[... ] Antigamente eu lia ou filava o Pasquim. Desde o retorno não sabia a quantas ele andava. Aproveitei a oportunidade e dei uma leitura geral. Acho que há uma diferença gritante. O nível intelectual/humorístico e de seriedade continua mais ou menos o mesmo, que eu me lembre. Mas os tempos mudaram. Acho que o Pasquim sofre do mal de todos nós: Creio que estamos sem visão, sem perspectiva, sem mensagem, e o pior, sem esperança. A cultura atual pode de uma hora para outra entrar em profunda crise, mas voltará tal qual porque nada há hoje pensado para ser posto em seu lugar. É necessário abrir espaço para a insurgência de um renovado pensamento e vontade utópicos. Três condições para o efetivo ingresso no terceiro milênio que segue anexo é um esforço quase desesperado de buscar uma solução para tão grave problema. Tudo ali se resume a três propostas simples, mas de bastante radicalidade:
a) visar a história não mais pela dialética, mas por uma lógica mais complexa, ainda que da mesma família, que vamos denominar hiperdialética;
b) trocar o registro econômico pelo bem mais abrangente registro cultural (o capitalismo é apenas o modo de produção de uma coisa maior: a cultura moderna de base científica)
c) por sua saga já vivida, considerar o Brasil, um ponto de vista privilegiado, tanto para a compreensão, como para o exercício de uma praxis socio/cultural realmente transformadora.
Apenas o item (a) pode, a princípio, apresentar alguma dificuldade de compreensão. Vejamos: nós somos de modo incontestável uma consciência, um poder identitário (I) – podemos dizer um para isto e aquilo, especialmente, para nós mesmos. No entanto, vivemos numa condição encarnada, espacialmente limitada; temos um corpo que nos articula ao outro, (D). Isto nos obriga à luta ou ao diálogo, vale dizer, ao pensar dialético (I/D). Um animal evoluído, dotado de sistema nervoso central, chega até aqui.. Mas o homem inventou a lei convencional, e daí, a cultura, que dá consistência própria ao ser social. O fez, inicialmente, forçando a dialética contra a verdade do corpo num movimento contradialético. Destarte, provoca o aparecimento de um outro outro, (outra diferença D), que não dialoga, simplesmente fala em nós, o inconsciente. Governado inexoravelmente pela identidade, o homem se viu forçado a juntar tudo. A situação humana na sua plenitude implica pois uma identidade e duas diferenças independentes, um outro fora e um outro (inconsciente) dentro, isto é, submete-o a hiperdialética I/D/D e não apenas a uma identidade e uma diferença, isto é, à dialética I/D. A lógica da ciência, e por isso também a da modernidade, opera com duas diferenças (D/D) como um microcomputador, situando-se pois entre a dialética e a hiperdialética. Para enfrentar o capitalismo, precisamos necessariamente mais que um pensar dialético, precisamos de um pensar maior, hiperdialético. As revoluções socialistas marxistas estavam por isso condenadas a priori. Marx serve para dar partida à crítica do capitalismo, mas não para explicar como começou e muito menos para acabar com ele, que é o que precisamos. O resto, daí por diante, torna-se mais ou menos trivial.
Sampaio
Rio, 19/10/2002
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