A União da Ilha, ao comprometer-se a fundo com a tríade bom, bonito e barato, se quis platônica, na circunstância, melhor diríamos, anacrônica. Enquanto isto, outras Escolas se concentravam no barato, isto é, na racionalidade e na eficiência medida, preocupadas apenas em agradar jurados e somar pontos; estas sim, queriam de fato ingressar sem retorno na Modernidade, na era da ciência e sua verdade imperante.
A verdade da ciência é a verdade como mera adaequatio, ensinou-nos Heidegger; também, verdade nem parcial nem total, verdade que não quer de modo algum saber de si, seja lá o que for, precisaria Lacan; arte da modelagem, disputariam os “economistas” do BNDES. É insurgindo-se contra isto que a União insiste há anos na Marquês de Sapucaí, constrangendo e distribuindo culpas pelas arquibancadas e por milhões de telas de TV, como se fora um cadáver vivo rítmico convulso policrômico e insepulto. Considerações estéticas até que podem encontrar um lugarzinho no processo de edificação da civilização científico-tecnológica (Einstein, por exemplo, achava que às vezes sim), mas considerações éticas não combinam em absoluto com o adequado, com o ser adaptado, com o mundo-à-mão-na-roda, mundo-apenas-meio, mundo reduzido à pura geometria diferencial (cremos que ele também achava assim). Ética e tribunaisque nâo arrisquem um olho por debaixo da venda, nesta oportunidade, só serviria mesmo para atrapalhar.
Se Deus não existe, então tudo estará permitido postulava o personagem dostoievskiano. Ora, Deus está morto, nos informa Nietzsche fiel ventríloquo do grave Zaratustra. Em decorrência, sabendo-se ambos de acordo, pelo menos a partir de então, tornava-se tudo válido, vale dizer, um vale-tudo em busca da maximização de lucros. De fato, hoje, é o que se vê: grupos de altos funcionários governamentais se apossam de um gigantesco patrimônio público e se dão de barato, em conjunto, a seus senhores no exterior; o grande dignitário como convém, tudo preside, tirando sua justa cota parte – uma sinistra coleção de “fotos históricas” ao “lado” de seus mandatários e mais duas dúzias de comendas e títulos Honoris Causa –; as empresas, ao market share sobrepõe o mind share, ficando assim desimpedidas para penetrar (estuprar, seria o termo mais apropriado) o imaginário dos povos, cafetizar seus heróis, reprocessar e vender na bacia das almas seus valores mais caros, e por cima, induzir-lhes de quebra algum comportamento (economicamente) correto; a intelectualidade “classe média”, não importa se de direita, centro ou esquerda, nada ensina mas aprende rápido: empresaria a si mesma, passando a competir no ramo da prostituição desenfreada – de cócoras põe toda sua atenção nos micros, dando literalmente as costas para os macro-poderes aparentando que goza e ainda canta (como pode?!); a medicina organizada, faz-se assim congênere do crime, inventa doenças, adia a morte certa e realiza operações – corta, serra, queima a laser etc. – para completar vazios nos cronogramas de suas equipes e nas planilhas de uso de suas ilhas computadorizadas; laboratórios de bio-teratologia clonam e bordam, embaralham ADNs de plantas e animais para fazê-los propositadamente mais monstruosos e portanto mais rentáveis; e vai por aí a fora, sem quaisquer limites.
E o maior de todos os contos do vigário (este agora, um pobre diabo, um reles sem-Deus): falamos do mercado de capitais que, por definição, não existe. O excedente econômico global é apropriado na marra pelas forças segundo suas intensidades; depois arma-se a mais ruidosa algaravia para dar a impressão que do caos e de processos fratais em cornucópia emergem reservas e mais reservas patrimoniais: seguros de negócios, de mau-negócios, de lucros cessantes, de lucros virtuais, de saúde, de doença física e mental, de aposentadoria e mil outras formas de riqueza mobiliária. É o intenso troca-troca de “posições” ativas, cujos correlatos passivos vão sendo atirados e empilhados sobre as costas dos mais pobres e de seus presentes e futuros descendentes até não se sabe que geração. O decantado mercado de capitais é tão somente um mercado secundário, diz-se bem – o grande mercado de “objetos” adrede furtados.
São discriminados e intensamente combatidos, para parecer que no ar há propósitos e em terra governos responsáveis, apenas cocaleiros andinos e pequenos batedores de carteira alegando-se que agem à margem dos ritos consagrados de mercado. Na verdade, são discriminados para serem, destarte, in-criminados.
E quanto mais fingimos não ver tudo isto e calamos, mais cínicos clamamos por ética: Ética na empresa! Ética na política! Ética na pesquisa científica! Ética na propaganda! E até, pasmem, ética nas coisas e enredos do inconsciente. Onde vamos encontrar ética para suprir tanta falta ... de ética?!
Comportamento ético, para nós, devia ser comportamento autêntico referenciado seja à cultura estabelecida, seja a uma hipotética condição humana. Ser ético, no primeiro caso, é ser conforme à lógica e aos valores de uma cultura estabelecida: em suma, é optar pelo valor-tradição; no segundo caso, é ser conforme à lógica e aos valores do ser humano em estado de uma presumível plenitude: em suma, é optar pelo valor-utópico.
Refletindo apenas um pouco, vemos quão distantes vão hoje estas duas referências fundamentais, o que nos põe diante de uma radical escolha: ou nos abandonamos cinicamente à cultura científica moderna, deixando de lado, em definitivo, quaisquer pruridos de ordem ética, ou nos damos conta de que esperança há, que é pois chegada a hora de lutar por uma cultura nova onde as duas referências poderão vir a coincidir. Aí então, nem mais ouviremos falar desta tal de ética...
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