6.4.17

Lógica versus cultura


De modo geral, entre os antropólogos da atualidade, o tema lógica versus cultura vem imediatamente referenciado a Lévy-Bruhl e à sua tese da prevalência, entre os povos primitivos, de um pensamento ainda pré-lógico, eivado de sentimentos, trespassado pela emoção, contrastando com o pensamento propriamente lógico acabado, adstrito à pura forma, dos povos modernos. A tese teria sido mesmo abandonada pelo próprio autor, mas de qualquer modo contestada pela antropologia estrutural de Lévi-Strauss. Segundo esta última, nenhuma diferença haveria entre a lógica dos povos primitivos e aquela dos povos modernos. A diferença aparente dos desempenhos discursivos de uns e outros estaria na constância com que os primitivos se valem do processo de bricolage (1) simbólica, e não propriamente na lógica. Opinamos que isto deva ser repensado em profundidade, primeiro, porque não aceitarmos esta separação tácita e drástica entre o lógico e o simbólico (simplesmente porque existe a questão do estatuto lógico do próprio simbólico); segundo, porque parece-nos estar ali também implícita uma concepção restrita, e no entanto paradoxalmente imprecisa, do que seria a lógica, diga-se de passagem, em acordo com a moda atual, mas em flagrante desacordo com o melhor da tradição filosófica.

No Brasil – não nos deve causar espanto –, vige esta mesma referenciação, apenas com a agravante da rigidez própria dos copistas e dos pobres de espírito.

Nosso objetivo aqui é voltar à questão para discuti-la num âmbito maior e certamente mais apropriado, aquele do pensamento filosófico estrito senso, o que, naturalmente, nos irá remeter à velha Grécia. Paralelamente estaremos superiormente armados com uma renovada concepção da lógica que resgata não apenas a riqueza da tradição, como também sua marginália histórica, tudo isto convergindo para a demarcação precisa e o completo re-mapeamento do território lógico. A reabertura da questão lógica versus cultura ou, agora dito com bem maior cuidado, lógica ressuscitada versus cultura não é aqui, pois, um mero oportuno acadêmico; ela se faz necessária em razão de que, já o demonstramos alhures, no cerne da filosofia da cultura (ou o que para nós é o mesmo, da antropologia filosófica) estaria precisamente a questão da mutação lógica que levou ao advento da cultura, a mesma lógica que, destarte, depois a acompanha e lhe marca passo.

Comecemos tomando como referência um esquema de compreensão evolutivo do ser humano, cujas origens certamente se perdem nos tempos. Parte-se da natureza  representada pelo animalidade em seu estado de máximo desenvolvimento , a qual se vem juntar uma diferença específica, levando então à emergência do homem e consequentemente da cultura. Entre os gregos este esquema bastante simples já vigorava de um modo preciso: o ponto de partida era então a animalidade superior à qual se agregava como diferença específica o logos ou a razão discursiva e chegava-se assim ao homem, animal racional.






Figura 3.1 – O homem grego


Segundo Aristóteles, a animalidade superior incorporava não apenas as funções vegetativas – de nutrição e de reprodução – como também as funções sensitivas – compreendendo os diversos modos sensoriais, a que se acrescia a autonomia locomotora. Observe-se que o poder de por si e propositadamente movimentar-se é, do ponto de vista formal, um poder de auto-determinação, logo, de evidente caráter lógico-transcendental ou identitário.

O ser humano, além destas, detinha a mais e com exclusividade a função intelectiva, a posse da razão discursiva (logos) (10). O homem era pois o animal superior onde ademais habitava o logos.

Pode-se argumentar, como provavelmente o faria Heidegger (11), que o logos aristotélico não era mais o logos heraclítico, o logos originário, ainda não degenerado em logos metafísico, não importa se transcendental, dialético ou formal, sendo este último, precisamente, o modo como ele acabaria se mostrando, já sem seu maior vigor, no próprio Aristóteles. Na circunstância, entretanto, isto pouco pesa, pois opte-se por uma ou por outra interpretação, fica o fato que, para os gregos, o que fazia ser a humanidade era algo de natureza essencialmente lógica, mais precisamente, lógico-diferencial ou analítica, conquanto, sejamos obrigados – depois de Heidegger – a deixar em aberto a questão do logos cosiderado: se o simples lógico-diferencial (Heráclito) (12) ou se o duplamente diferencial ou formal (Aristóteles).

Do nosso ponto de vista, a principal crítica à concepção grega do homem deve incidir sobre o caráter tipicamente agregativo/substantivo dado à razão (ou logos), no sentido de que ela ali funciona como uma “essência” constitutiva e não como um atributo superveniente. Dito em outras palavras: a razão grega valia por si e não como produto resultante de um poder diferencial que se vinha articular a outros poderes ou potencialidades operatórias similares pré-existentes, para desta sorte ampliá-las ou multiplicá-las. Isto interpõe um degrau exagerado de descontinuidade entre o animal e o homem, inconveniente que viria ser justamente contornado, veremos adiante, pelo moderno estruturalismo antropológico.

O essencialismo grego suscita, de fato, duas sérias objeções. Primeiro, porque ao admiti-lo estamos implicitamente diluindo o caráter evolutivo da passagem considerada – o novo, por si só, é e diz tudo. Segundo, porque a “razão”, como capacidade analítica que realmente é, não pode caracterizar o ser humano em sua totalidade ou “maximalidade”, mormente quando já se tem por estabelecido que os animais superiores dispõem de uma capacidade sintética ou identitária inquestionavelmente manifesta em sua auto-determinação locomotriz, tal como anteriormente assinalado (13). A nosso ver a diferença especificamente humana não pode valer pelo que traz em si, mas sim pelo que, articulando-se, potencializa e/ou amplia.

Em termos estritamente lógicos, dir-se-ia que para os gregos, sendo o animal superior pelo menos lógico-identitário e a razão pelo menos lógico-diferencial, o ser humano teria que ser pelo menos lógico-dialético. Foi precisamente a esta conclusão que chegou Platão – é verdade que por motivações e caminhos outros –, como se lê em seu diálogo Parmênides (14). A propósito, o parecer nietzscheano e reiterado por Heidegger que Platão teria traído o espírito filosófico grego é uma reprimenda completamente descabida, pois a dialética (própria e apta a pensar a idéia ou o conceito) era algo inerente ao próprio destino do pensamento grego, algo que a ele em algum momento se desvelaria decretando – tem-se até o direito de lamentá-lo! – a sua própria superação. Com Platão chegava-se, de fato, ao termo de uma etapa da história do pensamento (e, no caso, também da história da cultura), o que acontecia não por força de uma infidelidade ou de uma traição, mas pela inexorável exigência (lógica) da história (hiperdialética) em seu processo de auto-realização(15).

O cristianismo trinitário, que se confunde com o pensar da identidade recuperada para além da diferença, portanto lógico-dialético, recusou a essência evolutiva do esquema grego e assumiu, como reza o Gênesis, um criacionismo paralelo de todos os entes, embora conferindo uma especial dignidade ao homem, seja pelo atributo da semelhança ao Criador, seja pela posição última na ordem da Criação. Entrementes, ainda que entendida metaforicamente, a criação do homem a partir do barro (natureza ou apenas res extensa) preserva, sob o aspecto formal, o esquema compreensivo que vimos tomando por referência, no entanto, pervertendo-o do ponto de vista lógico. De um lado, parte-se da matéria inerte ou da animalidade bruta ou carnal, res extensa; de outro lado, atribui-se um caráter puramente identitário à diferença que fez ser o homem, ou seja, àquilo que concretiza a passagem da natureza à cultura. Seguindo seu antecedente judaico, o cristianismo realiza a proeza de transformar a diferença que fazia a diferença numa identidade. Assim, a passagem do animal ao homem não se devia mais, como para os gregos, a algo de ordem lógico-diferencial, mas sim de ordem lógico-identitária  sopro, pura consciência, consciência moral, liberdade, alma, livre arbítrio, espírito (mesmo que decaído) etc. Ao cabo, o homem passava a ser concebido como um misto heteróclito de corpo (natureza, matéria perecível, lógico-diferencial) e alma (imaterial e eterna, lógico-identitária) (ver figura 2).

Aliás, tudo isto era sem dúvida o que poderia haver de mais coerente com o estatuto lógico-dialético-trinitário da cultura cristã – a dignidade do homem se devia à interveniência da alma, pertencente à mesma família lógica (lógico-identitária) a que pertencia o próprio ser divino. Só assim se justificava a semelhança do homem ao seu Criador. No entretanto, isto significava um evidente retrocesso relativamente ao que haviam pensado os gregos. Como se vê, conservavam o mesmo esquema conceitual dos gregos, porém com a completa inversão das lógicas em jogo: aquela de partida era agora diferencial e a nova, interveniente, transcendental ou identitária.





Figura 2 – O homem cristão


O mais espantoso nisto tudo é que o pensamento antropológico cristão não se apercebia da absurdidade da inversão, que negando consciência ou capacidade lógico-sintética aos animais superiores abria uma brecha para que daí a pouco os interesses coloniais levantassem também duvidas quantos à humanidade dos não europeus cristãos, em particular, de muçulmanos e judeus, depois, de índios e negros africanos. E isto, sabemos todos, infelizmente, acabou mesmo acontecendo.

A Modernidade, a princípio, parecia preservar a concepção cristã: em Descartes, o homem se estruturava ainda como misto de corpo e alma, concomitantemente res extensa e res cogitans.

Havia, entretanto, a circunstância de se tratar agora de uma res extensa submetida aos poderes de uma geometria métrica, portanto sob o império da lógica da dupla diferença, enquanto que a res cogitans se constituía como lógico-identitária, auto-transparência, pura reflexividade. Em suma, o homem cartesiano não podia ser mais concebido como um ser lógico-trinitário; sua “espessura” lógica se ampliara fazendo explodir a estreiteza referencial da dialética cristã. É exatamente por isso que Descartes, apesar de ainda carregar tantos vezos medievais, acabou considerado, com plena justiça e de modo quase unânime, o primeiro filósofo da Modernidade.

Instalada irreversivelmente a Modernidade, a ciência lançava-se à tarefa de homogeneização de todas as coisas, demolindo as tradicionais diferenças entre o nada e a matéria, o inorgânico e o orgânico, o macro-molecular e o vivo, enfim, entre o animal e o homem (16). O Iluminismo continental (17) dos séculos XVII e XVIII, provocado pelo ciclo dos grandes “descobrimentos” e colonizações é levado ao reconhecimento do outro (cultural) como um igual, mas não altera o estatuto lógico-transcendental do ser próprio de todos os homens (a especificidade humana não estava mais na alma-substantiva, mas na liberdade-operativa, porém, ambas se mantinham idênticas em seu estatuto lógico, no caso, lógico-transcendental).

Chegamos então à teoria da evolução de Darwin (que hoje, por retroação, se pode conceber como uma espécie de neo-liberalismo antropológico), que, como é próprio de todo cientificismo, busca estabelecer a continuidade (ou a indiferença) entre natureza e cultura: o primitivo era um macaco evoluído e um latino, naturalmente, uma espécie de anglo-saxão retardado e muitos degraus abaixo, nas proximidades ainda do macaco, estávamos nos, brasileiros miscigenados (aliás como, no fundo da alma, europeus, argentinos e a “elite” brasileira no poder continuam firmemente a crer até hoje).

Surge então a antropologia funcionalista, uma nova maneira de fazer prosperar o cientificismo antropológico sem os inconvenientes do etnocentrismo desabusado e ostensivo do evolucionismo cultural darwinista. Em nada surpreende que deixassem de lado exatamente a problemática existencial e histórica da cultura.

Paralelamente, desenvolvia-se o marxismo, a que devemos o primeiro passo efetivo para a re-fundação da antropologia moderna, na medida em que ele rompe abertamente com o inconsistente transcendentalismo cristão, interpondo entre o animal superior e o homem, não mais a alma ou algo equivalente, como a liberdade, mas o trabalho.

A essência lógica do trabalho é a diferença, pois trabalho é precisamente o esforço que visa outra coisa que ele próprio (18). Com isso começava de fato uma nova era na antropologia, posto que assim rompia-se com a concepção cristã que via na passagem do animal ao homem a intervenção de algo da ordem da identidade. O marxismo entretanto não pode ir muito mais longe em razão de que, herdeiro da dialética hegeliana, não possuía a “espessura lógica” suficiente para acomodar (ou poder compreender) a dupla diferença, a lógica da ciência que à época já se apresentava como o traço fundamental da Modernidade (18).

Voltando à tradição propriamente antropológica acadêmica, já no início do século XX, deparamo-nos, agora sim, com a figura de Lévy-Bruhl (20). Com ele um grande passo é dado em direção de uma nova antropologia. Além de pugnar por um posicionamento mais “empático” do antropólogo em relação às cultura primitivas transformada em “objeto” de estudo, ele renova radicalmente a indagação antropológica: ao invés de perguntar como se fizeram os jesuítas, se os primitivos tinham alma, pergunta se eles tinham lógica (clássica). É evidente, no caso, que a pergunta por si valia imensamente mais do que a resposta que se lhe viesse dar, razão pela qual ele pode ser com justiça considerado um dos fundadores da antropologia moderna.

Perdoe-nos o leitor uma digressão relativamente longa acerca das origens da noção de pré-lógico em Lévy-Bruhl. Quando este faz uso desta expressão para caracterizar o pensamento dos povos primitivos, não o faz no sentido de que estes fossem destituídos de lógica (o que seria mesmo um absurdo, pois destituído de lógica é sinônimo de destituído de pensamento), mas como usuários de uma outra lógica, lógica que diferiria (o que não quer dizer que se opusesse ou negasse) da lógica formal hegemônica do Ocidente; tratava-se de uma lógica onde sentimentos e emoções ainda tinham um grande peso no processo de produção da “verdade inferida”. Esta concepção remontava, pelo menos, a Théodule Ribot (psicólogo francês conhecedor e apreciador sob muitos aspectos da psicanálise freudiana (21), que afirmava a prevalência, entre os povos primitivos, de um pensar por analogias e proximidades significativamente carregado de sentimentos e emoções. Logique des sentiments é mesmo o título de sua principal obra) (22).

Esta noção de pensamento pré-lógico em Lévy-Bruhl aqui no Brasil originou uma predisposição cheia de veneno e má fé, pois é justamente ela que tem servido de pretexto para desmerecer a obra de um dos mais importantes estudiosos da formação da cultura brasileira – Arthur Ramos –, que, sabemos, é um declarado admirador da obra de Lévy-Bruhl e bem informado sobre suas fontes, particularmente, sobre a logique du sentiment de Ribot (23). Em suma, é inquestionavelmente óbvio que o termo pré-lógico em Arthur Ramos, tanto quanto em Lévy-Bruhl e Ribot, não quer dizer destituído de lógica, mas sujeito à lógica do sentimento. Pasmem: lendo o livro de Ribot, facilmente identificamos sua lógica como aquela dos processos primários freudianos, bastante próxima pois da ulterior lógica lacaniana do significante (24).

O principal mérito de Lévy-Bruhl, afirmávamos, foi trazer novamente a questão da cultura para o âmbito da lógica tal como ela fora posta originalmente pelos gregos.

Eis que na segunda metade do século XX emerge a antropologia estrutural inspirada, de um lado, em Rousseau e no materialismo dialético marxista (anti-transcendental), de outro lado, na lingüística sincrônica de Saussure, na fonologia diferencial de Jackobson e sobretudo na teoria do inconsciente de Freud. Nestes três últimos casos há de comum o abandono da indagação pela origem ou pelo ser (como vir-a-ser) para se tomar como “objeto” próprio do saber a diferença já instaurada. Em suma, assume-se que em qualquer circunstância, o verdadeiro objeto científico é o ser-sincrônico e não o especulativo vir-a-ser-diacrônico – uma reação, ainda que bem tardia, ao “totalitarismo” hegeliano!

No âmbito da cultura, busca-se então a diferença humana já universalmente operante que vai ser identificada como a diferença clânica, pré-condição da instituição do que seria a lei convencional por excelência: a lei de proibição do incesto, contra face da obrigatoriedade da exogamia. Com isto instituía-se a circulação das mulheres entre os homens reunidos em clãs. A troca das mulheres entre homens assim sub-agrupados se constituía no paradigma de todas as demais trocas e por conseqüência da solidariedade social. Com isso, retornava-se em definitivo a um dos aspectos fundamentais da concepção grega: a passagem do animal ao homem devia-se a um poder diferencial e não identitário, bem ao contrário do que nos queria fazer acreditar o cristianismo doutrinário.

Entrementes, emerge aqui uma importante novidade: é que tal diferença não mais valia por si, mas vinha para se articular à diferença sexual animal bi-polar macho/fêmea. Como conseqüência imediata, a sexualidade humana se via compelida à redefinição, agora, no quadro mais amplo de uma estrutura lógica tetrapolar, ou seja, deixava a simples pela dupla diferença. Ver figura 3.








Figura 3.3 - A diferença clânica no estruturalismo


Como é bem sabido, a importante contribuição lacaniana à compreensão da sexualidade humana tem como antecedente o estruturalismo antropológico de Lévi-Strauss e isto só pode ser devidamente compreendido e apreciado se, justamente, levarmos em conta que tal aproximação tem como pano de fundo a lógica. Não é pois mero acaso que a “sexuação” humana em Lacan viesse encontrar sua melhor expressão nos famigerados matemas, na verdade, expressões não apenas de fisionomia mas, sobretudo, de essência realmente lógicas (25).

Devemos aqui abrir um parêntese. Alguém, familiarizado com a doutrina estruturalista, poderia estranhar nossa insistência na necessidade e mais ainda na suficiência da dupla diferença para a caracterização daquilo que é essencial e propriamente humano. Porém, no simples átomo do parentesco não estariam implicadas tão apenas duas mas, de fato, três relações fundamentais – aliança, consangüinidade e filiação? Não é muito difícil demonstrar que a dupla diferença é o bastante para a definição das referidas relações, que estas não são relações isoladas, mas muito bem articuladas entre si (26). A dupla diferença, por exemplo, pode ser representada por um quadrado, uma diferença ilustrando o par em cima (a)/em baixo (b) e a outra, o par esquerda (c)/direita (d). Agora fica evidente que podemos formar um terceiro par com os termos diagonais do quadrado (e/f). Como as três relações são equivalentes (ou quase), podemos redesenhar o quadrado tomando quaisquer duas relações para formar os lados do quadrado, ficando a terceira automaticamente definida pelas duas diagonais. Ver figura.4.





Figura 3.4 - Duas diferenças e três relações


Voltando à nossa linha de raciocínio, diríamos que, sem dúvida, o estruturalismo representa um grande avanço em relação ao pensamento antropológico grego, pena, entretanto, que viesse acompanhado de dois outros grandes retrocessos.

O primeiro deles, refere-se ao “logicismo” grego: no estruturalismo, tanto a diferença sexual de partida quanto a segunda diferença clânica valem por si, são “substanciais” e não apenas realizações de uma matriz essencialmente formal, em que pese a denominação geral de estruturalismo antropológico dado a esta corrente de pensamento. Queremos dizer que, por mais significativo que seja o “modelo sexual”, ele é tão apenas uma realização possível de um esquema lógico, que pode também realizar-se sob outros aspectos, como deveras o faz (27). Para ficarmos apenas num exemplo: a passagem da capacidade de operação simbólica dos animais superiores à capacidade simbólico-discursiva – proposicional no dizer de Cassirer (28) – do homem exige igualmente a introdução de uma segunda diferença. De fato, a gramática é uma estrutura legal convencional necessariamente sujeita à lógica da dupla diferença (29). A lei da proibição do incesto é, formalmente, uma gramática; são ambas leis societárias convencionais.

O segundo retrocesso em relação aos gregos refere-se ao “esquecimento” do caráter lógico-identitário dos animais superiores, especificamente dos cordados (29), que está presente mesmo no registro sexual. Podemos considerar macho/fêmea como realizações de uma diferença, pensá-la apenas no âmbito da res extensa. Entretanto, isto não passa de uma simplificação, pois o animal superior, mesmo já biologicamente marcado, identifica-se ou assume sua determinação sexual: ele não é apenas macho; ele é macho que se assume macho, o mesmo se dando com a fêmea.

Passando-se do registro sexual ao simbólico, percebe-se isso ainda com maior clareza, pois é inegável o poder de simbolização arbitrária dos animais superiores, ou seja, sua capacidade de operar dialeticamente (30). Ao mesmo tempo, facilmente constatamos sua radical incapacidade em relação à articulação gramatical. Negar isto é não conseguir distinguir a enorme diferença entre os pares porca/porco e porca/parafuso.

Voltando aos gregos, poderíamos agora aceitar que o logos constituísse a diferença especificamente humana, porém, na condição dele vir para se compor com poderes e potencialidades operatórias animais similares pré-existentes e de certo modo re-produzi-las em nível operatório superior. Com efeito, o logos estaria assim ampliando a capacidade lógico-analítica dos seres vivos, a rigor, “duplicando-a” ou reiterando-a, e fazendo-o sem prejuízo do seu ser sintético. Identifique-se o logos com a razão (a)colhedora heideggeriana e/ou, já a posteriori articulada, como razão formal aristotélica, o fato é que, habitado pelo logos, o homem se capacita a operar a nível duplamente lógico diferencial (racionalmente). Em compensação, teríamos que recuperar o que o estruturalismo desaprendeu dos gregos. Do ponto de vista instrumental ou objetivamente operatório o homem é sem dúvida ser racional, porém, existencial ou subjetivamente, no concomitante exercício de sua capacidade lógico-identitária herdada da animalidade superior, seu estatuto lógico global tem que ser, na verdade, lógico-qüinqüitário ou hiperdialético.

Para nós, portanto, bastaria dizer que o animal superior (cordados) opera a nível lógico dialético trinitário e o homem a nível lógico hiperdialético qüinqüitário (ver figura 5). A diferença clânica, que permite a definição de regras de proibição de incesto paralelamente à imposição da exogamia, seria um dentre muitos modos possíveis de manifestação  privilegiado, é verdade  daquela produção “genea-lógica”.

Não é de admirar que culturas identitárias (judaico-critãs) atribuam à intervenção de uma identidade como sendo a razão de passagem da animalidade ao homem, da natureza à cultura. Do mesmo modo as culturas lógico diferenciais (pagãs, grega e moderna) atribuirão aquela passagem a uma diferença. Incoerente seria que o fizessem ao contrário ou mesmo indiferentemente!





Figura 5 – O homem lógico-qúinqüitário



Seria interessante compararmos agora a antropologia aristotélica, nossa referência de partida, com aquela de chegada, que poderíamos denominar pós-estruturalista (concepção estruturalista à qual restituímos a identidade perdida). Ver figura 6. Em princípio, pareceria que a segunda é um simples complemento da primeira: conceber, como Aristóteles, o homem como síntese de I e D/D é de certo modo assumir um parti-pris machista (31); concebê-lo como síntese de I/D e D não seria assumir um parti-pris complementar feminista?!





Figura 3.6 – Concepções masculina e feminina




Parece-nos que não. Existiria, aqui uma simetria, sim, no entanto, apenas superficial. A nossa concepção é definitivamente não-machista; pressupõe deveras uma certa sensibilidade para o ser-feminino, mas a ela não se reduz. Não rebaixamos a lógica do animal de I/D para I, não perdemos a precisão lógica da diferença que faz a diferença animal/homem e tornamos bem mais compreensível a incomensurável força do logos no homem, que é, concomitantemente, logos de certo modo herdado e logos ao quadrado. Voltaremos ao assunto um pouco mais adiante, inclusive com ajuda da figura 7.

Gostaríamos ainda de chamar a atenção para o fato que o esclarecimento da relação lógica versus cultura provoca uma reviravolta da velha querela acerca das relações entre natureza e cultura.

A prestigiosa razão suficiente leibniziana que busca responder à questão ontológica (no caso: porque existe a cultura e não tão apenas nada de cultura, ou seja, natureza?) (32), ganha então uma resposta bem precisa: a passagem da natureza  representada pelos animais superiores dotados de sistema nervoso central (os cordados), capazes portanto de operar com símbolos convencionais  à cultura se fez pela invenção/incorporação de uma segunda diferença , em termos antropológicos, a diferença clânica. Ora, fica por aí evidente quão equivocado é o costume corrente de contrapor natureza e cultura de maneira meramente especular. Natureza e cultura se opõem, sim, mas como termos de uma seqüência, logo, guardando um iniludível relacionamento hierárquico.

A seqüência começa com o ser, de estofo lógico transcendental, segue com a natureza, de estofo lógico dialética e chega à cultura, de estofo lógico-qüinqüitário. E, pelo menos do ponto de vista especulativo, ela permanece, uma seqüência aberta, como mostra a figura 7. Esta abertura é essencial para que o homem possa se posicionar de fato no ápice da escala dos entes mundanos, sem, entretanto, por isto se tomar por Absoluto. A religiosidade, como pergunta pelo Absoluto, pode então permanecer como ainda legítima. E escapamos também assim dos humanismos de qualquer espécie.

É importante notar que o estatuto dialético da natureza só é alcançado ao nível dos animais cordados capazes de operar com símbolos convencionais. A natureza enquanto mundo físico, na verdade não passaria do estatuto lógico diferencial (res extensa). Ela só nos parece de nível superior por efeito da atividade humana de mensuração, ou seja, de fazê-la geométrica.









Figura 3.7 – Natureza versus cultura

Concluiríamos afirmando que não há como pensar a filosofia da cultura, ou seja, a “diferença” ontológica homem/natureza ou cultura/natureza sem o concurso da lógica, ou seja, sem que se pense porque se pôde deveras chegar a pensar nisso.



1. Citado por I. M. BOCHENSKI, Historia de la Lógica Formal, Madrid, Gredos, 1976, p. 288. Tanto Bochenski quanto GILSON, Etiene (A filosofia na Idade Média, S Paulo, Martins Fontes, 1998) dão testemunho que a mathesis universalis de Leibinz teria sua inspiração na Ars Magna et Ultima de Lúlio.
  1. LÉVY-BRUHL, La Mentalité Primitive, Paris, Retz, 1976
3. _______. Les Carnet de Lucien Lévy-Bruhl, Paris, PUF, 1949.
4. LÉVI-STRAUSS, Claude Antropologia Estrutural Um e Dois, Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro, 1976
Bricolage: em geral, técnica oportunística de construção de novos objetos a partir do reaproveitamento de velhos objetos, de suas partes, até de seus caco ou pedaços. No caso, o termo está sendo transposto par o terreno simbólico e o reaproveitamento é fundamentalmente o de partes de estruturas conceituais já usadas em outros contextos.
Numa das sessões do XVII Congresso Nacional da SUSSESO, em 1984, quando ingenuamente falamos em pensamento pré-lógico não no sentido de destituído de lógica, mas de ainda incapaz de uma representação simbólica objetiva de seu uso , um companheiro de mesa, famoso antropólogo, do alto de sua autoridade midiático-doutoral, na impossibilidade de queimar-nos vivo pela heresia, teve um verdadeiro chilique diante do público. Inesquecível!
  1. A remissão aos gregos é, na verdade, de natureza temática, pois como bem observou Mercio Pereira Gomes, do ponto de vista existencial, deveríamos remetermo-nos aos povos mais primitivos que, para simplesmente preservarem sua identidade, se vêm obrigados à operação lógica de nadificação do outro, ou seja, a se instituírem como os únicos verdadeiros humanos. Quanto às nossas opiniões, ver SAMPAIO, L. S. C. de, Noções de Antropo-logia. Rio de Janeiro, UAB, dezembro de 1996. (xerografado) e Desejo, fingimento e superação na história da cultura, Rio de Janeiro, 1998 (xerografado)
  2. SAMPAIO, L. S. C. de. Noções Elementares de Lógica – Compacto, versão abreviada e significativamente modificada do volume I de obra homônima, Rio de Janeiro, I. Cultura-Nova, 1991 (xerografado) ou, numa versão mais recente BARBOSA, M. C. As Lógicas As lógicas ressuscitadas segundo Luiz Sergio Coelho de Sampaio. S. Paulo, Makron Books,1998.
SAMPAIO, Noções de antropo-logia, op. cit. .
ARISTÓTELES, Política, Brasília, UnB, 1988. I,2,1253 a
11.HEIDEGGER, M., Heráclito Rio de Janeiro, Relume Dumará, 1998 . Também nossos comentários em SAMPAIO, L. C. S. de, Crítica da Cultura. Rio de Janeiro, 1999.
12.Poder-se-ia argüir que em Heráclito o logos não é propriamente um atributo do homem como seria a razão em Aristóteles. Contudo, a confrontação continuaria ainda assim pertinente na medida em que, para Heráclito, estaria implícita como característica especificamente humana a capacidade de “escuta” do logos.
13. A afirmação que a competência para pensar, ou seja, para operar segundo a lógica está fundamentalmente associada à existência do sistema nervoso central (SNC) parece-nos óbvia, embora não nos pareça ainda fácil apontar em todos os casos as bases fisiológicas em que se apoia tal certeza. Vamos tentar justificar a afirmação precisamente no caso que nos parece de todos o mais problemático: o pensar consciente governado pela lógica transcendental (I).
Começamos rastreando o processo de formação do SNC. Já mesmo em alguns entes unicelulares se pode distinguir regiões especificamente sensitivas e outras motoras (USHERWOOD, P. N. R. Sistemas nervosos, S. Paulo, Nacional-EDUSP, 1977). O primeiro passo na especialização funcional a nível celular se dá nos organismos pluricelulares, quando aparecem algumas células com funções exclusivamente sensoriais, e outras, exclusivamente motoras. Temos um terceiro momento, presente já em alguns celenterados, em que aparecem células com função especializadas na pura transmissão de sinais (neurônios propriamente ditos) ligando células sensoriais a células motoras.. Consolida-se um novo degrau de complexidade/especialização com a emergência de células inter-neuroniais que, entre algumas outras, assumirão funções de comutação de sinais, possibilitando a ativação de canais de transmissão de alta velocidade; isto irá viabilizar o aumento do porte do animal sem perdas no grau já alcançado de integridade/integração. Estes canais permitem que sejam conservados os tempos de resposta mesmo a maiores distâncias. Consuma-se um novo passo com o aparecimento dos gânglios – formação cerrada de corpos neurais – que assumem, entre outras, as funções de integração de informações provenientes de diferentes órgãos sensoriais. O passo seguinte é o aparecimento do tubo neural nos vertebrados e do cérebro: série de três intumescências que se formam na extremidade do referido tubo. Contando do extremo para traz temos o prosencéfalo (que ainda se diferencia em telencéfalo e diencéfalo), o mesencéfalo ou cérebro médio, e por fim, o rombencéfalo. Do ponto de vista funcional, ainda vindo no mesmo sentido, temos regiões especializadas no trato de canais olfativos, cinestésicos e luminosos. A expansão envolvente da formação extrema (antes preponderantemente olfativa) dá nascimento à córtex, que paralelamente expande sua complexidade por meio de “dobramentos e redobramentos” que vão acabar dando o aspecto típico do cérebro humano.
Importa destacar que o simples aparecimento de células especializadas em transmissão é a pré-condição da digitalização dos sinais nervosos. O surgimento de gânglios com funções integradoras pressupõe, adicionalmente, que ocorra uma homogeneização na codificação dos sinais digitais, isto é, que informações provenientes de órgãos de sensibilidade diferenciadas sejam representadas por sinais elétricos digitais da mesmo tipo.
Com o cérebro surge a possibilidade de um verdadeiro processamento de sinais o que pressupõe a superação das limitações hierárquicas dos tipos (no preciso sentido que lhe dá Bertrand Russell). Dizemos que há uma superação desta limitação quando “informações substantivas” recebem codificação de mesma natureza que “informações relacionais” (informação sobre relações de “informações substantivas”) e “informações processuais” (informações sobre transformações de “informações substanciais”). Esta homogeneidade de codificação, a nosso juízo, é uma condição fundamental para a emergência da consciência, posto que só assim o animal terá condições de uma representação simultânea e compatível tanto dos estados do mundo exterior quanto de seus próprios estados internos e de suas respectivas modificações.
Não temos espaço aqui para entrar em detalhes acerca das células gliares, cerca de 10 vezes mais numerosas do que os próprios neurônios, que por sua atividade “auxiliar de limpeza” podem garantir a permanente condição de higiene num exíguo espaço onde ocorre tão gigantesco nível de atividades.
Um fenômeno de enorme relevância é o modo como se dá a formação topológica do SNC dos vertebrados. Este fenômeno que ocorreu no curso da filogênese, que conduziu à emergência dos vertebrados é, de certo modo, recapitulado na sua ontogênese (fim da quarta semana). Trata-se do processo de formação do tubo neural, em cuja extremidade anterior, já o vimos, desenvolver-se-á o cérebro. Pode ser facilmente observado nos jovens embriões dos vertebrados como o tubo neural se forma pelo processo de invaginação do ectoderma dorsal. Este processo permite a formação de um tubo superficial, que a seguir se interioriza e em torno do qual virá se formar a coluna vertebral protetora. A figura a seguir nos mostra uma seqüência esquemática das fases de formação do tubo neural explicitando suas ligações com os órgãos sensoriais, através dos nervos aferente, e com os órgãos motores, através dos nervos eferentes.


Seria importante enfatizar alguns dos aspectos topológicos deste processo de invaginação do ectoderma. Se o consideramos como sendo uma superfície orientada – suposição inteiramente razoável se tivermos em conta que se trata de um tecido de células sensíveis – constataremos que o SNC, de certo modo, constituiu-se também como uma superfície igualmente orientada, porém, em direção contrária àquela do ectoderma que lhe deu origem [OAKLEY, David A. Brain, behaviour and evolution. London, Methuen, 1979 e SMITH, C. U. M. El Cerebro, Madrid, Alianza, 1972]. Esta especial orientação vai, pois, constituir uma interioridade no corpo (espacial) do animal. Numa linguagem um tanto informal, diríamos que o animal passa a dispor, em si, de um avesso; que nele se cria um espaço interno em que se pode representar tanto o meio como seus próprios impulsos e disposições do próprio organismo, e além, simular diferentes cursos de ação sem ter que pagar o imprevisível preço de uma efetiva experimentação. Constitui-se assim um espaço imaginário onde é possível até refugiar-se momentaneamente fugindo às excessivas pressões do mundo. No homem, este espaço imaginário chega a constituir um mundo onde se pode dar explicações para o bem e o mal, onde pode localizar suas origens míticas, gozar o ilimitado poético e até, dramática e definitivamente, propor-se como seu próprio enigma ou pura e simplesmente dissolver-se na loucura.
Em suma, diríamos que a base fisiológica para a operação lógico-diferencial (D) poderia estar, de um lado, na codificação digital dos impulsos das células sensíveis e, suplementarmente, na homogeneização desta codificações com relação à diversidade de sensibilidades em jogo (diversos sentidos). Por outro lado, a operação de identidade (I) se alicerçaria na homogeneidade da codificação no que diz respeito aos tipos lógicos e, sobretudo, no próprio processo de formação do SNC por via da invaginação do ectoderma.
Antes de encerrarmos esta nota, aproveitamos a ocasião para chamar a atenção sobre a insuficiência dos modelos condutivistas freqüentemente propostos para vertebrados, incluindo às vezes o próprio homem, em termos de in-put e out-put e de uma única função de transformação os articulando. As considerações topológicas referentes à formação do SNC nestes animais evidencia que, levadas em consideração as orientações das superfícies em jogo, eles seriam dotados de um espaço interno, o que nos obriga a descartar o simples modelo bipolar em favor de um modelo tetrerapolar, onde haveria espaço para discriminar quatro e não apenas duas intervenções: in-out-put, in-in-put, out-in-put, out-out-put. Nestas circunstâncias, poderíamos estabelecer as seguintes correspondências:

Sensação in-in-put
Percepção in-out-put+ in-in-put
Sensação cinestésica out-in-put
Ação out-in-put + out-out-put.

P
ara maiores detalhes ver figura abaixo.

14. PLATON, Théététe, Parmênides. Paris, Flammarion, 1967

15. SAMPAIO, L. S. C. de Desejo, Fingimento e Subversão na História da Cultura. Rio de Janeiro, 1999.
16. SAMPAIO, L. S. C. de Reflexões, logicamente otimistas, acerca do advento da cultura nova pós-científica in Pensamento Original Made in Brazil, Rio de Janeiro, Oficina do Autor/etc..., 1999
17. Sabemos que a citação aqui do Iluminismo é uma simplificação, talvez excessiva. De modo geral o Iluminismo está comprometido com a liberdade (I) e com a razão formal (D/D), esquema lógico que desde Descartes caracteriza a Modernidade: logo, não é aí que vamos encontrar sua razão de ser nem aquela de suas variantes. Um exame mais atento mostrará que o mais importante no Iluminismo é o que ele se propõe fazer, na circunstância, com a des-razão (coração, intuição, natureza,. instinto, emoção etc.) (D), que acabava de ser recalcada justamente pela razão científica (D/D).
18. Não estamos aqui referendando a concepção marxista sobre o trabalho. Muito pelo contrário, a essência do trabalho é se constituir num esforço que visa outra coisa que si mesmo, sendo por isso, necessária e essencialmente trabalho alienado. Não foi, pois, o capitalismo que criou o trabalho alienado nem o comunismo poderia aboli-lo. SAMPAIO, L. S. C. de . Lógica e Economia, Rio de Janeiro, Inst. Cultura-Nova, 1988 (xerografado)
19. SAMPAIO, Reflexões, logicamente otimistas, acerca do advento da cultura nova pós-científica, op. cit.
20. LÉVY-BRUHL, La Mentalité Primitive, op. cit.
21.RIBOT, Th. La logique affective et la psychanalyse, R. Philosophique, 1914, LXXVIII
22._______. La Logique des Sentiments, Paris, F. Alcan, 1920
23.Arthur Ramos conhecia a fundo não só a obra de Lévy-Bruhl como também suas fontes. Como curiosidade, relatamos que ao consultar o exemplar de Logique du Sentiment de Ribot existente na Biblioteca Nacional, constatamos que ele pertenceu justamente a Arthur Ramos e guarda suas inúmeras anotações manuscritas à margem e em pequenos pedaços de papel nele inseridos.
24.Théodule Ribot é citado duas vezes no volume 1 e muitas no volume 2 da História da Psicanálise na França de E. ROUDINESCO, Rio, Zahar, 1989 – em geral, na companhia de Janet, Binet, Taine –, como introdutor do modelo jacksoniano na França, como inspirador de algumas idéias de Charcot e outras coisas mais. Entretanto sua ligação com a psicanálise ficaria bem melhor definida se transladássemo-nos para o plano lógico, forçando um confronto entre sua Logique du Sentiment e a lógica do significante lacaniana. Fica a sugestão.
25.SAMPAIO, L. S. C. de, Lacan e as Lógicas in Lógica Ressuscirada, Rio de Janeiro, EdUERJ,
26. O fundamento disto se encontra na teoria dos grupos, particularmente nas propriedades do denominado grupo de Klein.
Afora a identidade isolada, o grupo mais simples é o grupo binário, formado por dois elementos, por exemplo, a e b, cuja tabela de multiplicação é

x a b
a a b
b b a
O grupo de Klein é o quadrado do grupo binário acima, isto é, o produto do grupo (a,b) pelo grupo homólogo (c,d), cuja tabela de multiplicação é:

x ac ad bc bd
ac ac ad bc bd
ad ad ac bd bc
bc bc bd ac ad
bd bd bc ad ac

As duas diferenças seriam representadas pelos subgrupos (a,b) e (c,d) e as três relações articuladas, pelos pares ad, bc e bd, os elementos não identitários ( não ac) do grupo de Klein.
Este grupo aparece por toda parte, porque ele é simplesmente uma espécie de simulação formal (é óbvio que drasticamente empobrecida) da verdadeira dupla diferença que fez ser o homem.
27.Existem outros bem interessantes, como a roupa (ou a pintura dos corpos) representando uma terceira pele. A condição animal capaz de operar I/D requer um SNC e este, como vimos na extensa nota 13, é uma dupla pele. A condição humana requereria, portanto, um diferença suplementar, logo, uma terceira pele. Ser humano é, justamente, ser capaz de se por na pele do outro, perfazendo pois um “articulado” de três peles. Ë precisamente isto que está logicamente por traz da piedade em J-J Rousseau. Desde que saibamos procurar, na própria obra dos estruturalistas não faltariam muitos outros exemplos.
28. CASSIRER, Ernst. Ensaio sobre o Homem. Introdução a uma filosofia da cultura humana. S. Paulo, Martins Fontes, 1997
29.SAMPAIO, L. S. C. de Introdução à Antropologia Cultural, I, II, III e IV em 2 vídeos, com cerca de 3,5 h de duração, EMBRATEL/UAB, 1993 ou alternativamente Noções elementares de lógica - Compacto, Rio, ICN, 1988.
30. Já aconteceu mais do que uma vez em aula que esta nossa afirmação fosse contestada, sendo-lhe contraposta a “descoberta” pavloviana que o animal, no caso, estaria operando segundo o famigerado “mecanismo” do reflexo condicionado. Só na aparência isto é uma objeção; a rigor, trata-se de uma ratificação: a palavra (arco) reflexo é claramente lógico-identitária (I) e a palavra condicionado, aquilo que só é em razão de outro, é inquestionavelmente lógico-diferencial (D). Portanto, operando por reflexo condicionado, o animal estará na verdade operando segundo a lógica dialética (I/D). Pavlov nomeia (até muito corretamente), mas nada explica. Ele poderia ter chegado à mesma conclusão sem ter aporrinhado tanto seus cachorros, bastando que se mantivesse fiel ao que lhe prescrevia a lógica do Partido...
31. Ver capítulo 2 anterior, onde, seguindo indicações lacanianas definimos o masculino pela par lógico {I, D/D} e o feminino pelo par {I/D, D}.
32. SAMPAIO, L. S. C. de, Por que, também, uma filosofia da cultura, Rio de Janeiro, 1999.

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