



BIBLIOGRAFIA









INTRODUÇÃO



LUIZ SERGIO COELHO DE SAMPAIO ocupa a cadeira nº 25 da Academia Brasileira de Filosofia cujo patrono é Damião Berge.

Nasceu na cidade do Rio de Janeiro em 1933. Cursou o Colégio Militar, o Instituto Tecnológico de Aeronáutica onde se formou em engenharia eletrônica. Bacharel em economia. Sua formação suplementar resultou de diversos cursos de pós-graduação e de cursos avulsos sobre filosofia o que lhe disciplinou o auto-didatismo nessa matéria.

Suas preocupações são lógicas, ontológicas e epistemológicas, assumindo a posição de pretender uma revolução total nos fundamentos da cultura, pois, através das cinco principais lógicas, que expõe, pretende uma reformulação geral, a nível de fundamentação, em todos os setores do saber.

Hoje, seu interesse maior centra-se na lógica em sua acepção mais ampla, chegando mesmo a vê-la como uma das faces necessárias de uma só e inteiriça onto-logia. A formação matemática relativamente sólida - em boa dose, mérito das boas escolas públicas que teve a sorte de cursar -não foi motivo suficiente para retê-lo no logicismo; distribuiu sua atenção a todas as lógicas da tradição: à aristotélica ou clássica, à transcendental (de Kant/Fichte e Husserl), à dialética (em suas versões "idealista" e "materialista"), e à aparentemente multifária lógica da diferença (lógica paradoxal de Kierkegaard, intuicionismo de Brower, até a contemporânea e polêmica lógica lacaniana do significante). A explicitação e expressão homogênea dos princípios de cada uma destas grandes lógicas permitiu-lhe chegar à identificação e caracterização de uma lógica maior - a lógica do ser-subjetivo-em-sua-integralidade - lógica capaz de, com suficiência e propriedade, dar conta do ser-subjetivo tanto pessoal, como social.

Tem procurado adotar uma postura metodológica e expressiva de estilo antropofágico - bem à brasileira - o que não significa abrandar em nada as exigências do rigor que não podem faltar a nenhum resultado. Sampaio gostaria de ver a Filosofia, especialmente a Lógica - que já identifica como contra-face da ontologia - empenhada na crítica radical da modernidade; mais que isso, abrindo caminho à cultura-nova cujos sinais já se anunciam.

Não é só: deseja uma Lógica da esperança e do amor maior, na medida em que uma lógica livre de castrações, acabará topando com a problemática de seu próprio horizonte, daí, inexoravelmente, com a problemática do Absoluto humanamente transcendente. Sua conceituação da Filosofia diz bem de suas preocupações mais essenciais:



processo de auto-desvelamento das estruturas onto-lógicas, epistemo-lógicas e praxis-lógicas em seus múltiplos níveis num horizonte onto-lógico necessariamente transcendente. Ou ainda, de modo mais compacto: Filosofia é Onto-teo-logia, até onde nos seja dado alcançar. (em depoimento para Rumos da Filosofia no Brasil em Alto-Retratos organizado pelo padre Stanislavs Ladusãns, S.J.)

Dedica-se hoje, com afinco, à explicitação dos determinantes lógicos (a priori) de cada um dos grandes campos do conhecimento, na esperança de chegar a um "compacto" do saber formal básico do Ocidente. Paralelamente, busca uma compreensão mais aprofundada do processo de formação cultural brasileiro. Não é preciso dizer que, na explicitação dos determinantes lógicos de cada um destes componentes culturais, pretende encontrar a chave da referida compreensão - e o mais importante - os elementos estratégicos para ajudar a desatar o nosso imbróglio cultural, ou seja, a viabilização pedagógica e econômica de um amplo programa de educação nacional.

Acredita que a única revolução que vale realmente a pena, e de que desesperadamente carecemos, é uma revolução cultural.

Dada a profundidade e amplitude do pensamento de Sampaio, pareceu-nos que a melhor maneira de abordá-lo seria através de um duplo movimento. Assim, à primeira parte daremos um enfoque eminentemente intensivo, em que a preocupação maior será explicitar e precisar o núcleo central do seu pensamento de modo a poder bem qualificá-lo e situá-lo com alguma precisão no quadro geral das filosofias contemporâneas; na segunda parte procederemos a uma reversão total de enfoque: a abordagem será de cunho primordialmente extensivo, de natureza mais informativa do que compreensiva, afim de que o leitor possa formar uma visão panorâmica do pensamento de nosso filósofo. É claro que a duplicidade de enfoques poderá acarretar algumas repetições, porém, não cremos que este seja um preço exorbitante para o que, doutra parte, vá lucrar o leitor.





PARTE A: O NÚCLEO CENTRAL DA FILOSOFIA DE SAMPAIO



Seja por aquela que constitui sua obra mais fundamental - Noções elementares de lógica, vol. I e II -, seja pela insistência com que o termo lógica ocorre nos títulos e sub-títulos de seus numerosos outros trabalhos, poderíamos ser levados a imaginar que Sampaio pertence a linhagem dos lógicos na acepção moderna e corrente do termo: um obsecado pelas linguagens formais, pelas teorias da dedução ou argumentação rigorosa, em suma, um cultor da lógica matemática, que sabemos hoje uma prestigiada epecialidade acadêmica. Pensar assim, alertamos, seria o mais grosseiro dos equívocos: o estilo para-formal, o rigor lógico, os esquemas altamente estruturados estão, sim, bem presentes na sua obra, porém, nunca como um fim em si, mas sempre, e tão apenas, como uma exigência propedêutica para a verdade - a verdade do ser.

Aliás, o próprio Sampaio se posiciona contra a estreiteza com que, de modo geral, o assunto lógica vem sendo hoje considerado nos meios acadêmicos e se põe claramente a favor de uma concepção bem mais abrangente, conquanto precisa, do termo, diga-se de passagem, em completa sintonia com as raízes de sua acepção histórica.



"Por trás de tudo que estamos dizendo está um pressuposto que devemos deixar bem claro: referimo-nos à extensão com que deve ser aqui tomado o termo lógica. Para nós deve-se lhe atribuir uma extensão suficientemente estreita para deixar fora o uso impreciso do termo, hoje tão comum, em que lógica funciona no sentido genérico do que é básico ou invariante. Também deve-se deixar de fora as elucubrações formais dos que - seguindo o exemplo dos geômetras não-euclidianos - promovem variações arbitrárias dos axiomas lógicos clássicos para produzir "novos" sistemas. Nada temos contra este tipo de atividade, desde que ele se entitule o que verdadeiramente é, simples matemática." (NEL-II - Introd.)



Insurge-se Sampaio, especificamente, contra a confusão corrente entre lógica e linguagem e afirma num texto, aliás, de notável precisão, que:



"A Lógica, diferentemente da matemática, não é linguagem; ela tem bem do que falar, não sendo, portanto, mero jogo de convencionalidades.



Assim como a física é o discurso racional sobre o mundo físico, a lógica o é sobre o mundo lógico, vale dizer, sobre o pensamento, tomado este numa acepção mais larga do que é de costume, porém, não muito distante do que consigna, de fato, a tradição filosófica. Abarca a lógica aristotélica, a lógica transcendental de Kant, Fichte e Husserl, a dialética platônica e hegeliana, a lógica intuicionista de Brower, a lógica do paradoxo de Kierkegaard, sem esquecer a lógica freudiana que Lacan veio explicitar e nomear lógica do significante. Acreditamos que se devesse incluir também a lógica ternária e cíclica do ser falante implícita no discurso de MD Magno; e não há, de fato, muito mais a acrescentar." (NEL-C-5)



Com estas considerações introdutórias estamos nos prevenindo contra interpretações estreitas e apressadas do pensamento de Sampaio, porém, na verdade, ainda muito longe de fazer justiça à originalidade, largueza e profundidade de sua macro-visão filosófica. Começamos afirmando que nosso autor filia-se a uma respeitável e antiga tradição filosófica que remonta a Parmênides. Já então afirmava o grande pensador eleata:



"... pois o mesmo é pensar e ser."



Ora, para Sampaio, é bem disso que se trata: a lógica, ou melhor, as lógicas são saberes sobre cada um dos modos de pensar, e a cada um destes modos, corresponde, estritamente, um modo específico de ser. Com isto fica estabelecida uma indissolúvel correlação entre ser e pensar, consequentemente, entre lógica e ontologia. Diz-nos textualmente Sampaio:



"A lógica constitui-se, ademais, na contra-face da ontologia; a rigor, deveríamos reconhecer apenas uma única onto-logia, em que a ordem dos termos aí em jogo não deve ter outra justificativa senão a eufonia. Nenhuma novidade: entre os gregos já se dizia que ser e pensar são o mesmo - em que pese seu ulterior "afastamento", não deixaria de observar Heidegger. Mais recentemente, Hegel declarou com gravidade que o que é racional é real, e o que é real é racional, com o que se há de concordar, desde que não sejamos assaz conservadores empacando no nível da dialética." (NEL-C-5)



Esta referência final a Hegel é iluminadora e pode propiciar-nos uma boa via de aproximação ao pensamento de Luiz Sergio. De fato, mais de dois mil anos depois, a velha concepção inaugurada com Parmênides vai encontrar seu climax em Hegel; para ilustrá-lo bastaria lembrar o que talvez seja sua mais famosa fórmula aforística:



"O que é racional é real, e o que é real é racional."



Fica tácito, entrementes, que aqui o racional é o pensar especificamente dialético - pensar síntese da identidade e da diferença - e o real correlato, a idéia, ou correspondentemente o espírito em sua realização histórica. O núcleo central do pensamento de Sampaio, vê-se claramente, é o mesmo encontrado em Parmênides, e mais recentemente em Hegel, porém, como o pensar dialético hegeliano não é o suposto pensar parmenídeo, também o racional sampaiano não é racional hegeliano, e sim algo maior, que não o nega, mas inequivocamente o ultrapassa.



Explicitada a pertinência de Sampaio a este filum filosófico, torna-se mais ou menos óbvio que a melhor estratégia para alcançarmos a mais rápida, econômica e objetiva compreensão do seu pensamento será confrontá-lo com a filosofia hegeliana, especificamente no que respeita aos seus aspectos lógicos fundamentais. Esta estratégia torna-se ainda mais recomendável quanto atinamos para o fato de que o próprio Sampaio, no primeiro sub-capítulo do segundo volume de sua Noções elementares de lógica, já se dera a missão de medir suas diferenças com Hegel. Embora a titulação do referido sub-capítulo seja absolutamente genérica - Lógica e Filosofia - o texto centra-se única e exclusivamente na crítica ao pensamento hegeliano. A nosso juízo, se o critério foi objetividade e concisão, a escolha de Sampaio não poderia ter sido mais feliz.



A comparação das especificidades da correlação entre realidade e pensamento - ou equivalentemente, entre ontologia e lógica - em Hegel e em Sampaio pode, no essencial, ser reduzida a apenas cinco pontos capitais:



I) O primeiro ponto a considerar é a sutil diferença que está em Sampaio, mas não em Hegel, acerca das realidades - conceito (idéia) e história - visadas pela dialética.



Luiz Sergio, analisando o pensamento de Hegel, precisa muito bem esta diferença, pelo que vale a pena citá-lo um tanto longamente:



"O equívoco central da filosofia de Hegel, a nosso ver, é de ordem eminentemente lógica, e situa-se na ambiguidade em que ele deixa ficar a dialética. Esta é desvelada como modo próprio de pensar a história - no que não poderia estar mais correto - ao mesmo tempo em que conserva-a como modo igualmente próprio de visar a idéia (o conceito, ou ainda, o espírito), à semelhança do que fizera também corretamente Platão vinte séculos antes. O problema é que a dialética para poder assumir a responsabilidade de pensar a história, precisa antes demitir-se de suas responsabilidades para com a idéia ou o espírito. Mas a coisa não fica nisso. Como o que já se revelara à existência - no caso, a idéia ou o espírito - não pode simplesmente ser apagado, é forçoso que venha a ser acolhido por uma outra lógica, um outro modo de pensar que não o dialético. Esta nova lógica a assumi-lo, é óbvio, não irá deixá-lo tal qual; ela terá por função precisa a de quebrar seu caráter de completude ou totalidade, preparando-o assim para uma eventual articulação externa, legalizada. Em termos semiológicos, dir-se-ia que o signo constituído pelo pensar dialético é passado ao encargo de uma outra lógica que o faz, doravante, ser significante. Opera aí a mesma determinação lógica que dá sentido à fala de Cristo mostrando aos apóstolos que é necessário que ele parta para que, lá do alto, possa enviar-lhes o Espírito que os irá guiar e assistir (agora, por dentro), tornando-os assim susceptíveis de uma retotalização comunitária segundo a lei do Pai. O espírito, "baixando", irá se alojar dentro deles e constituir em cada um, seu ser-inconsciente. A lógica capaz desta perfórmance destotalizante, sabemos, é a lógica da diferença, que antes se ocupava em pensar o ser-concreto (a res extensa, ou se quizermos, a natureza). Em consequência, o que estava sendo pensado pela lógica da diferença (o ser concreto) terá que ser também abandonado, e igualmente recolhido por uma outra lógica. Esta última, por suposto, precisará ser uma lógica capaz de articular as idéias (ou os espíritos) destotalizados ora reduzidos a simples e diferenciados significantes. Esta, também já sabemos, é a lógica clássica - da dupla diferença ou sistêmica.



Hegel, ao manter a dialética visando, simultaneamente, a idéia (ou espírito) e a história, passa por cima de todo este necessário remanejamento onto-lógico, permanecendo, pois, cego, tanto aos seus antecedentes, quanto aos seus consequentes.



Ainda que só em parte, ou por este ou aquele particular viés, o grande equívoco hegeliano chegou a ser percebido e criticado por alguns de seus contemporâneos. Kierkegaard foi o mais arguto destes; teve a exata noção de que posta a dialética a pensar objetivamente a história, esta iria suscitar um sujeito específico - não cartesiano - também requerente de uma lógica própria. Este sujeito é o sujeito trágico, dividido e irresolvido, um eu que é irremediavelmente eu e outro, impossível de qualquer síntese. Atente-se: o sujeito da história precisa ser de algum modo posto autonomamente; não pode simplesmente evoluir ou derivar do sujeito cartesiano tal como pretendeu Hegel, que acabou assim fazendo-o coincidir ou diluir-se no próprio espírito absoluto.



Ninguém negaria que a sensibilidade de Hegel para a história é impar. Chegou a confessar que a vira passando frente à porta. Mas, é também fora de dúvida, que de maneira impar confundiu a lógica do devir, com aquela do que, deveras, devinha. A dialética é a lógica do entrar e sair de cena, porém, não necessariamente a do que entra ou sai; estas podem ser bem diferentes. O acontecer era obviamente dialético, mas quem passava à porta no alto de sua montaria, no caso, era a lógica clássica, a lógica do novo estado burocrático e não a dialética. Esta, enquanto lógica do sentido, era, em realidade, a que saía da cena aberta para reassumir-se, alhures, nos bastidores, lógica da História. Jamais, àquela altura dos acontecimentos, se poderia associar a dialética ao estado; este visivelmente estava a constituir-se, sim, como sistema, organização burocrática sob a égide da lógica clássica ou sistêmica. À dialética caberia, doravante, a tarefa contestatória, subversiva, vis-à-vis o poder sistêmico do estado moderno. Daí a conclusão de Marx: era imprescindível que se pusesse a dialética hegeliana de cabeça para baixo, repô-la como seria de direito, com os pés verdadeiramente no chão." (NEL-II - 14,15,16)



Resumiríamos dizendo que tanto em Hegel como em Sampaio a dialética que pensa a idéia é a mesma que pensa a história, entrementes, para o último isto jamais pode se dar de modo concomitante. A dialética pensa a idéia enquanto nos atemos ao plano onto-lógico objetivo; e aí, ela se constitui, sem dúvida, na lógica maior. Quando passamos ao plano onto-lógico mais abrangente da subjetividade, pessoal ou coletiva, é que a dialética irá pensar a História, entretanto, ela perde aí seu papel dominante, sendo então subsumida pela lógica do ser-subjetivo. É o que veremos mais detalhadamente a seguir.





II) Para Hegel a lógica maior, capaz de tudo pensar, do subjetivo ao absoluto, é a dialética, lógica trinitária síntese das lógicas da identidade e da diferença. É mesmo em termos lógicos que o próprio Hegel se referenciava à história da filosofia alemã fazendo-se sucessor do subjetivismo de Fichte (fundado numa lógica transcendental ou da identidade) e do objetivismo de Schelling (fundado numa lógica objetiva ou diferencial). Em contraste, Sampaio, tão só para o trato das realidades subjetivas - pessoais ou sociais -, reclama já uma lógica maior, que ele denomina lógica do ser-subjetivo-em-sua-integralidade; trata-se de uma lógica quinquitária, síntese, não só, das lógicas da identidade e da diferença, mas ainda da própria lógica dialética e da lógica clássica, esta, sutil e precisamente, caracterizada como uma lógica da dupla diferença. No texto acima referido Sampaio manifesta sua perplexidade ante a cegueira hegeliana em discriminar a lógica da diferença daquela da dupla diferença ou clássica. Atentando para o fato de que a lógica clássica é a lógica da matemática e da ciência, e que estas vêm se constituir em pilares da modernidade, como justificar tal confusão numa época em que a Revolução Industrial já se instalara definitivamente na Europa? De certo modo não é isto que estava no âmago da crítica kierkegaardiana: a reivindicação de autonomia para uma lógica da real condição humana, lógica do trágico, em suma, do pensar da diferença irreconciliável. Ouçamos o próprio Sampaio:



"Em resumo, diríamos que o grande mérito de Hegel foi o de restabelecer o princípio fundamental que dá mesmo condição de possibilidade à filosofia, e há muito enunciado por Parmênides: ser e pensar (de algum modo, precisamos nós) são o mesmo. É uma exigência incontornável para que floreça a filosofia que o pensamento (lógica) se alce à altura, exata, da realidade. Caso contrário, deixando-se espaço, retornariam, por certo, os impensáveis, coisas em si, enfim, os velhos produtos da desrazão.



Em contrapartida, seu não pequeno equívoco foi identificar este pensamento à dialética, equívoco dificilmente perdoável, pois que a seu tempo a revolução industrial (tecnológica e organizacional) já se tinha definitivamente instalado - pelo menos na Inglaterra - e eram também já visíveis os contornos do novo estado burocrático."



Com efeito,



"O que é racional é real, e o que é real é racional,mas não para uma razão trinitária dialética. Precisa-se para tanto de um pensamento maior, quinquitário, capaz de, pelo menos, pensar o sistema (ou a técnica). Adverte-nos Heidegger de que isto não é hoje ainda factível. Para ele, o perigo maior que nos ronda não é propriamente o pensamento sistematizante (hoje informatizante), porém, a inexistência de um pensamento capaz de compreende-lo, vale dizer, de efetivamente pensá-lo. Se nos ativermos apenas à dialética e às lógicas por esta subsumidas não vemos como se vá negá-lo. Isto nos põe diante do seguinte dilema: ou ficamos com Heidegger, o que acaba sendo retroceder - seria o fim da filosofia - ou, tão simplesmente, avançamos. Se esta última for a decisão, nada mais urgente haveria do que buscar um novo pensamento, uma nova lógica, na linhagem das lógicas de identidade, que seja capaz de pelo menos subsumir a lógica clássica ou sistêmica, lógica esta que, aliás, via informatização, vem hoje generalizando seu domínio.



Para nós, esta nova lógica é (... a ...) do ser-subjetivo-em-sua-integralidade. Temos a convicção que assim seria restabelecido, de fato, o princípio fundamental da filosofia, fazendo desta, como almejava Hegel, uma lógica ontologicamente comprometida, ou equivalentemente, uma verdadeira onto-logia." (NEL-II - 17,18)



III) Para Hegel a dialética é a lógica maior, insuperável, enfim, a lógica do Absoluto; contrariamente, para Sampaio, a lógica quinquitária do ser-subjetivo, ainda que superior à lógica trinitária dialética, é tão apenas a lógica maior da mundanalidade; ou mais precisamente, a lógica da mais complexa das realidades do mundo - o homem, indivíduo ou sociedade. Não há para ele a menor possibilidade de se confundir a lógica humana com uma suposta lógica do Absoluto. Isto significa de modo imediatamente consequente que a filosofia de Sampaio não é nem pode converter-se num humanismo, nem se pode filiar, mesmo longinquamente ao Iluminismo. Em suma, se há sentido em falar numa lógica do Absoluto, ela não será definitivamente a lógica do ser-subjetivo (I/D/ ), muito menos a dialética (I/D), mas sim algo bem além.



A argumentação desenvolvida por Sampaio que leva inexoravelmente a esta conclusão é um pouco longa e árdua, porém, a nosso juízo, de uma solidez exemplar. Vejamos: as cinco lógicas subsumidas pela lógica do ser-subjetivo (I/D/ ) podem ser grupadas para definir planos onto-lógicos bem distintos:



1. lógica da identidade ou transcendental (I) definido o plano onto-lógico que ele denomina fenomênico.



2. lógica dialética, subsumindo a lógica da identidade I, da simples diferença (D) e a própria dialética (I/D) definindo o plano onto-lógico objetivo, plano este que inclui as formas aristotélicas, todo o mundo concreto (mundo da res extensa), e o mundo simbólico (da idéia no sentido platônico).



3. lógica do ser-subjetivo subsumindo as lógicas de identidade (I), da simples diferença (D), dialética (I/D), clássica ou da dupla diferença (D/ ) e a própria lógica do ser-subjetivo (I/D/ ) definindo o plano onto-lógico subjetivo, tanto pessoal como social.





Sampaio mostra que a estrutura epistemo-lógica para cada um destes planos é específica podendo, no entanto, ser simplesmente referida à lógica maior que define o plano. A regra para a determinação desta estrutura epistemo-lógica é quase que óbvia: conhecer é anular-se e deixar-se determinar pelo outro; é neutralizar sua própria identidade (I) para deixar vigir o outro (D). Por exemplo: no caso do plano onto-lógico objetivo (I/D) a estrutura epistemo-lógica correspondente resultará da própria estrutura lógica I/D retirando-se o I e introduzindo um novo D, ou seja: D/D = D/ ; isto é, a lógica clássica. É por esta óbvia razão, por exemplo, que podemos ter a mecânica e gramática como ciências formais.



As coisas se passam de modo análogo quando vamos do plano epistemo-lógico ao plano da ação, vale dizer, ao plano praxio-lógico. Só que aqui, o novo é o retorno do sujeito como liberdade ou determinação, o que, em termos lógicos, significará a volta da lógica da identidade à estrutura correspondente: D/ "mais" I, isto é, I/D/ . Ainda no exemplo do plano objetivo (I/D) teriamos, então:



estrutura onto-lógica objetiva - lógica dialética (I/D)

estrutura epistemo-lógica objetiva ou, seja, estrutura lógica

da ciência- lógica clássica ou da dupla diferença

(D/ )

estrutura praxio-lógica objetiva ou seja, estrutura lógica

da técnica - lógica do ser-subjetivo (I/D/ )



Se agora tomarmos como referência o plano do ser-subjetivo (I/D/ ) as estruturas epistemo-lógica e praxio-lógica seriam, respectivamente, D/ e I/D/ , isto é, lógicas acima da capacidade humana I/D/ . Vale dizer: o conhecimento e a ação inter-subjetivas não podem ser abarcadas pelo próprio homem. Como, entretanto, D/ e I/D/ subsumem lógicas menores - I, D, I/D, etc. - o saber psicológico ou social, assim como a dominação política são possíveis, porém, sempre parciais, precários, incompletos, falíveis, etc. Inserta na experiência intersubjetiva estaria, pois, a vivência de uma falta que é, por princípio, lógica e ontológica, e suficiente, pelo menos, para evidenciar ao homem que ele não é o ser-máximo, ou equivalentemente, que a lógica quinquitária (I/D/ ) não é definitivamente a lógica do Absoluto. Para um resumo de tudo isto, reportamo-nos ao já mencionado texto de Sampaio no momento em que ele próprio procede a um balanço de sua consideração preliminar sobre o Absoluto:



"Para finalizar este item, e com ele o capítulo, cremos conveniente proceder a um balanço do que foi conseguido até aqui, e que não nos parece de todo desprezível. Senão, vejamos:



a) O Absoluto o é onto-logicamente; é no prolongamento da própria medida (lógica).



b) Necessariamente restritos à imanência, a vivência do transcendente só se nos pode vir como vivência de uma falta (estrutural). Além da falta originária de nível lógico fenomênico - fundamento do desejo - que sabemos indeterminada, teremos que admitir uma segunda falta a nível subjetivo, especificamente nas suas estruturas associadas epistemo-lógica (falta de D/ ) e praxio-lógica (falta de D/ e I/D/ ). Ao contrário da primeira, esta é uma falta determinada, ela é um "furo guia" que nos abre, concretamente, a perspectiva e o desejo do Absoluto.



c) Muito possivelmente o Absoluto "situar-se-ia" a nível onto-lógico I/D/ , deixando, pois, um intervalo onto-lógico entre Ele e os homens, que sabemos de nível I/D/ . Este intervalo é onde podem vir habitar anjos e demônios. (OTL, s/n)



IV) A quarta diferença capital - uma consequência quase que imediata da anterior - é que em Hegel sendo a História e o Absoluto regidos pela mesma lógica - a dialética - não há como marcar fundamentalmente a fronteira entre o mundo divino e o mundo humano; daí, as tão amiudadas acusações de panteismo que lhe são imputadas. Em Sampaio, bem pelo contrário, a diferença entre aqueles mundos fica profundamente marcada pelos respectivos níveis lógicos, por consequência de suas premissas, igualmente ontológicos. O mundo humano, inclusive o mundo natural, é aquele que é propriamente "visado" pela lógica do ser-subjetivo (I/D/ ) ao passo que o mundo divino está constitutivamente além desta "visada". O Absoluto, o que quer que ele seja, é impensável pela lógica quinquitária do homem, e muito menos o poderia ser pela dialética trinitária hegeliana.



A singeleza da proposição é mais ou menos óbvia, mas suas consequências são enormes e o próprio Sampaio tratou de explorá-las amplamente em Noções de Onto-teo-logia. Neste texto rigoroso, denso ainda que volumoso, destacaríamos algumas conclusões revolucionárias. A primeira, é o desvelamento do eixo e da direção em que lógica e licitamente pode ser posta a questão do Absoluto (ou de Deus): o eixo dos níveis onto-lógicos sucessivos-I, I/D, I/D/ , etc.; este desvelamento além de seu aspecto afirmativo tem seu evidente aspecto profilático na medida em que é uma radical denúncia das idolatrias, tanto das "baixas", como das "solenes" e "paramentadas". A segunda é uma renovada concepção da teologia natural ou teodiceia - a rigor, simples prolongamento de sua própria onto-logia - que afora seu valor universalista apresenta um especial interesse para nós brasileiros. Segundo o próprio Sampaio, ela:













a) Abre uma clareira mais além onde se poderá desenvolver um diálogo ecumênico que não venha ser entravado por questões históricas ultrapassadas e por velhos ressentimentos;



b) Constitui-se num ponto de vista privilegiado para a análise crítica da cultura tornando assim pensável e alvo de esperança algo além da ciência e da modernidade, algo bem além da impostura pós-moderna; em outras palavras, nos permite vislumbrar os contornos de uma nova cultura que trará como traço marcante, indubitavelmente, a revivecência do Espírito.



c) Ajuda-nos a superar o fosso entre fé e razão, entre teologia e ciência, a partir do que poderemos, doravante, entregarmo-nos a fé sem termos que sofrer a violação da própria consciência, e ao mesmo tempo, confiarmos na razão em seu sentido largo sem temermos as ameaças do "terrorismo transcendente";



d) No que nos interessa mais de perto, ela demonstra a dispensabilidade do marxismo como instrumental analítico para a Teologia da Libertação. Mas o faz deixando intacta e mesmo reavivada a indignação moral diante da miséria e opressão interna e externa a que está submetida a maioria da população do terceiro mundo que, afinal de contas, a motivou. Afirma sim a insuficiência do marxismo, porém proporcionando-lhe um substituto analítico ainda mais afiado e potente, ao mesmo tempo que acorde com a própria tradição cristã, em especial, aquela desenvolvida pelos Padres fundadores.



O grande defeito desta Onto-teo-logia é que ela não é capaz de dispensar a fé, porém, este é um defeito constitutivo de toda teologia natural que fazemos questão de aqui expressamente reconhecer." (OTL, s/n)



V) Por fim, notaríamos que em Hegel o valor, e consequentemente o interesse, concentra-se quase que exclusivamente no resultado da síntese dialética ascencional. Os valores e interesses de Sampaio são bem mais amplos e matizados. Mesmo postado de um ponto de vista mais alto - de uma lógica quinquitária e não apenas dialético trinitária - interessa-lhe também o retardatário, o que estagnou a beira da estrada, os escolhos da construção, o recalcado (mas, que um dia retorna), os andaimes que foram, mas já não o são; em suma interessa-lhe tudo que conjunturalmente ainda vige, ainda que à margem, como razão superada ou mesmo desrazão. De modo sintético: o subsumido, em certas circunstâncias, sem deixar de sê-lo pode tornar-se também o subversivo. Cingindo-nos apenas à História, quão mais complexa é a hiper-dialética quinquitária de Sampaio do que a simples dialética trinitária hegeliana?! Num texto ainda inédito de Sampaio - Lógica e Cultura - encontramos estas três concepções da História:



"Uma concepção transcendental, regida pela lógica do mesmo nome (I); dir-se-ia a concepção judaica de História - história como destinação. É a primeira concepção de história, onde importa apenas origem e destino. Entre uma e outra apenas a crônica das infidelidades e do inexorável castigo.



Uma concepção hegeliana/marxista, esta sim, regida pela lógica dialética (I/D); é a história como "peripécia", como luta de classes, ou coisas equivalentes.Uma história incapaz de dar conta, precisamente, das origens e destinos e daí o comunismo primitivo, a sociedade sem classes, o fim da história e outras ficções de que esta concepção sempre se faz acompanhar.



Uma concepção quinquitária ou propriamente subjetiva, regida pela lógica do ser-subjetivo (I/D/ ), uma síntese hiper-dialética da história como destinação e da história como "peripécia"; uma história onde dialético, será sempre o modo de cumprimento das destinações; onde transcendental, será sempre o modo de não se cair presa dos oportunismos e dos falsos absolutos; a verdadeira História Humana. Haveria uma quarta concepção: a História como História Sagrada? Talvez não, como uma quarta; talvez sim, como horizonte onto-lógico constitutivo da terceira." (OTL, s/n)





Estes cinco pontos capitais por si, mas também pelos infindáveis desdobramentos potenciais que podemos facilmente vislumbrar são suficientes, a nosso ver, para revelar-nos o cerne da filosofia deste nosso pensador, assim como identificar sua autêntica linhagem. O próprio Sampaio vem dedicando já de algum tempo todo o seu esforço em explorar as supra mencionadas potencialidades críticas de sua onto-logia fundamental com respeito ao quadro dos saberes constituídos - etnologia, economia, física, etc. É o que iremos ver a seguir.



Antes de finalizarmos esta primeira parte gostaríamos de chamar a atenção para algo de muito especial que - mais uma vez malgrado as aparências - poderia escapar aos eventuais leitores de Sampaio. Esta especificidade não é de fato evidente na sua retórica de tendência para-formal, nem na universalidade das temáticas por ele abordadas, porém, muito nítida e evidente nos desconcertantes pontos de vista em que frequentemente se coloca, nos imaginosos ângulos de visada que escolhe. Só os podemos compreender como produto de uma paradoxal, conquanto que harmônica, combinação de malícia e firmeza de princípios, humor e seriedade, rigorismo metonímico e generosidade metafórica, curiosidade infantil e vetusta sabedoria, em suma, produto de enraizada brasilidade, ou até mais particularmente, de seu assumido ser-carioca. Sampaio é um filósofo de raiz e engajamento e sua filosofia está, por isso mesmo, muito mais próxima de uma rica e provocante antropologia filosófica do que de uma estreita e acéptica lógica. Daí, damos testemunho, a facilidade com que ele próprio faz de sua fundamental onto-logia uma poderosa arma crítica da cultura, tanto geral como particularmente da nossa; e mais ainda, o engenho e criatividade com que a explora e esgrime para nos forçar a enxergar no horizonte os traços de uma cultura nova, que na sua convicção quase profética, já se avizinha.





PARTE B: A LÓGICA E OS MÚLTIPLOS SABERES SEGUNDO SAMPAIO



O enfoque desta segunda parte, como prometido, será eminentemente horizontal ou extensivo. Importa-nos aqui propiciar ao leitor a formação de uma visão panorâmica da filosofia de Sampaio. Começaremos, obviamente, com sua Noções elementares de lógica (volumes I e II) para depois visitarmos cada uma das áreas de saber por ele já tratadas sistematicamente. Por interesses didáticos o faremos não na sua ordem cronológica de aparecimento, mas pelo que nos pareceu ser sua ordem crescente de complexidade. Esta visitação iniciar-se-á com Lógica e Economia seguindo-se Informática e Cultura, Lógica e Psicanálise e Noções de Onto-teo-logia. O texto O Mundo Concreto: Tempo, espaço e materialidade; Partículas e forças fechará nosso périplo pela obra sampaiana; embora se trate de um livro sobre filosofia da física e não propriamente de física, implica conhecimentos razoavelmente sólidos e atuais sobre a física teórica incomuns ao leitor médio, razão pela qual nela pouco nos deteremos.



B.1 Lógica



Luiz Sérgio está sempre a realçar a importância da Lógica "pois o ser-lógico - o que é o mesmo, o pensamento - está na raiz de todo Ser" (em Noções Elementares de Lógica, Tomo I - este volume não apresenta numeração de páginas). "Todas as problemáticas, tanto objetivas como subjetivas, tanto individuais como coletivas" teriam solução mais promissora se houvesse um estudo apurado das lógicas. Os grandes filósofos inovadores o foram, igualmente, no campo da lógica, como Aristóteles, Platão, Kant, Fichte, Hegel, Freud/Lacan...

A crise atual da Lógica consiste na "perda do lógico como objeto da lógica. Que é o lógico e sua extensão, se é que ele de fato existe? Na alternativa de não existência, a lógica seria apenas um ramo elementar das matemáticas, isto é, das linguagens (ou estruturas) formais." "O que vem ocorrendo, fato largamente assumido e reforçado pelos lógicos profissionais, é justamente a trans-substanciação da Lógica em matemática, o que revela um enorme contra-senso, e mais que tudo, uma verdadeira deserção. Aliás, se aceitarmos que toda ciência começa quando acha seu objeto, que dizer da Lógica atual, que justamente está a perder o seu?" Lógica não é matemática - insiste Luis Sérgio Coelho de Sampaio - "ela tem objeto, e este é o pensamento, no todo ou ainda que parcialmente". A lógica e a psicologia são parentes próximos. Se a lógica passou ao campo dos especialistas ela, aos poucos, se distancia da cultura comum do cidadão.

Depois de analisar objetivamente as posições de Heidegger (Que é Metafísica?) e Kostas Axelos (Contribuition a la logique - Paris, 1977) em referência à Lógica, de contestar K. Popper (Conjecturas e Refutações - Brasília, Ed. da U. do Brasil, 1972), de ponderar sobre o anti-psicologismo de Frege, Luiz Sérgio chega à conclusão de que "as leis lógicas não são apenas leis da dedução, nem leis gerais do comportamento da realidade, mas fundamentalmente leis instituidoras dos modos-de-ser-real. As leis lógicas, em particular os princípios lógicos, são a priori constitutivas do funcionamento "normal" de todo cérebro humano." "Lógica, ou saber sobre o lógico, trata das leis fundamentais do pensamento, em especial, enquanto constitutivas dos modos-de-ser-real. Com isto, é natural que possamos nos aproximar das leis lógicas, tanto pela via trancendental (intuição no sentido comum), como pela via constatativa dos diferentes modos-de-ser da realidade, que se correspondem quase perfeitamente, a menos da diferença inerente às perspectivas operatória e argumental. Exemplificando: para visarmos o ser como história é preciso pensar dialeticamente, e a história, por seu turno, força-nos ao pensar dialético; para visar o ser como ser-sistêmico não podemos prescindir da lógica clássica e o Sistema força-nos ao pensar lógico-formal clássico."



"O concreto não pode prescindir do lógico; ele emerge da confluência do lógico (temporalidade/espacialidade) e da concretude, em particular da materialidade." "O simbólico deriva da síntese do lógico - que lhe porporciona a sub-estrutura fundamental da presença/ausência onde poderão se alterar significante e significado - e do concreto - substrato de todo significante (necessariamente diferencial)."



A caracterização do lógico, segundo a cultura grega, seria a símbolo em sua totalidade, menos a especificidade do simbólico. Porque "lógico é forma", ou seja "ciência formal", isto é, "ciência das formas". Forma de quê? - perguntar-se-ia. Forma do concreto. Neste ponto é que se pode aproximar a lógica da ontologia. Há "múltiplas lógicas" porque existe uma "multiplicidade de realidades instituidas."



Devemos partir "das lógicas fundamentais, e, através de um processo de síntese dialética", atingir os demais rincões do mundo lógico.





Luiz Sérgio entende por "lógicas fundamentais" "aquelas que não podem ser geradas por síntese dialética a partir de outras lógicas. Duas são as lógicas fundamentais: a lógica transcendental (da simples identidade) e a lógica da simples diferença, abreviadamente, lógica da diferença. Kant, Fichte e Husserl irão "complementar a lógica formal clássica com a lógica transcendental. Husserl caracterizará a lógica transcendental como ciência da subjetividade. Luiz Sérgio dirá que esta lógica "se caracteriza, entre outras coisas, como o saber sobre a capacidade de ser consciente, sem qualquer qualificativo; em suma, lógica da res cogitans em sua mais estrita essencialidade." "Se existe uma correspondência estrita entre realidade e pensamento, então, que visa a consciência, o pensar transcendental? Visa tão somente a realidade como ser. Nesta condição podemos caracterizar a lógica transcendental como lógica da abertura, a lógica do pensar fenomênico". "A lógica transcendental é lógica fundante, é auto-instituidora da separação entre pensar e ser, porém não os afastando". "Lógica da simples e pura abertura ao Ser, antes de qualquer atitude atributiva ou valorativa, antes mesmo de qualquer investida descritiva..." É a lógica do que apenas fala, do ser projeto, aquele que "pro-jeta-se"...



A lógica da diferença é a intuicionista, a do paradoxo, ou para-consistente, a de Spencer-Brown (Laws of form - N. York, 1979), a de Varela (Cálculo para Auto-referência). É a lógica do inconsciente, a lógica do outro. "É a lógica do pensar criativo, operante desde a poesia, a loucura, do deixar-se pensar, do calar e só ouvir".



As demais lógicas derivam dessas fundamentais "por uma operação de composição sintética." Classifica como lógicas sintéticas de base a dialética e a clássica e inclui em outras lógicas sintéticas a lógica da subjetividade-em-sua-integridade e as lógicas trans-subjetivas.



Indiscutivelmente, até hoje, o trabalho central de Luiz Sérgio, é Noções Elementares de Lógica que, nos seus dois volumes, sintetizam a estrutura do seu pensamento. Nele, analisa os princípios das diversas lógicas, confronta a lógica com a realidade, com o conhecimento. Estuda a relação entre o ser e o pensar, "ou, em sua versão moderna", "o comprometimento ontológico da lógica". Defende que o "homem é capaz de vários modos de pensar - tantos são estes tantas serão as lógicas possíveis - a cada pensar correspondendo um certo modo de ser-pensado ou de realidade".



Estudando a evolução do sistema nervoso central vai notar correlações estreitas entre a formação do tubo neuronal nos vertebrados com a interiorização psíquica. "Pode ser visto ainda nos jovens embriões dos vertebrados que o tubo neuronal se forma por um processo de invaginação do ectoderma dorsal. Este processo permite a formação de um tubo superficial que a seguir se interioriza, e em torno do qual virá se formar a coluna vertebral protetora.



Na extremidade frontal do tubo neuronal irá se formar uma sequência de três intumescências cujo desenvolvimento redundará no cérebro". Essa evolução "vai constituir uma interioridade no corpo do aninal. Numa linguagem um pouco informal, diríamos que o animal passa a dispor, em si, de um avesso; que assim cria-se um espaço interno onde se pode representar tanto o meio como seus próprios impulsos e disposições, e além, simular diferentes cursos de ação sem pagar o imprevisível preço de uma efetiva experimentação. Constitui-se, pois, um espaço imaginário onde é possível até refugiar-se momentaneamente fugindo às excessivas pressões 9do mundo externo; no homem, chega a proporcionar-lhe o espaço, onde pode inventar explicações para o bem e o mal, onde pode localizar suas origens míticas, gozar o ilimitado poético, e até, drástica e definitivamente, onde se pode propor como enígma ou, pura e simplesmente, dissolver-se na loucura.



Em suma, diríamos que a base filosófica para a operação lógico diferenciadora está na codificação digital dos impulsos das células sensíveis, e além, na homogeneidade da natureza desta codificação relativamente à diversidade de sensibilidades. Por outro lado, a operação de identidade se alicerçaria na homogeneidade da codificação no que diz respeito aos tipos lógicos e, sobretudo, no processo de formação do cérebro e do tubo neuronal por invaginação do ectoderma."



A História da Filosofia nos mostra que os filósofos inovadores "tiveram que, concomitantemente, desvelar uma maneira própria e específica de pensá-lo. De um modo ou de outro, isto é lógica".



"A problemática lógica da identidade e da diferença emerge concomitantemente ao surgimento da própria filosofia. No famoso e solitário fragmento legado por Anaximandro assiste-se o despontar dessas duas possibilidades fundamentais do pensar" (Os Filósofos Pré-Socráticos, - S.P., Ed. Cultrix)... Os eleatas optam igualmente por uma lógica da identidade, mas já agora contraposta a uma lógica do movimento, vale dizer, à dialética, que é por eles simplesmente taxada de ilusória. No extremo oposto, entrando em diagonal, Heráclito nega a identidade e afirma o exclusivismo da dialética como pensar próprio da physis. Sócrates coloca o problema da idéia ou do conceito, fazendo-o contudo, nos limites de uma teoria da definição. Vale dizer, visa de fato a idéia, porém, atendo-se a um pensar da diferença ou das essências. É curioso notar que a concepção de Sócrates é o oposto em diagonal da concepção heraclitiana.



Platão restabelece a necessária homogeneidade onto-lógica, convocando uma nova razão: a razão dialética para pensar a idéia ou o conceito. De certo modo podemos dizer que Platão, do ponto de vista lógico, subsume todas as alternativas lógicas levantadas por seus predecessores, em especial, Parmênides, Heráclito e Sócrates." (NEL-I-190 a 193)

Esse evoluir da lógica na Grécia antiga vai da polaridade identidade/diferença à polaridade identidade/dialética até a síntese dialética platônica.



Sob o ponto de vista da lógica, Luiz Sérgio Coelho de Sampaio acredita que melhor seria considerarmos os pré-aristotélicos ao invés de pré-socráticos. A partir de Aristóteles inaugura-se uma nova lógica, a lógica da ciência, aquela da dupla diferença.



"Os grandes pensadores do Ocidente vão reivindicar lógicas especiais, outras que a lógica clássica para dar conta dos campos do saber que então inauguravam. Uma lógica transcendental para o trato da problemática gnosiológica, mais precisamente, uma lógica própria para o trato do sujeito da ciência; aqui contamos como principais Kant e Fichte, e mais tarde Husserl.

Uma lógica para a realidade contra-sistêmica, uma lógica capaz de, com propriedade, pensar a história, temos aí a dialética em sua versão "idealista" com Hegel e em sua versão "materialista" com Marx, Engels e todos os seguidores do materialismo histórico. Mais tarde, impõe-se uma nova lógica: da diferença, do paradoxo e da intuição, da repetição, do significante, ou ainda, a lógica do sujeito (do) inconsciente, em suma, uma lógica que não viesse anular ou desconsiderar o trágico da existência. Ela seria, pois, a lógica própria do sujeito da história, tanto quanto a lógica transcendental o é do sujeito da ciência. Em ordem cronológica, aparecem aí Kierkegaard, Nietzsche, Freud/Lacan e toda a legião ora em moda dos pensadores da diferença, incluindo os estruturalistas". (NEL-I-194 a 196)



Há pensadores que assumem ou transitam por mais de uma lógica como, por exemplo, Heidegger, os filósofos da Escola de Frankfurt. Quanto ao primeiro, apresenta uma ascendência metodológica husserliana, mas que "por seus pressupostos finitistas, por tomar como ponto de partida o dasein, teria que ser posicionado junto com Kierkegaard e Nietzsche.

Ainda em Noções Elementares de Lógica Luiz Sérgio Coelho de Sampaio perguntará o "que devemos entender por verdade?" E responde dizendo haver vários "modos de verdade: tantos são os modos onto-lógicos tantos devem ser também os modos da verdade". Inicialmente, ressalta " a verdade dialética, a verdade hegeliana da História, onde razão e realidade são totalmente as mesmas". Para esta verdade Luiz Sérgio pretende um nome: vitória porque "o que se registra nos livros de história é a verdade dos vencedores; ainda que isto nos choque, poderia ser diferente, se a própria história já tomou seu partido?"



São quatro as principais verdades, segundo Luiz Sérgio: a vitória, o gozo, a alétheia e a adequatio.



O gozo é a verdade do pensar da diferença, a verdade do corpo, do significante e do inconsciente, "onde a realidade sempre excede o pensamento, onde, portanto, só pode haver co-pertinência parcial".



"As quatro verdades de base não são ainda tudo. Assim como o ser-subjetivo-e-sua integridade subsume os quatro modos de ser acima considerados, tal como acontece com suas lógicas correlatas, assim também, a verdade a nível do ser-subjetivo deve subsumir os quatro modos de verdade correspondentes: alétheia, gozo, vitória e adequatio. Acreditamos que a melhor denominação para a verdade do ser-subjetivo-em-sua-integridade é amor, amor especificamente humano. Em verdade, não há amor sem a justa abertura do ser (alétheia); sem a copenetração ainda que necessariamente parcial dos corpos (gozo); sem o nunca excessivo diálogo ou confrontações, sem que se chegue à unidade que respeita ao mesmo tempo que suprime as diferenças (vitória, na confrontação ou no diálogo); por fim, sem a compreensão, entendimentos que se dá no contexto das demais verdades, e que faz com que, de algum modo, as coisas funcionem (adequatio). Obviamente, nenhuma de per si, ou em conjunto, é amor; amor é ainda um pouco mais, precisamente sua síntese."



Quanto ao gozo, Luiz Sérgio tece outras considerações, pois a cada uma das verdades ele procura a lógica que lhe é mais propícia. E chega "à concepção do gozo como êxtase encarnado, ou, simetricamente, sensação significante. Não é despropositado dizer, igualmente, que o gozo é o infinito confinado, ou, olhado pelo reverso, infinitização do que se tem por originária e irremediavelmente finito. Não seria isto, precisamente, a "forma" de todo o gozo?! Uma simulação veraz da impossível síntese de um e do Outro, por apenas um e um particular Outro."



Para se entender as lógicas conforme propostas por esse autor é necessário ter-se em mente os símbolos de cada uma, pois, a todo instante, ele faz referências às diversas lógicas através

de seus símbolos. Assim:



I, representa a lógica da identidade,

D, a lógica da diferença

/, a barra para indicação da operação de síntese dialética.



Disto resulta, por exemplo, a lógica I/D/ , ou seja a I/D/D.





Os símbolos das quatro lógicas de base seriam: I, D, I/D e D/ .



Ilimitadamente, poderemos a partir destas formular as lógicas da tripla diferença (D/ ), da síntese de identidade com a tripla diferença (I/D/ ), da quádrupla diferença (D/ ), etc...



Todas essas lógicas "definem níveis onto-lógicos de complexidade crescente".



No tomo segundo de Noções Elementares de Lógica, Luiz Sérgio Coelho de Sampaio faz uma análise das correlações entre a Lógica e a Filosofia, a Cultura, a História e a Teologia. Isto ocupa todo o seu primeiro capítulo. "A lógica - explica-nos - no fundo, a tudo se articula, daí a imensidão de temas que poderiam encontrar abrigo sob o título ora proposto: a lógica e os múltiplos saberes." É nesse sentido que, durante o correr de seus trabalhos, aparece a matemática, a economia, a história, a teologia, e muito mais, vistos através do arcabouço das várias e possíveis lógicas. "Não há lógicas nem ontologias de per si - costuma afirmar - mas, uma única, ainda que complexa, onto-logia".



Essas correlações ele estabelece em Platão: dialética/idéia; em Kant/Fichte: lógica transcendental/sujeito do saber científico; em Hegel: dialética/história do conceito; em Marx: dialética/história materialista; em Husserl: lógica transcendente/ser fenomêmico; em Freud: a lógica do inconsciente; em Lacan: a lógica do significante, ou seja, a lógica da diferença; em Aristóteles: a lógica clássica ou da dupla diferença...





B.2 Lógica e Economia



Quanto à economia, João Paulo de Almeida Magalhães, que lhe prefaciou a Lógica e Economia, ressaltou:

"A Economia está hoje entrando num momento de grande inquietação quanto aos seus métodos, resultados, e sua própria signicação como ciência da realidade. Enquadram-se nesse contexto o artigo seminal de Boland, A Critique of Friedman's Critics - 1979, em que põe a nu o elevado despreparo dos economistas no que se refere à moderna epistemologia, e a contribuição de Mac Closkey, The Rethoric of Economics - 1983, que se aproxima, nessa disciplina, do anarquismo epistemológico de Feyerabend. O número especial de Ricerche Economiche - 1989, com a contribuição de especialistas de todo o mundo, e a publicação recente de livros como Boland, The Methodology of Economic Model Building - 1989 e Glass e Johnson, Economics - Progression, Stagnation or Degeneration - 1989, apontam no mesmo sentido.



O trabalho de Luiz Sérgio Coelho de Sampaio: Lógica e Economia cria, pelo seu título, a impressão inicial de se tratar de contribuição na mesma linha. Já nas primeiras páginas, todavia, fica patente que se trata de algo diferente e bem mais ambicioso. O trabalho examina a realidade econômica em sua correlação com diferentes tipos de lógica.



O autor identifica duas lógicas fundamentais: lógica da simples identidade (ou lógica transcendental) e lógica da simples diferença (ou da diferença). Existem, a par disso, duas lógicas compostas: lógica dialética e lógica da diferença da diferença (ou lógica clássica). Temos, além dessas, a lógica da subjetividade em sua integridade que constitui a lógica básica do ser pensante. Ela abrange e supera todas as outras não tendo, todavia, existência concreta no contexto histórico-cultural, passado e presente.



Para Sampaio, o homem é capaz de vários modos de pensar correspondentes às lógicas possíveis que, por sua vez, correspondem a modos de realidade. Ou ainda, segundo ele, ser e pensar se correspondem, havendo tantos modos de realidade quantos são os modos de pensar.



Com base nisso, que poderíamos chamar de um novo paradigma analítico, Sampaio vai se debruçar sobre a realidade econômica, com colocações e ilações extremamente originais.



Analisa as etapas lógicas do desenvolvimento. A primeira é a fenomênica, dominada pela lógica da simples identidade, e correspondente à fase pré-econômica. A etapa seguinte, que vai dos primórdios ao feudalismo, é dominada pela lógica dialética. A terceira etapa, subjetiva, vai do feudalismo à modernidade contendo elementos da lógica transcendental e da lógica clássica.



A análise é especialmente interessante no que se refere ao Capitalismo. Neste, a lógica clássica vai permitir o surgimento da ciência. A aplicação desta no aumento da produtividade, faz com que a acumulação de riqueza da Antiguidade se transforme em acumulação de capital. Em linguagem puramente econômica se diria que o incremento da produtividade determinado pelas inovações tecnológicas neutraliza os rendimentos decrescentes resultantes do acúmulo de capital por trabalhador. Na sociedade moderna tudo vai, assim, girar em torno do aumento da produtividade. Esse aspecto, que constitui ponto central do ensaio, é importante porque nas análises dinâmicas modernas, conforme assinalam Simonsem e Cysne, Macroeconomia - 1989, o aumento da produtividade (resultante dos investimentos em pesquisa tecnológica) é largamente esquecido.



Para Sampaio, as sociedades antigas eram duais, divididas entre trabalhadores e controladores dos meios de produção. A sociedade moderna é ternária compondo-se de trabalhadores, classe média e burguesia. Nesta, a classe média não se distingue (como, por exemplo, em países subdesenvolvidos) apenas pelos seus padrões de vida. Ela tem função própria fundamental que consiste em garantir o constante aumento da produtividade. Contribuem para esse resultado:





a) o pessoal engajado na conservação e aumento da produtividade;



b) o pessoal engajado no desenvolvimento tecnológico;



c) o pessoal engajado na formação de trabalho especializado;



d) o pessoal engajado no ensino básico universal.



O capitalismo deverá evoluir para uma - economia nova - levado pelos corolários inexoráveis da informatização. Sampaio recapitula a evolução que leva a esse resultado. Inicialmente o homem trabalha com suas próprias mãos, em seguida utiliza a ferramenta e depois a força animal. Nesta etapa a função do homem já é informacional, ou seja, de domesticar, adestrar e conduzir o animal. Na etapa seguinte, surge o motor e a função informacional se faz pelo controle da máquina sendo a energia diretamente inserida nela. Na economia nova, o homem será liberado da própria função informacional. Esta será, cada vez mais, inserida na máquina, através do computador.



Na economia moderna, as lógicas transcendental e clássica, apenas coexistiam. Na economia nova, tornar-se-ão integradas. As características básicas dessa economia deverão ser as seguintes:





a) o capital perde sua autonomia desaparecendo o mecanismo automático da cega acumulação;



b) haverá uma cultura nova: a mudança não será um processo puramente econômico mas um processo cultural;



c) o consumismo desaparece (com isso ficamos livres não só de uma neurose mas de uma psicose paranóica).



Essa visão final coloca Sampaio, dentro de certa medida, numa linha de análise que me parece especialmente fascinante no pensamento de Marx. O seu estágio comunista da sociedade (consagrado por Lenine em L'Etat et la Revolution) em que os bens são distribuídos de acordo com as necessidades, só pode ser interpretado como aquele em que o progresso econômico, permitindo o equilíbrio entre disponibilidades e necessidades, torna todos os bens - livres - Nesse momento, a - cega acumulação - se torna desnecessária e o - consumismo - deixa de ter sentido porque todos os bens se acham amplamente disponíveis. O capitalismo, como muito bem previu Sampaio, desaparecerá, não pela violência mas por deixar de ter razão de ser.



A indagação que fica é a seguinte: o consumismo ditado pelos chamados efeitos de Imitação, Snob e Veblen, é uma constante psicológica das sociedades modernas, inclusive as do mundo comunista não podendo, consequentemente, ser explicado somente pelas técnicas de marketing. Como então poderá ser eliminado? A meu ver a resposta implícita em Sampaio é a seguinte: na sociedade nova predominará a lógica da subjetividade em sua integridade e esta é, certamente, incompatível com a neurose-psicose do consumismo.



A Lógica e Economia não é para leitores de fim de semana. É um trabalho para ser lido, relido e meditado. Pouca coisa se tem escrito ultimamente no Brasil em relação a qual se possa dizer o mesmo. Donde a excepcional importância da contribuição de Sampaio."





B.3 Lógica e Cultura



O autor tem em preparo um texto, justamente, com o título acima, porém, muitas de suas idéias neste campo já foram expostas em Informática e Cultura, datando de 1984. Neste, já vem, claramente, delineado o que será a nova cultura. Resultará do desenvolvimento da Informática - incluindo a teleinformática e robótica - invadindo todos os aspectos da sociedade atual. "Perguntamo-nos todos, em algum ponto entre a simples curiosidade e a mais funda ansiedade: em essência, como será esta nova cultura? Como serão afetados nossos modos de comunicação? Nossas linguagens? Nosso élan criativo? Nossa convivência com o sagrado? E tantas outras questões semelhantes." (pág. 5) Luiz Sérgio quer saber se nós, brasileiros, estamos "preparados para esta aventura tecnológica e cultural". O seu trabalho é uma tentativa para responder a estas perguntas. Procura mostrar que a Informática não é mais do que "o subprocesso de expansão semi-autônoma de nosso pensamento diferencial ou analítico, ou - o que é sinônimo - da Lógica da diferença." (pág. 6)



"O que era originalmente governado pela Lógica da diferença passa, com o advento da cultura Ocidental Moderna, a sê-lo pela Lógica da diferença da diferença; e isto ocorre com os mundos concreto e econômico, tornados, respectivamente, sistema físico e sistema econômico". Acredita que com as novas descobertas técnico-científicas, "não pode mais restar grande dúvida sobre a referência central da nova cultura, nem de quais sejam seus traços fundamentais. Trata-se aí da emergência da Pessoa. São múltiplas e variadas as formas de precisar isto: incorporação da História e do Inconsciente como dimensões irredutíveis do ser - seja pessoal, seja social - ao lado da consciência (da liberdade, do projeto) e do sistema (da lei, da regra); estas últimas duas dimensões já do domínio da cultura Ocidental Moderna. Pode-se falar, também, da liquidação da supremacia do ser-masculino - do machismo como se diz vulgarmente: o homem ainda presente, ser subjetivo, reduzido a seus aspectos objetivos, ser-dominante, dando vez ao gênero pessoa em primeiro lugar; feminino e masculino, passando a constituirem-se em faces simétricas complementares do ser-pessoal..." (pág. 54)





"Pode-se ainda ratificar o que todo o mundo intelectual diz: estamos diante da morte de Deus (Nietzsche) e da morte do Homem (estruturalismo da moda), esclarecendo-se, porém, que se trata da morte do Deus parcial, objetivo, do Deus-conceito, bem como do Homem reduzido, objetivo, dominador e dominado, para abrir lugar ao Deus-Uno-Trinitário-Quinquitário, verdadeiro Deus pessoal, criador já da Pessoa integral, instalada em sua plenitude subjetiva.



Ficamos sabendo, inclusive, como isso ocorrerá:



a) Preliminarmente pela exacerbação dos aspectos sistêmicos do mundo, em especial dos aspectos materiais e econômicos - produto exatamente do sub-processo de informatização geral da sociedade.



b) Num segundo momento, reativamente, talvez em alguns poucos lugares, haverá o reforço do ser-consciente, da liberdade individual e de grupos. Até aí, estaremos apenas re-produzindo, em grau superlativo, o processo já visto de formação do Ocidente Moderno. Isto, contudo, será insuficiente, como já poderíamos prever pelo que nos advertem os pensadores da História, do Inconsciente e até os teóricos da Matemática com seus teoremas, de limitação (limitação das possibilidades lógico-formais ou sistêmicas).









c) Será inelutável a chegada de um terceiro momento, momento especificamente pós-moderno, caracterizado, de um lado, pela abertura ao ser-inconsciente, donde brotam a criatividade e a força expressiva dos indivíduos e das massas; de outro lado, compensatoriamente, haverá o refôrço da dimensão histórica do ser, que só pode manifestar-se em plenitude pela instauração do verdadeiro diálogo de pessoas e grupos, tanto face a face quanto mediado pela crescente parafernália das telecomunicações e da teleinformática. Da síntese destas quatro lógicas operantes, emergirá a Pessoa - correlativamente um novo ser-social - como antes afirmado, referência central da nova cultura". (Págs. 54/55 de Informática e Cultura)



Através da educação - sugere-nos Luiz Sérgio - poderíamos acelerar o processo de integração cultural brasileira, acelerando o processo de amadurecimento político e o processo de conquista de uma relativa independência tecnológica. (pág. 77) Para isto precisamos posicionarmo-nos em atitude de abertura atenta à criatividade e expressão do outro, em atitude de respeito às regras e convenções coletivamente estabelecidas, em atitude decididamente livre, por consequência intencionalmente estratégica, em atitude de generosa abertura para o diálogo, enfim, em atitude de aberta esperança ao advento da Pessoa... (pág. 78) Precisamos responder, "à altura, os desafios lançados por Kierkegaard, Freud, pelo Estruturalismo e pela Teologia do Desejo: abrir espaço para o ser-inconsciente - o que é equivalente - à criatividade e expressão dos indivíduos e das comunidades. Será preciso, pois, aprender a escutar. Em termos de Política de informática, isto quer simplesmente dizer que o computador deve ficar ao alcance de todos, inclusive daqueles que dele farão um uso a priori desconhecido das autoridades (sejam políticas, sejam administrativas)." (pág. 79) "Ter-se-á que responder aos desafios impostos por Hegel, pelo Materialismo Dialético e pela atualíssima Teologia da Libertação: abrir espaço para o vero diálogo: reconhecer, em síntese, o direito à luz do ser-histórico, do ser-novo como tal. Será preciso, pois aprender, simultaneamente, falar e escutar. Em termos de Política de Informática, isto quer dizer pura e simplesmente que os computadores devem, sempre que possível, estar em rede aberta, completamente transparente a nível de terminais e até de memória." (pág. 79) E, por fim, devemos nos posicionar "em atitude de franca e aberta esperança ao advento da Pessoa, centro referencial da nova cultura que se avizinha." (pág. 79)



B.4 Lógica e Psicanálise



Lógica e Psicanálise de Sampaio é uma coletânea de nove ensaios, elaborados em diversas épocas - de 1984 a l989 - que focalizam alguns temas psicanalíticos procurando classificar seus determinantes lógicos. No ensaio A lógica lacaniana explica-nos que "cabe a Lacan o mérito da explicitação das determinações lógicas subjacentes ao pensamento freudiano. "Para se entender Freud é necessária uma "leitura significante". No Pequeno ensaio sobre as modalidades aléticas nos fala como compreender as clássicas modalidades aléticas - possível, contingente, etc. - estudadas por Lacan. Em Fases do Desenvolvimento Psicológico, aborda a problemática da periodização do processo de desenvolvimento psíquico, partindo basicamente das postulações freudianas, ressaltando a fase do espelho tão enfatizada por Lacan. O quarto ensaio, sobre A Desordem Mental, analisa as lógicas das psicoses e das neuroses. Mencionaríamos ainda os ensaios O Trabalho do Inconsciente no Sonho, Por uma Caractero-logia e Aspectos Onto-lógicos da Psicossomática. Neste último, Sampaio aproveita a oportunidade para revisitar um antiquíssimo problema filosófico, qual seja, o da relação corpo/alma.



Numa primeira conclusão estabeleceu que "o termo genérico corpo comporta três corporeidades específicas: um corpo associado à pré-D, que poderíamos denominar corpo físico, fisiológico, ou ainda, biológico...; depois, um corpo associado a D, que podemos nomear corpo libidinal, corpo significante, corpo pulsional, ou apenas, inconsciente; por fim, um corpo associado a D/ , que chamaríamos corpo socializado, corpo institucionalizado, ou, talvez, com grande propriedade corpo diplomático..." "A segunda conclusão a tirar, é que existiria uma hierarquia - conquanto que não absoluta - entre os três tipos de corpos mencionados." "Por fim, poderíamos também concluir que entre este corpo múltiplo e a alma, igualmente múltipla, existiria uma grande quantidade de modos interativos, tantos e tão cruzados que não seria um despropósito denominar a descrição de toda estra trama "teoria do boot strap".





B.5 Lógica e Teologia



Em Noções de Onto-Teo-Logia, obra em dois volumes, procurará uma análise pormenorizada do problema religioso. "De todas as facetas de uma cultura, a religião é, sem nenhuma dúvida, a mais importante, a mais crítica, na medida em que ela se pretende o núcleo central e invariante desta cultura, ou mais exatamente, seu ser absoluto." "Qualquer cultura tem seu fundamento numa determinada parcialidade lógica assumida, e ainda, aceite a hipótese de que na religião se condensa o absoluto de qualquer cultura, seremos obrigados a concluir que uma cultura, sua religião e sua lógica, em boa medida, são as mesmas. Seremos obrigados a admitir, ainda, um pouco mais: que a eventual fragilidade de um povo é, em verdade, sua fragilidade cultural, e, por consequência, uma outra face de sua fragilidade religiosa."



A seguir, Coelho de Sampaio irá ressaltar que a desorganização da sociedade brasileira resulta de sua desordem lógica, promíscua, que, por sua vez, tem origem na insegurança religiosa. Assim nos explica esse fenômeno: - "Quem se der ao cuidado de escutar com atenção um punhado de brasileiros tomados ao acaso terá que ficar abismado, senão alarmado, com o que eles pensam da religião e como, de fato, vivenciam suas relações com um pressuposto absoluto. Dificilmente se ouvirá coisas coincidentes de uma pessoa para outra, e o que é pior, coerentes quando vindas de uma mesma pessoa. A sensação é de caos, o que não quer dizer que aí não haja lógica: em verdade há, até demais; há uma multiplicidade de lógicas que só atuam topicamente; é compreensível que qualquer raciocínio ou simples ilação precise ser evitada para que a pessoa não venha se defrontar com sua própria desordem interior, que em se tratando de religião, se afigura como caos absoluto. Note-se que isto não deve ser visto como pura negatividade, muito menos como algo definitivo; talvez possa significar um processo particularmente complexo em andamento, uma convergência embargada por uma estabilização dominadora, e muitas outras coisas. Contudo, não deixa de ser preocupante, até mesmo alarmente; é, acima de tudo, um fenômeno a se compreender e buscar superar. Qualquer ação social efetiva que pretendamos empreender, por certo, exigirá a pré-compreensão desta nossa especialíssima problemática religiosa. Não temos a menor dúvida sobre isto: nada mais urgente hoje no Brasil, pois, que reflexão teológica, séria, obviamente."





"Kierkegaard insiste em que o homem é, ao mesmo tempo, participação no finito e no infinito, não conciliados ou não sintetizados plenamente, como pensava Hegel. Daí a condição trágica do homem, eternamente uno e dividido." Esta separação é a problemática teológica. "Como pôde se dar tal separação? Diríamos que de muitos modos, como se umas fossem metáforas das outras." Sampaio nota várias separações a partir de sua análise onto-lógica: consciência de... / Consciência reflexa; Inconsciente, diferença / Consciência, identidade; Feminino / Masculino; Sistema / História; Homem / Deus.



O problema fundamental dessa separação "é a re-união, a re-ligação, como normalmente se diz, a religião". "Enfrentar corajosamente a problemática da re-conciliação, da re-união, enfim, da religião, é o que lhe resta."



Essas diferenças são constitutivas do próprio homem. Vários mitos procuram nos levar "da transformação de uma estrutura em uma sequência, de um sistema a uma estória." "Assim, a vivência da separação, da convivência não plenamente resolvida da identidade e da diferença, é transformada no mito da "idade de ouro", do paraíso perdido, devendo-se a perda a um procedimento pecaminiso ou à força de um acontecimento fortuito que a perpetrou."



O objeto das religiões é o Absoluto - que Sampaio identifica como Deus - e, portanto, fará inúmeras análises onto-lógicas sobre esta idéia, nelas incluindo as conotações sobre o infinito. E pondera:



"Não é lá muito difícil descobrir de onde provém a idéia de Deus como infinitude. Sua origem está na própria estrutura do sujeito enquanto ser consciente. Já foi dito por inúmeros pensadores - dentre os quais destacamos Fichte - que o eu (eu-consciente) se nos apresenta como uma "mescla" do finito e do infinito (note-se que este mesmo pensamento já vinha expresso em Patrício Muniz...), o que, num certo sentido, é bem verdadeiro. O caráter de finitude deriva do fato de que a consciência só se realiza como tal no exercício de um confronto, o que é mesmo que dizer que ela é essencialmente operatória, ou ainda, como afirmam os fenomenólogos: toda consciência é necessáriamente consciência de... Por outro lado, a consciência é essencialmente reflexa significando que toda consciência de x, necessariamente, confunde-se com a consciência da consciência de x."





Tal idéia mais se consolida quando extrapola para um e outro lado fundando uma hierarquia: o que está onto-logicamente abaixo do homem ficará caracterizado como mera finitude; o que o ultrapassa caracterizar-se-á pela pura infinitude. Assim se ordena o mundo; na base, a finitude, identificada como natureza; no extremo superior, a infinitude, a que chamamos Deus; na posição mediana, o homem, "mescla" de âmbos os extremos, do finito e do infinito - corpo e alma também se diz."



"Que nos diz a palavra infinito? Antes de mais nada, nega; nega alguma coisa - a finitude, obviamente - mas, ao mesmo tempo, afirma tácita, porém, radicalmente uma continuidade, uma conservação ou invariança além de todos os limites. Se bem atentarmos, verificaremos que a noção de infinito se constitui a partir da conjugação de duas outras noções: a de conservação ou continuidade qualitativa (essencial) e aquela da simples quantidade inesgotável."



Os homens, com o conceito de infinito visam "estender o domínio (simbólico) dos homems a todos os recantos do mundo; o infinito é, antes de tudo, a expressão de uma vontade de poder infinita." Estão sempre pretendendo extender "a vigência do conceito onde o conceito, por natureza" não alcança." A extensão a que se refere o conceito de uma espécie, por exemplo, é infinita... "Aquilo que está hoje eventualmente fora de nossa vista, do nosso alcance, do nosso poder manipulador o estaria tão somente de fato, jamais de jure".



Sampaio ainda nos explica: - "É bem verdade que alguns teólogos, em especial os mais extremados na afirmação da incomensurabilidade da "distância" Deus/homem - dentre os quais K. Barth é dos melhores exemplos - perceberam as insuficiências da oposição corrente infinito/finito para dar conta da aludida diferença, e buscaram contorná-la aduzindo o atributo "qualitativo" do infinito daquela diferença específica: teríamos lá, então, não uma simples diferença infinita (quantitativa), mas, sim, uma diferença infinita qualitativa. Bem, parece-nos pior a emenda que o soneto. A adjunção do atributo "qualitativo" pré ou pós infinito não lhe precisa a extensão, e sim, o faz explodir em contradição, pois, como enfatizamos, é da própria essência da infinitude o ser de modo contínuo qualitativamente invariante, seja qual for o âmbito considerado."



Todas as culturas históricas - nos adverte Sampaio - "não conseguiram escapar a um quê de idolatria, e o fizeram absolutizando a sua própria lógica..."



"Na maioria das vezes, a realidade suprema nada mais é que a grande realidade que envolve, topologicamente, suas pequenas realidades. As virtudes divinas são assim reduzidas às virtudes mundanas, sejam elas fenomênicas, objetivas ou mesmo humanamente subjetivas, levadas a um mero extremo quantitativo; dá-se tão somente uma pseudo-elevação, absolutização horizontal, a rigor, nada mais que a absolutização de sua própria e limitada realidade. Olhando retroativamente, que constatamos? Que tudo aí passa pela prévia absolutização de sua própria lógica.



Isto posto, é de se esperar que haja uma perfeita correspondência entre o nível de desenvolvimento lógico de uma cultura e a concepção que ela faz de Deus. Afora a modernidade, e os primórdios pré-lógicos da cultura, lógica e teologia numa dada cultura devem aparecer aos olhos do historiógrafo como saberes irmãos. Isto, inclusive, aponta-nos o caminho real para o desvelamento da lógica de uma cultura: ela é a sua própria teo-logia (e não onto-teo-logia) oficial."



Sampaio pergunta quais seriam as relações entre os níveis lógicos de Deus (I/D/ ) - e dos homens (I/D/ ). "Que relações daí se estabelecem, tanto necessárias, quanto voluntárias de parte a parte?" Responde que "o poder da analogia é tal, que ela mesma nos pode levar à justa compreensão e classificação dos ateísmos modernos."



Sob as análises de Sampaio pouco escapa. Fala-nos sobre especulações cabalísticas, a teologia natural versus teologia revelada, a lógica do Absoluto diante da Revelação, a Revelação Paradigmática da Encarnação e Paixão de Cristo, diversos modos revelatórios, e muito mais. "A famigerada infabilidade papal - comenta - é, talvez, de todos, o caso mais flagrante, contra o qual o corajoso Hans Kung não cansa de clamar." Como explicar isto logicamente?... "Tudo começa com a identificação da Igreja com o corpo de Cristo - dizem que ela é o próprio corpo místico do Cristo - do Cristo ressucitado, obviamente (D/ ), logo, o conteúdo lógico correspondente a I/D/ . Quem melhor do que o chefe da Igreja para assumir, especificamente, I/D/ , já que os fiéis não o poderiam, pois se sabem (ou sentem) I/D/ ? Somente da posição I/D/ poder-se-ia reivindicar a infabilidade em questão."



O capítulo sexto de Noções de Onto-Teo-Logia vai estudar a Angelologia, os anjos, que precisam ser explicados ao nível angélico, que, certamente, ficará distanciado dos homens e de Deus, numa posição mediana entre estes e Aquele... "O homem moderno - o homem da era da ciência - mostra grande reserva ou desinteresse pelas questões atinentes à existência e ao poder dos anjos"... Todavia, à Lógica interessa explicá-los. E, nesse sentido, Sampaio não se omite nesta tarefa... Termina por especificar as relações de Deus com os homens concluindo que "os anjos são possíveis, são criaturas de Deus, seres espirituais, intermediários entre a espiritualidade humana (subjetividade) e a espiritualidade absoluta de Deus, possuem uma quase-onisciência (excluem-se apenas os desígnos de Deus, para o que lhes seriam exigidas a fé e, acima, a Graça); embora livres e dotados de vontade, seu poder é limitado tanto em relação a Deus como em relação aos homens, a menos que ajam por delegação divina, constituem-se mensageiros e intérpretes do logos divino em relação ao homem, distribuem-se, formalmente, em nove coros, redutíveis a sete que se cingem apenas a três hierarquias e, por fim, dividem-se em bons e maus. Os maus são anjos decaídos; seu pecado é o orgulho, e sua revolta caracteriza-se fundamentalmente por negar sua própria essência: ser-para-Deus. O demônio volta-se naturalmente para o homem, e seus modos de tentação são, em primeiro lugar, a oferta de poder (lógico ou político) - que é exatamente o que ele não possui e razão mesma de sua revolta - e, em segundo lugar, o oferta de bens materiais (concreto ou econômico) e de sucesso (simbólico ou cultural)."



Quando Luiz Sérgio Coelho de Sampaio nos fala dos anjos isto não quer dizer que ele conviva com os mesmos ou que já os tenha visto. Não. Esta análise resultou de uma necessidade lógica. Se a lógica I, refere-se ao ser, ao nível fenomênico; a I/D já se dirige ao objeto, ao nível objetivo; a I/D/ é a lógica que se refere ao homem, ao nível subjetivo, e a lógica I/D/ é a necessária ao Absoluto, onde ocorre o nível de Deus, ficava, pois, uma lacuna: a lógica I/D/ que, justamente, é a que explica os seres que medeiam entre os homens e Deus, ou sejam, os anjos... A possibilidade de sua existência insere-se dentro de uma lógica que lhes é própria...



O último capítulo de Noções de Onto-Teo-Logia, o sétimo, trata do trinitarismo: de Platão a Hegel, quando faz uma longa análise da estrutura trinitária da alma segundo Platão, composta pelo Mesmo, pelo Outro e pela Terceira Substância, que seria a mistura do Mesmo e do Outro. Assim, a estrutura da alma cognitiva ou lógica nos remete à lógica da identidade ou transcendental para o Mesmo, à lógica da diferença para o Outro e à lógica da identidade da identidade e da diferença ou lógica dialética para a Terceira Substância.



O dogma da Trindade Divina vem explicado desde suas origens pré-cristãs. Jung notou essas origens "entre os babilônios, egípcios e gregos, em especial em Platão."



Sampaio nos remete ao concílio de Nicéa, ao símbolo de Santo Atanásio, onde ficam estabelecidos os critérios sobre Deus que é um só com três pessoas. Faz a seguinte correspondência entre Platão e o cristianismo: o Mesmo seria o Pai; o Outro, o Filho; a Terceira Substância, o Espírito Santo.



Em Hegel, a tese corresponde à lógica da identidade, a antítese, à lógica da diferença e a síntese à lógica da identidade da identidade e da diferença... "Os três momentos da estrutura epistemológica fundamental em Hegel são o subjetivo, o objetivo e o absoluto."



"Existe - insiste Sampaio - manifestamente um núcleo comum ao platonismo, ao cristianismo e à filosofia hegeliana; justamente por isso, estas três doutrinas constituem-se em pontos privilegiados para a compreensão do pensar e obrar ocidental." Para compreendermos mais profundamente esta conexão "é didaticamente interessante separar o eixo epistemológico do eixo ontológico."



Para concluir este item observaríamos que embora não tenhamos sido até hoje brindados com uma Lógica e Ética por Sampaio - seria interessante que um dia a tivéssemos! - podemos já antecipar qual viria a ser sua idéia central pelo que extraimos de seu depoimento em Rumos da Filosofia Atual no Brasil em Auto-Retratos coordenado pelo padre S. Ladusãns, S.J.:



"... a ação moral é aquela que vai em direção à realização, na plenitude, do próprio ser; que imoralidade significa, em última instância, degradação ontológica". A ação moral seria "como um realizar-se que busca superar-se ao referenciar-se, de modo imperativo, ao Absoluto."



Todavia, Sampaio faz questão de acrescentar que:



"... não seria aceitável uma concepção de moralidade que fosse estritamente privada. Sendo o homem ser-subjetivo, tanto pessoal quanto social, não seria lícito tomar sua referenciação necessária ao Absoluto como um álibi para o descomprometimento social do seu agir".



Esta concepção da Ética, fazemos notar, não é uma novidade, mas sua re-fundamentação onto-lógica, como a propõe Sampaio, mereceria ser meditada com seriedade, em especial, nos dias atuais.





B.6 Lógica e Física



O Mundo Concreto (Tempo-espaço e materialidade; Partículas e forças) é a parte segunda de uma trilogia que busca abarcar a totalidade do mundo objetivo - o mundo das formas (lógico), o mundo da concretude e o mundo simbólico. Em suma, trata-se aqui fundamentalmente de uma filosofia da física.



Sampaio retoma nesta obra o projeto kantiano, qual seja, o da determinação das condições a priori da verdade no campo das ciências exatas, particularmente da física. Em princípio o sujeito da ciência em Kant e Sampaio é o mesmo sujeito lógico transcendental, mas a diferença está em que para o último isto não reduz a capacidade lógica do sujeito à simples capacidade lógico transcendental. Para Sampaio transcendental é, deveras, a lógica da "posição" ou "lugar" de sujeito da ciência, porém, não se pode confundi-la com a globalidade de sua capacidade operatória. Apenas um exemplo: a ação de sujeito da ciência envolve a capacidade de medir, calcular, elaborar sistemas axiomáticos, todas regidas pela matemática, e esta, pela lógica clássica. Como esta, obviamente, não provém do fenômeno, deixa como única alternativa o fato de sua proveniência subjetiva. A produção do objeto científico - partículas, átomos, núcleos atômicos, etc., - segundo a análise sampaiana mobiliza uma longa cadeia de determinaçies lógicas: o objeto natural - a res extensa - é inicialmente pensado pela lógica de diferença ou da espacialidade (D); o produto desta primeira operação é repensado pela lógica do conceito ou de idéia - a dialética (I/D) - o que lhe confere uma suposta significação e o subtrai, assim, do mundo da contingência. Se ficarmos aí, fixamo-nos precisamente no seio da magia. O pensamento científico nasce no exato momento em que esta exorbitância é corrigida ou anulada através do expediente de se desconsiderar o sentido do objeto simbólico e tomá-lo apenas como simples significante, o que equivale a "visá-lo", de novo, pela lógica D, já agora lógica do significante. Nesta operação de ida e volta, de atribuição de significação e retirada de sentido referencial ou extensivo, sobra algo: a possibilidade da significação intensiva do significante, isto é, a possibilidade de sua articulação a outros significantes por uma lei externa, que não pode ser senão a lei científica. A ulterior operação de mensuração é uma operação lógica clássica (D/2) que, afinal, revela o objeto como um conjunto ordenado de números, e depois, como objeto (ou estado) sistêmico; enfim objeto científico propriamente dito.



Seguindo esta via paradigmática, Sampaio procede a uma minuciosa análise das principais entidades da física moderna - partículas e forças - que não é possível ser seguida sem um razoável conhecimento da física experimental e teórica mais atual. Não poderíamos, entretanto, encerrar este item sem uma breve referência ao item 2.10 da obra em questão, que se denomina, com especial propriedade, veremos, Considerações imoderadas.



Em determinado momento do texto nosso autor explica-nos o que vem a ser o hoje denominado princípio antrópico, assunto de grande atualidade no arraial da cosmologia. Sampaio, concisamente, informa-nos sobre a novidade:



"Neste ponto, não podemos deixar passar a oportunidade de uma breve referência ao princípio antrópico, hoje em moda nos círculos da especulação cosmológica. O princípio emerge da constatação de que admitidas pequenas variações nos valores das constantes universais, transtorna-se-ia de tal sorte a história do universo, que se tornaria impossível o advento do homem. Conclusão: se as constantes universais sempre o foram, desde o big-bang, então, desde o começo, o universo guardou em suas potencialidades a matriz do homem. Admitindo que só o homem é capaz de conhecer as leis que regem o universo e suas respectivas constantes, fecha-se o círculo: este universo destinava-se, ab initio, ao homem, e o homem a ele. Este é, em essência, o conteúdo central do princípio antrópico, que ganha maior ou menor extensão conforme o ímpeto especulativo de cada autor." (MCT, -216, 217)



O objetivo de nosso autor, entretanto, está bem mais além. Toma tudo isto apenas como um pano de fundo para apresentar sua própria versão do princípio, diga-se de passagem, muito mais radical.



O cerne de sua especulação é a correspondência estrita que consegue estabelecer entre as estruturas lógicas e o conjunto das chamadas partículas elementares: neutrinos, fotons, eletrons, bosons fracos, quarks, etc. Tão estreita se afigura

a correspondência que, segundo ele, as partículas elementares podem ser consideradas como possuindo, além do seu especíico conjunto de qualidades físicas - massa, spin, etc. -, também, qualidades propriamente semânticas. Em suma, Sampaio afirma que as partículas elementares constituem uma mensagem, em princípio, pois, legível. Que pretende ele ler aí? Tão apenas as estruturas lógicas que dez ou vinte bilhões de anos após o big-bang iriam se concretizar ou atualizar no homem! Em outras palavras, a seu ver as partículas elementares se constituiriam, literalmente, no "código genético" do Espírito, assim como o DNA o é da vida.



Fica agora patente a razão pela qual Sampaio escolheu o título Considerações imoderadas para o referido item de sua obra sobre a filosofia da física...





B.7 A fertilidade de um pensamento



São já bastante numerosos os trabalhos e pesquisas que tomam o pensamento de Luiz Sergio Coelho de Sampaio como referência ou inspiração em diferentes graus ou extensão. É curioso também notar a diversidade de campos que sua influência vai alcançando. Citaríamos:



- Armando Edson Garcia que defendeu tese de doutorado na Universidade Federal do Rio de Janeiro, no seu Departamento de Ciências da Literatura, em 1986, sobre A Difração da Pessoa no Discurso (As Linguagens e suas Gramáticas) onde o cita longamente;



- Estilos Gerenciais do Profissional da Informação na área de Biblioteconomia de Adelaide Ramos e Côrte, na Faculdade de Estudos Sociais Aplicados, em seu Departamento de Biblioteconomia, dissertação de mestrado em 1988;



- Valores, Necessidades e Bem-Comum: Contribuição para os Fundamentos Axiológicos da Doutrina da Escola Superior de Guerra, de 1990, defendida por Luiz Fernando Mello Raposo;



- Políticas de Privatização defendida em 1990 por Paulo Fábio Bregalda do Carmo, também na Escola Superior de Guerra;



- Telecomunicações e Informatização da Sociedade Industrial de João Batista Barboza, tese de mestrado em Sociologia, defendida na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul em 1988.



Acrescentaríamos ainda a recente tese de mestrado de Diane Kuperman - Anti-semitismo - novas facetas de uma velha questão - defendida na Escola de Comunicação da UFRJ. A autora toma como principal referência uma série de longas entrevistas com J. Habermas, R.D. Jraetz (ex-rabino de N. York), Sampaio e outros. Nesta sua entrevista Sampaio mostra como a conjuntura social na passagem do século XVIII ao XIX, em Frankfurt, foi decisiva para o enraizamento do anti-semitismo na Alemanha, aí ressaltando a percepção e o ajuizamento do jovem Hegel sobre os acontecimentos de então.



Para finalizar citaríamos os trabalhos da Dra. Tania Mara Botelho da UNB baseados nas estruturas lógicas desenvolvidas por Sampaio: o método de ensino IBIS, cujos resultados serão apresentados no ano de 1993 em Barcelona, no Congresso de Educação Continuada e o livro Lidership em fase de acabamento com o patrocínio da Universidade de Syracuse.



Pelo visto, existem setores do pensamento em que o Brasil já pode justamente se orgulhar, tanto pelo pioneirismo, quanto pela profundidade do que aqui se vem produzindo: a Lógica e a Filosofia da Lógica, sem dúvida, são hoje dois destes setores. E isto, sabemos, se deve em boa parte a pensadores do vulto de Newton da Costa, de Leônidas Hegenberg e de L.S.C. de Sampaio de quem ora acabamos de nos ocupar.









BIBLIOGRAFIA





1. A PERMANENTE REVOLUÇÃO DO ANALÓGICO AO CONVENCIONAL - Rio de Janeiro. Parcialmente publicado no JB em 07.09.80 - (PRA).



2. AS LÓGICAS DA DIFERENÇA - Rio de Janeiro, Ed. EMBRATEL, 1984 - (LDI).



3. INFORMÁTICA E CULTURA - Rio de Janeiro, Ed. EMBRATEL, 1984. (INC)



4. NOTAS SOBRE A SIGNIFICAÇÃO DA TEORIA AXIOMÁTICA DOS GRUPOS. Rio de Janeiro, Ed. EMBRATEL, 1984.



5. NOÇÕES ELEMENTARES DE LÓGICA - Tomo I. Rio de Janeiro, Ed. Inst. Cultura-Nova, 1988 (xerografado) - (NEL-I).



6. NOÇÕES ELEMENTARES DE LÓGICA - Tomo II. Rio de Janeiro, Ed. Inst. Cultura-Nova - 1989 (xerografado) - (NEL-II).



7. LÓGICA E ECONOMIA. Rio de Janeiro, Ed. Inst. Cultura-Nova, 1988 (xerografado) - (LEC).



8. O MUNDO CONCRETO. TEMPO-ESPAÇO E MATERIALIDADE. PARTÍCULAS E FORÇAS, Vol. I e II. Rio de Janeiro, Ed. Inst. Cultura-Nova, 1988 (xerografado) - (MCT).



9. LÓGICA E PSICANÁLISE - NOVE ENSAIOS. Rio de Janeiro, Ed. Inst. Cultura-Nova, 1990 (xerografado) - (LPS).



10. NOÇÕES DE ONTO-TEO-LOGIA. Rio de Janeiro, Ed. Inst. Cultura-Nova, 1990 (xerografado) - (OTL).



11. NOÇÕES ELEMENTARES DE LÓGICA - COMPACTO - Rio de Janeiro, Ed. Inst. Cultura-Nova, 1991 - (NEL-C).



INTRODUÇÃO



Em sua vida profissional LUIZ SERGIO COELHO DE SAMPAIO vem ocupando diversos cargos de destaque como a diretoria financeira e vice-presidência da EMBRATEL e a diretoria financeira da TELERJ; ainda no setor das Telecomunicações pertenceu ao Conselho de Administração da CETEL; foi um dos criadores e primeiro diretor geral do Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais - IBMEC - e fundou o Instituto Cultura-Nova; ocupa hoje a cadeira nº 25 da Academia Brasileira de Filosofia cujo patrono é Damião Berge.



Nasceu na cidade do Rio de Janeiro em 1933. Cursou o Colégio Militar, o Instituto Tecnológico de Aeronáutica onde se formou em engenharia eletrônica. Bacharel em economia. Sua formação suplementar resultou de diversos cursos de pós-graduação e de cursos avulsos sobre filosofia o que lhe disciplinou o auto-didatismo nessa matéria.



Suas preocupações são lógicas, ontológicas e epistemológicas, assumindo a posição de pretender uma revolução total nos fundamentos da cultura, pois, através das cinco principais lógicas, que expõe, pretende uma reformulação geral, a nível de fundamentação, em todos os setores do saber.



Hoje, seu interesse maior centra-se na lógica em sua acepção mais ampla, chegando mesmo a vê-la como uma das faces necessárias de uma só e inteiriça onto-logia. A formação matemática relativamente sólida - em boa dose, mérito das boas escolas públicas que teve a sorte de cursar -não foi motivo suficiente para retê-lo no logicismo; distribuiu sua atenção a todas as lógicas da tradição: à aristotélica ou clássica, à transcendental (de Kant/Fichte e Husserl), à dialética (em suas versões "idealista" e "materialista"), e à aparentemente multifária lógica da diferença (lógica paradoxal de Kierkegaard, intuicionismo de Brower, até a contemporânea e polêmica lógica lacaniana do significante). A explicitação e expressão homogênea dos princípios de cada uma destas grandes lógicas permitiu-lhe chegar à identificação e caracterização de uma lógica maior - a lógica do ser-subjetivo-em-sua-integralidade - lógica capaz de, com suficiência e propriedade, dar conta do ser-subjetivo tanto pessoal, como social.



Tem procurado adotar uma postura metodológica e expressiva de estilo antropofágico - bem à brasileira - o que não significa abrandar em nada as exigências do rigor que não podem faltar a nenhum resultado. Sampaio gostaria de ver a Filosofia, especialmente a Lógica - que já identifica como contra-face da ontologia - empenhada na crítica radical da modernidade; mais que isso, abrindo caminho à cultura-nova cujos sinais já se anunciam.



Não é só: deseja uma Lógica da esperança e do amor maior, na medida em que uma lógica livre de castrações, acabará topando com a problemática de seu próprio horizonte, daí, inexoravelmente, com a problemática do Absoluto humanamente transcendente. Sua conceituação da Filosofia diz bem de suas preocupações mais essenciais:



"processo de auto-desvelamento das estruturas onto-lógicas, epistemo-lógicas e praxis-lógicas em seus múltiplos níveis num horizonte onto-lógico necessariamente transcendente. Ou ainda, de modo mais compacto: Filosofia é Onto-teo-logia, até onde nos seja dado alcançar." (em depoimento para Rumos da Filosofia no Brasil em Alto-Retratos organizado pelo padre Stanislavs Ladusãns, S.J.)



Dedica-se hoje, com afinco, à explicitação dos determinantes lógicos (a priori) de cada um dos grandes campos do conhecimento, na esperança de chegar a um "compacto" do saber formal básico do Ocidente. Paralelamente, busca uma compreensão mais aprofundada do processo de formação cultural brasileiro. Não é preciso dizer que, na explicitação dos determinantes lógicos de cada um destes componentes culturais, pretende encontrar a chave da referida compreensão - e o mais importante - os elementos estratégicos para ajudar a desatar o nosso imbróglio cultural, ou seja, a viabilização pedagógica e econômica de um amplo programa de educação nacional.



Acredita que a única revolução que vale realmente a pena, e de que desesperadamente carecemos, é uma revolução cultural.









PARTE A







PARTE B: A LÓGICA E OS MÚLTIPLOS SABERES SEGUNDO SAMPAIO



O enfoque desta segunda parte, como prometido, será eminentemente horizontal ou extensivo. Importa-nos aqui propiciar ao leitor a formação de uma visão panorâmica da filosofia de Sampaio. Começaremos, obviamente, com sua Noções elementares de lógica (volumes I e II) para depois visitarmos cada uma das áreas de saber por ele já tratadas sistematicamente. Por interesses didáticos o faremos não na sua ordem cronológica de aparecimento, mas pelo que nos pareceu ser sua ordem crescente de complexidade. Esta visitação iniciar-se-á com Lógica e Economia seguindo-se Informática e Cultura, Lógica e Psicanálise e Noções de Onto-teo-logia. O texto O Mundo Concreto: Tempo, espaço e materialidade; Partículas e forças fechará nosso périplo pela obra sampaiana; embora se trate de um livro sobre filosofia da física e não propriamente de física, implica conhecimentos razoavelmente sólidos e atuais sobre a física teórica incomuns ao leitor médio, razão pela qual nela pouco nos deteremos.



B.1 Lógica



Luiz Sérgio está sempre a realçar a importância da Lógica "pois o ser-lógico - o que é o mesmo, o pensamento - está na raiz de todo Ser" (em Noções Elementares de Lógica, Tomo I - este volume não apresenta numeração de páginas). "Todas as problemáticas, tanto objetivas como subjetivas, tanto individuais como coletivas" teriam solução mais promissora se houvesse um estudo apurado das lógicas. Os grandes filósofos inovadores o foram, igualmente, no campo da lógica, como Aristóteles, Platão, Kant, Fichte, Hegel, Freud/Lacan...



A crise atual da Lógica consiste na "perda do lógico como objeto da lógica. Que é o lógico e sua extensão, se é que ele de fato existe? Na alternativa de não existência, a lógica seria apenas um ramo elementar das matemáticas, isto é, das linguagens (ou estruturas) formais." "O que vem ocorrendo, fato largamente assumido e reforçado pelos lógicos profissionais, é justamente a trans-substanciação da Lógica em matemática, o que revela um enorme contra-senso, e mais que tudo, uma verdadeira deserção. Aliás, se aceitarmos que toda ciência começa quando acha seu objeto, que dizer da Lógica atual, que justamente está a perder o seu?" Lógica não é matemática - insiste Luis Sérgio Coelho de Sampaio - "ela tem objeto, e este é o pensamento, no todo ou ainda que parcialmente". A lógica e a psicologia são parentes próximos. Se a lógica passou ao campo dos especialistas ela, aos poucos, se distancia da cultura comum do cidadão.



Depois de analisar objetivamente as posições de Heidegger (Que é Metafísica?) e Kostas Axelos (Contribuition a la logique - Paris, 1977) em referência à Lógica, de contestar K. Popper (Conjecturas e Refutações - Brasília, Ed. da U. do Brasil, 1972), de ponderar sobre o anti-psicologismo de Frege, Luiz Sérgio chega à conclusão de que "as leis lógicas não são apenas leis da dedução, nem leis gerais do comportamento da realidade, mas fundamentalmente leis instituidoras dos modos-de-ser-real. As leis lógicas, em particular os princípios lógicos, são a priori constitutivas do funcionamento "normal" de todo cérebro humano." "Lógica, ou saber sobre o lógico, trata das leis fundamentais do pensamento, em especial, enquanto constitutivas dos modos-de-ser-real. Com isto, é natural que possamos nos aproximar das leis lógicas, tanto pela via trancendental (intuição no sentido comum), como pela via constatativa dos diferentes modos-de-ser da realidade, que se correspondem quase perfeitamente, a menos da diferença inerente às perspectivas operatória e argumental. Exemplificando: para visarmos o ser como história é preciso pensar dialeticamente, e a história, por seu turno, força-nos ao pensar dialético; para visar o ser como ser-sistêmico não podemos prescindir da lógica clássica e o Sistema força-nos ao pensar lógico-formal clássico."



"O concreto não pode prescindir do lógico; ele emerge da confluência do lógico (temporalidade/espacialidade) e da concretude, em particular da materialidade." "O simbólico deriva da síntese do lógico - que lhe porporciona a sub-estrutura fundamental da presença/ausência onde poderão se alterar significante e significado - e do concreto - substrato de todo significante (necessariamente diferencial)."



A caracterização do lógico, segundo a cultura grega, seria a símbolo em sua totalidade, menos a especificidade do simbólico. Porque "lógico é forma", ou seja "ciência formal", isto é, "ciência das formas". Forma de quê? - perguntar-se-ia. Forma do concreto. Neste ponto é que se pode aproximar a lógica da ontologia. Há "múltiplas lógicas" porque existe uma "multiplicidade de realidades instituidas."



Devemos partir "das lógicas fundamentais, e, através de um processo de síntese dialética", atingir os demais rincões do mundo lógico.





Luiz Sérgio entende por "lógicas fundamentais" "aquelas que não podem ser geradas por síntese dialética a partir de outras lógicas. Duas são as lógicas fundamentais: a lógica transcendental (da simples identidade) e a lógica da simples diferença, abreviadamente, lógica da diferença. Kant, Fichte e Husserl irão "complementar a lógica formal clássica com a lógica transcendental. Husserl caracterizará a lógica transcendental como ciência da subjetividade. Luiz Sérgio dirá que esta lógica "se caracteriza, entre outras coisas, como o saber sobre a capacidade de ser consciente, sem qualquer qualificativo; em suma, lógica da res cogitans em sua mais estrita essencialidade." "Se existe uma correspondência estrita entre realidade e pensamento, então, que visa a consciência, o pensar transcendental? Visa tão somente a realidade como ser. Nesta condição podemos caracterizar a lógica transcendental como lógica da abertura, a lógica do pensar fenomênico". "A lógica transcendental é lógica fundante, é auto-instituidora da separação entre pensar e ser, porém não os afastando". "Lógica da simples e pura abertura ao Ser, antes de qualquer atitude atributiva ou valorativa, antes mesmo de qualquer investida descritiva..." É a lógica do que apenas fala, do ser projeto, aquele que "pro-jeta-se"...



A lógica da diferença é a intuicionista, a do paradoxo, ou para-consistente, a de Spencer-Brown (Laws of form - N. York, 1979), a de Varela (Cálculo para Auto-referência). É a lógica do inconsciente, a lógica do outro. "É a lógica do pensar criativo, operante desde a poesia, a loucura, do deixar-se pensar, do calar e só ouvir".



As demais lógicas derivam dessas fundamentais "por uma operação de composição sintética." Classifica como lógicas sintéticas de base a dialética e a clássica e inclui em outras lógicas sintéticas a lógica da subjetividade-em-sua-integridade e as lógicas trans-subjetivas.



Indiscutivelmente, até hoje, o trabalho central de Luiz Sérgio, é Noções Elementares de Lógica que, nos seus dois volumes, sintetizam a estrutura do seu pensamento. Nele, analisa os princípios das diversas lógicas, confronta a lógica com a realidade, com o conhecimento. Estuda a relação entre o ser e o pensar, "ou, em sua versão moderna", "o comprometimento ontológico da lógica". Defende que o "homem é capaz de vários modos de pensar - tantos são estes tantas serão as lógicas possíveis - a cada pensar correspondendo um certo modo de ser-pensado ou de realidade".



Estudando a evolução do sistema nervoso central vai notar correlações estreitas entre a formação do tubo neuronal nos vertebrados com a interiorização psíquica. "Pode ser visto ainda nos jovens embriões dos vertebrados que o tubo neuronal se forma por um processo de invaginação do ectoderma dorsal. Este processo permite a formação de um tubo superficial que a seguir se interioriza, e em torno do qual virá se formar a coluna vertebral protetora.



Na extremidade frontal do tubo neuronal irá se formar uma sequência de três intumescências cujo desenvolvimento redundará no cérebro". Essa evolução "vai constituir uma interioridade no corpo do aninal. Numa linguagem um pouco informal, diríamos que o animal passa a dispor, em si, de um avesso; que assim cria-se um espaço interno onde se pode representar tanto o meio como seus próprios impulsos e disposições, e além, simular diferentes cursos de ação sem pagar o imprevisível preço de uma efetiva experimentação. Constitui-se, pois, um espaço imaginário onde é possível até refugiar-se momentaneamente fugindo às excessivas pressões 9do mundo externo; no homem, chega a proporcionar-lhe o espaço, onde pode inventar explicações para o bem e o mal, onde pode localizar suas origens míticas, gozar o ilimitado poético, e até, drástica e definitivamente, onde se pode propor como enígma ou, pura e simplesmente, dissolver-se na loucura.



Em suma, diríamos que a base filosófica para a operação lógico diferenciadora está na codificação digital dos impulsos das células sensíveis, e além, na homogeneidade da natureza desta codificação relativamente à diversidade de sensibilidades. Por outro lado, a operação de identidade se alicerçaria na homogeneidade da codificação no que diz respeito aos tipos lógicos e, sobretudo, no processo de formação do cérebro e do tubo neuronal por invaginação do ectoderma."



A História da Filosofia nos mostra que os filósofos inovadores "tiveram que, concomitantemente, desvelar uma maneira própria e específica de pensá-lo. De um modo ou de outro, isto é lógica".



"A problemática lógica da identidade e da diferença emerge concomitantemente ao surgimento da própria filosofia. No famoso e solitário fragmento legado por Anaximandro assiste-se o despontar dessas duas possibilidades fundamentais do pensar" (Os Filósofos Pré-Socráticos, - S.P., Ed. Cultrix)... Os eleatas optam igualmente por uma lógica da identidade, mas já agora contraposta a uma lógica do movimento, vale dizer, à dialética, que é por eles simplesmente taxada de ilusória. No extremo oposto, entrando em diagonal, Heráclito nega a identidade e afirma o exclusivismo da dialética como pensar próprio da physis. Sócrates coloca o problema da idéia ou do conceito, fazendo-o contudo, nos limites de uma teoria da definição. Vale dizer, visa de fato a idéia, porém, atendo-se a um pensar da diferença ou das essências. É curioso notar que a concepção de Sócrates é o oposto em diagonal da concepção heraclitiana.



Platão restabelece a necessária homogeneidade onto-lógica, convocando uma nova razão: a razão dialética para pensar a idéia ou o conceito. De certo modo podemos dizer que Platão, do ponto de vista lógico, subsume todas as alternativas lógicas levantadas por seus predecessores, em especial, Parmênides, Heráclito e Sócrates." (NEL-I-190 a 193)

Esse evoluir da lógica na Grécia antiga vai da polaridade identidade/diferença à polaridade identidade/dialética até a síntese dialética platônica.



Sob o ponto de vista da lógica, Luiz Sérgio Coelho de Sampaio acredita que melhor seria considerarmos os pré-aristotélicos ao invés de pré-socráticos. A partir de Aristóteles inaugura-se uma nova lógica, a lógica da ciência, aquela da dupla diferença.



"Os grandes pensadores do Ocidente vão reivindicar lógicas especiais, outras que a lógica clássica para dar conta dos campos do saber que então inauguravam. Uma lógica transcendental para o trato da problemática gnosiológica, mais precisamente, uma lógica própria para o trato do sujeito da ciência; aqui contamos como principais Kant e Fichte, e mais tarde Husserl.

Uma lógica para a realidade contra-sistêmica, uma lógica capaz de, com propriedade, pensar a história, temos aí a dialética em sua versão "idealista" com Hegel e em sua versão "materialista" com Marx, Engels e todos os seguidores do materialismo

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