15.9.17
Breves resenhas do livro “Filosofia da Cultura”, de Luiz Sergio Coelho de Sampaio
Neste livro de excepcional densidade, em que o autor transita com soberana desenvoltura da lógica à matemática, da física à história, da antropologia à ciência política, podemos distinguir pelo menos três níveis: um substrato lógico, uma construção antropológica e uma filosofia da história.
No primeiro nível, Sampaio desenvolve uma teoria de lógicas sucessivas, cada uma subsumindo a anterior. Haveria duas lógicas fundamentais, a da identidade e a da diferença. As demais lógicas seriam derivadas de ambas. Teríamos assim a lógica dialética, que subsume a identidade e a diferença; e a lógica clássica, ou da dupla diferença. De maior complexidade é a chamada lógica quinquitária, que subsume (1) a lógica da identidade, (2) a lógica da diferença (3) a lógica dialética, (4) a lógica clássica, e (5) a si mesma.
Sobre esse fundamento lógico, Sampaio erige uma reflexão antropológica (ou “antropo-lógica”). O homem é um animal que não somente é capaz de operar a síntese da identidade e da diferença, como de aceder ao pensamento quinquitário: nem zoon politikon nem homo faber, mas homo quinquitarius. Ao mesmo tempo, Sampaio postula um horizonte lógico que acena para além desse estágio, simultaneamente convite nietzscheano para a autosuperação do homem em direção ao que o ultrapassa, e antídoto contra a hubris, para impedir a auto-idolatria do homem, como o sinal de uma falta, para que ele se perceba em sua finitude, como ser ainda incompleto. Surge com isso um humanismo não-antropocêntrico, restabelecendo a centralidade do homem, comprometida pelas diferentes “feridas narcísicas” de que falava Freud, mas o imunizando-o também contra a tentação de transformar-se num Deus para si mesmo.
Enfim, uma filosofia da história: o percurso do homem em direção à sua essência, um auto-desvelamento do ser lógico do homem e uma atualização, no tempo, de sua natureza antropológica, em suma, o processo pelo qual ele se torna aquilo que é.
Mas com isso, Sampaio historiciza a modernidade, que não pode mais ser vista como o telos definitivo da aventura humana, e sim como algo que pode ser transcendido, do mesmo modo que a lógica clássica pode ser transcendida pela lógica quinquitária. Com essa historização, que abre um espaço para a esperança, o destino de um país como o Brasil não precisa ser necessariamente o ingresso na modernidade hegemônica. Entre o luxo (lixo) do consumismo global e a opção pela originalidade, podemos escolher o luxo da originalidade.
Em suma, trata-se de uma obra difícil, exigente com o leitor, mas que por isso mesmo respeita sua condição adulta, no sentido da Mündigkeit kantiana, fazendo-o pensar, recusando-se a infantilizá-lo com uma sub-cultura de divulgação. Por todas essas razões, livro importante, decisivo mesmo, que precisa ser lido, meditado e debatido.
Sergio Paulo Rouanet
:O valor de uma obra se mede não apenas por aquilo que propõe mas principalmente por aquilo que faz pensar. A produção de Luiz Sergio Coelho de Sampaio é singular na literatura filosófica brasileira. Atinge uma altura de formulação e de formalização ainda não atingida por ninguém em nossa história intelectual. Revela que nosso país já atingiu tanta maturidade e complexidade que foi capaz de produzir um pensador deste jaez. Pouco importa o nível de anuência que lhe emprestemos. Ela merece ser estudada e discutida. Seu mérito consiste em usar as várias lógicas para entendermos mais profundamente o que está ocorrendo com o fenômeno complexo da cultura como processo de auto-desvelamento do próprio ser humano na história. Nesse sentido a obra Filosofia da Cultura - Brasil, Luxo ou Originalidade merece ser altamente saudada como um evento cultural de primeira ordem.
Leonardo Boff
"O Brasil e o mundo estão acostumados a interpretar a si mesmos através da economia (o dinheiro é a mola do mundo) ou da ciência política (o poder onipotente, os micro-poderes onipresentes), talvez até da sociologia (o coletivo sobre o indivíduo, as relações de classe) e da psicologia (o inconsciente em conflito com o consciente) todos como estruturas dominantes. Para Sampaio essas interpretações só fazem sentido como peças de um universo muito maior - a cultura - que é o fulcro da existência humana. Sampaio cria uma filosofia, através de seu grande sistema de lógica, pela qual o estudo da cultura ilumina o homem tal qual ele foi, é e um dia virá a ser. Para Sampaio, cultura é o milieu feito pelo homem, que faz o homem, que o desfaz e o refaz, e que deixa uma parte para ele um dia se fazer além, como ele deve.
Para nós brasileiros, Sampaio augura a possibilidade real, tal qual Stefan Zweig, Vilém Flusser e Darcy Ribeiro um dia também o fizeram, de que a cultura brasileira está caminhando e se projetando para um dia florescer acima de todas as demais culturas, como a cultura que a humanidade vai fazer para se encontrar a si mesmo. Essa cultura nova, transcapitalista, hiperdialética, um dia virá e o Brasil e os brasileiros têm que estar conscientes para moldá-la e levá-la adiante".
Mercio Pereira Gomes
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