6.4.17

Informação, conhecimento e, entre eles, necessariamente um método

As noções de informação e conhecimento vêm sendo utilizadas, uma pela outra, de uma forma bastante descuidada, com o propósito de caracterizar o novo tipo de sociedade em que estaríamos começando a viver e, quase que como uma consequência disso, para caracterizar o que seria o fator primordial de êxito competitivo empresarial. Nosso propósito aqui será o de contribuir para uma melhor compreensão destas duas noções através da clarificação do seu modo de relacionamento, destacando a mediação que aí necessariamente exerce o método.

Vamos adotar, preliminarmente, a distinção castrense entre informe e informação, porém ampliando-a para incluir a noção de informação relevante. A massa de informes compreende todo tipo de impressão própria ou testemunho de terceiros, direta ou instrumental, tanto oral, como documental. O subconjunto da massa de informes que tenha passado por suficientes testes de comprovação ou fidedignidade constitui o que denominamos informação. Inclui-se aqui o verdadeiro, mas igualmente o falso que pode revelar intenções inconscientes ou sintomas, ações de agentes perturbadores, e o que é o mais importante, servir de contraprova para algum esquema teórico. A informação relevante compreende a parte das informações que de um modo ou de outro contribui para o estabelecimento de

Informe, informação e informação relevante









Figura 1

algum esquema teórico ou, dito em termos mais gerais, para algum tipo de conhecimento. Ver figura 1.

O conhecimento seria algo de um nível superior de abstração ou generalidade relativamente à informação, que pressupõe algum grau de elaboração intelectual; é, sobretudo, aquilo que nos permite fazer inferências acerca do que não foi efetivamente experimentado, não importa se futuro, presente ou mesmo passado. O que mais interessaria, pois, na caracterização do conhecimento, seria a ocorrência de um mínimo de trabalho mental na busca de relações abstratas inavariantes, o que podemos também denominar, com propriedade, trabalho teórico.

Importaria agora focalizar nossa atenção sobre aquilo que media informação relevante e conhecimento. O tipo de mediação em causa seria precisamente trabalho teórico segundo um método, e este último viria caracterizar um tipo particular de conhecimento. Ver figura 2. A noção de método é aqui tomada em seu sentido amplo, não importando que quem o esteja aplicando saiba o que está realmente fazendo. Até pelo contrário; é frequente encontrar pessoas muito hábeis no uso de determinado método que não sabem dizer como realmente procedem. Um boa ilustração disso está no processo de construção de sistemas especialistas em que, por vezes, se é forçado à explicitação de procedimentos metodológicos que, embora racionais, se mantinham total ou parcialmente inconscientes para o próprio expert. Isto não deve causar qualquer estranheza, porque os métodos, afinal,


O método entre a informação e o conhecimento









Figura 2

são todos eles modos naturais de pensar, que foram relativamente isolados, tematizados e levados a aperfeiçoamento por tempos imemoriais.

Podemos tomar como primeira referência o método científico, que todos conhecem e que muitos acreditam, dado o alto prestígio que desfruta a ciência hoje, seja o único. Vamos aqui atribuir uma significação bastante larga à noção de conhecimento científico, que abarcaria desde simples correlações tendenciais - se x aumenta, y também aumenta -, passa por modelos esquemáticos relativamente simples - modelo de demanda em função de preço e gastos com propaganda - chegando até ao extremo das teorias axiomáticas complexas - espaços vetoriais como base para resoluções de problemas de otimização. É interessante notar que a relação entre informação relevante e teoria é de mão dupla. Os dados confirmam ou não hipóteses teóricas, mas, por outro lado, os esquemas teóricos guiam-nos na busca de novas informações relevantes. Entre estas, temos o caso de informações críticas, que por si só são suficientes para invalidar uma hipótese científica ou propiciar um salto no seu grau de credibilidade. Ver figura 3.

Estas considerações gerais sobre método são corriqueiras em âmbito científico-tecnológico, porém, bem menos nos meios da administração e nos negócios. A rigor, não deveria, pois, é precisamente aqui que a questão de método ganha o seu maior peso em virtude de estarmos lidando mais com pessoas do que com coisas, e nada há mais complexo do que pessoas.

Não se tem dúvida da possibilidade de aplicação do método científico no trato com o ser humano: aí estão os testes de inteligência, os sociogramas, as técnicas de avaliação de desempenho, a sofisticada teoria da decisão e uma infinidade de outros. Entretanto, os resultados tem sido permanentemente criticados e contestados, a maioria das vezes, não por erro, mas por manifesta insuficiência ou parcialidade.

Precisamos aprender que não é necessário abandonar o âmbito da metodologia rigorosa para esclarecer o que estaria por traz destas insuficiências. Teríamos, sim, que alargar em muito nossas concepções para além do nosso já bem conhecido método científico, e aqui a filosofia pode muito nos ajudar. Na verdade, além do método científico já citado, fazendo a mediação informação/conhecimento, teríamos outros três tipos básicos de método: o transcendental, o hermenêutico e o histórico.

a) O termo transcendental a rigor cobriria um conjunto de métodos cuja característica principal é o radicalismo gnosiológico, vale dizer, métodos que põem em questão tanto processos quanto resultados cognitivos,

Conhecimento fenomenológico, hermenêutico, histórico e científico







Figura 2


que questionam as condições a priori para que se o possa deveras alcançar. Inclui-se aqui desde a simples tomada de consciência ou a auto-reflexão até o método fenomenológico, por certo a mais acabada e prestigiosa forma de transcendentalismo metodológico. A fenomenologia é do que precisamos quando estamos sufocados pelos preconceitos, estereótipos, meias verdades, discursos ideológicos, rituais sacralizados e até por juízos verdadeiros, mas cujas justificativas já se perderam no tempo e no espaço. Netas circunstância é preciso, antes de mais nada, limpar o terreno. Precisaremos por entre parênteses ou suspender todos os juízos e procurar colocarmo-nos frente à coisa mesma. Este é o único tipo de método onde a relação informação/conhecimento é de mão única, pois está em sua essência suspender todo tipo de representação ou de informação consuetudinária. A partir daí é que se produz informação, que não é teoria, mas simples descrição, a mais “neutra” possível. O saber fenomenológico reduz-se a descrição, ou seja, à informação originária, o que impede qualquer ciclo interativo conhecimento/informação. Se isso acontece, não se trata propriamente de interação, mas de um recomeçar a partir do zero. É um conhecimento radical, apropriado para as situações de crise, que em geral só é praticado quando já não se tem mais outra saída, embora assim não devesse sempre ser. Ver figura 3.

b) O conhecimento hermenêutico é o conhecimento interpretativo, o saber do que ao mesmo tempo se vela e desvela: um saber dos processos inconscientes, “razão (profunda) que a própria razão (científica) desconhece”. Boa parte da resistência à mudança em âmbito empresarial só pode ser tratada por esta via ; é frequente numa instituição que todos se digam favoráveis à mudança, mas inconscientemente criarem enormes obstáculos a sua efetivação. Em geral, trata-se de ficar preso a um passado, que pode ter sido tanto de grande sucesso, como, pelo contrário, fortemente traumático. O típico neste método é que a informação relevante se manifesta como sintoma, aquilo que não se entrega a uma observação superficial e sistemática, similar à observação científica, mas a uma bem mais exigente “atenção flutuante”, como diria Freud. As práticas de DO constituem algo neste sentido. Ver novamente figura 3.

c) Conhecimento histórico é essencial para criarmos um horizonte onde possamos situar cronologicamente nossas objetivos e metas. Ademais é um conhecimento necessário a criação de laços sociais de natureza temporal; um estrato etário no poder estabelecendo laços de solidariedade grupal com os novatos através do respeito aos mais velhos e aposentados. Serve, prosaicamente, para evitar que incidamos nos mesmos erros.

É preciso não confundir conhecimento histórico com uma mera cronologia. O conhecimento histórico implica necessariamente um pensar dialético, a capacidade de explicar os acontecimento a partir de um “motor interno”, do conflito permanente de posições que vão se confrontando, produzindo sínteses que por si geram novas divergências e assim indefinidamente. Não pode haver uma história que não seja história de permanente antagonismos e das vitórias que contam (por isso não se contam histórias de perdedores).

De todos, este é o método hoje em maior desprestígio, o que se compreende bem por estarmos vivendo numa cultura do eterno presente, do tempo que virou dinheiro, do clientismo, do just in time, enfim, do ser plugado on line. Entretanto, é preciso ter em mente que a sua desconsideração cria-nos uma cegueira local com um incalculável efeito global, como veremos logo adiante. Por isso se diz estarmos também vivendo na era da incerteza.


Conhecimento integral ou sabedoria









Figura 3


A capacidade de buscar os conhecimentos adequados a cada circunstância certamente já é um grande mérito, mas não o melhor que se possa alcançar. Grande administrador será aquele capaz da integração dos quatro tipos básicos de conhecimento anteriores, para o que ainda não existe um nome, e muito menos um método estabelecido. Porém, não é por isso que o deixaremos de praticar. Aliás, poderíamos dizer que administrador talentoso já hoje é aquele que o pratica, mesmo sem o saber; ainda mais, quando nele se concentra, deixando a formação dos conhecimentos parciais por conta de sua equipe auxiliar. Provisoriamente o chamaremos de conhecimento integral ou tão apenas sabedoria. Ver figura 4. Trata-se do método que precisamos ainda explicitar e aperfeiçoar, e quem sabe, um dia, conseguir a todos ensinar.


Luiz Sergio Coelho de Sampaio

Rio, março de 1998

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