En effet, nos écrits repportent comment votre cité anéantit jadis une puissance insolent qui envahissait à la fois tout l´Europe et tout l´Asie et se jetait sur elles du fond de la mer Atlantique.
Platon- Timée.
Antes de abordarmos a questão dos antecedentes da Modernidade, vale a pena relembremos rapidamente velha lição sobre os antecedentes da geopolítica. No caso, não importa se realidade histórica ou surrealidade mítica! No Timeu de Platâo (2) lemos que havia, a oeste e relativamente próxima das colunas de Hércules, uma ilha enorme, ainda maior do que toda a Ásia – a Atlântida – acompanhada de muitas outras pequenas ilhas que facilitavam a comunicação entre ela, a Europa e a África. Na ilha formara-se um magnífico império, tão poderoso que além de seu próprio espaço insular dominava também a Europa, até o Mar Tirreno (sudoeste da Itália), e o norte da África, do estreito de Gibraltar ao Egito. (Figura 1)
Figura 1 - Estratégia do Império Atlante
Como o Oceano Atlântico praticamente não existia, o grande mar daquele mundo era mesmo o Medi-terrâneo, como diz o nome, um mar em meio a uma grande vastidão de terras Em tais circunstâncias, qualquer império, não importa sua potência, só alcançaria a onipotência (e de quebra a prepotência) conseguindo fazer daquele único grande mar interno um mare nostrum; os atlantes não tinham porque fazer exceção. Entrementes, pequenos povos desde que internamente unidos e decididos pela liberdade, poderiam resistir-lhes, e assim o fizeram os gregos e seus vizinhos. Foram estes que assim agindo impediram a consecução do propósito geopolítico dos poderosos atlantes – fechar o cerco ao Mediterrãneo.
Como para os gregos os homens são exatamente o outro dos deuses, isto é, prometéicos, não seria nada plausível esperar que deuses se dispusessem a fazer alianças com criaturas assim tão pouco confiáveis, por isso, em todos estes acontecimentos ficaram eles apenas assistindo lá de cima, sem mover uma palha: não lançaram pestes, não fizeram mares se abrirem e fecharem oportunamente, nem provocaram terremotos providenciais com enormes pedras caindo sobre os opressores. Os pequenos povos tiveram que se virar sozinhos, valendo-se apenas de sua unidade interna e de seu amor à liberdade. Bem, depois de tudo decidido, acreditamos nós, é que os deuses decidiram fazer afundar a Atlântida, talvez para se divertirem.
Agora, vamos aos fatos. O Islão, logicamente tardio e radical (3), não poderia ter tido outro desiderato, não importa quanto tenha sido seu grau de consciência ou intencionalidade, senão, o de tentar implodir a cristandade. Na medida em que teve elã e forças para assim atuar, estava também ensejando um ajuste de contas, que há muito assumira foros intra-semíticos, e tanto ansiada (4).
Sua grande estratégia geopolítica repetiu, de cabeça para baixo, aquela mesma dos romanos: a transformação do imenso Mediterrâneo num mare nostrum. Dizemos isto no sentido de que os romanos partiam para fazer e fechar o cerco a partir da Península Itálica e o Islão pretendeu fazê-lo chegando, justamente, por cima, à esquerda e direita, daquela mesma península. (Figura 2)
Os mouros atravessam o estreito de Gibraltar e logo ocupam toda a Península Ibérica destruindo, em 711, o reino visigodo que lá se instalara. Tudo corria bem e célere pela esquerda até que foram derrotados a oeste da França por Carlos Martel na batalha de Poitiers (732). Pela direita, seu grande êxito na referida estratégia só é alcançado com a tomada de Constantinopla (1453), que veio pôr fim ao Império Bizantino. Por ali também penetram na Europa e só são detidos ao sul da Alemanha; é aí que entra, por volta de 1500, a famigerada figura de Abraão à Santa Clara (5).
Frustava-se desta (conforme o lado, boa ou má) sorte a estratégia mourisca de envolvimento do Mediterrâneo, tendo eles estado já bem próximo de realizá-la, por um e por outro lado, conquanto que, em tempos desencontrados. Frustava-se também a tentativa etnocida de implodir a cristandade, e com ela, a expectativa de provocar um retrocesso da História. Por não haver retrocessos, não há vingança plena na História, a não ser que alguém se assuma, como bem sabem os sicilianos, sujeito de família (família lógica identitária/temporal ou lógica diferencial/espacial)
Entrementes, do lado esquerdo da Europa, algo de relevante já acontecera poucos anos antes da batalha de Poitiers. Em 718, um príncipe visigodo, Pelayo, cristão convicto resiste à invasão muçulmana fazendo da caverna de Covadonga seu quartel general. Dali parte para suas razias até que é perseguido e cercado em seu próprio refúgio. Os mouros chegam a invadir a caverna, mas um providencial tremor de terra faz desabar parte da montanha, atingindo fundo os invasores, mas deixando incólumes Pelayo e os seus soldados. Deste foco de resistência é que parte o processo da reconquista da Península Ibérica, vital para a constituição da Europa moderna. Em 718, Pelayo torna-se rei de Astúrias, reino que se expande vindo depois a chamar-se Reino de Leão, e este, unindo-se posteriormente a Aragão e Castela vão juntos formar a Espanha moderna.
Estratégia romana
Estratégia muçulmana
Figura 2 - Estratégia romana e muçulmana
No curso destas lutas, Henrique da Borgonha vem se aliar ao reino de Leão na luta contra os sarracenos, recebendo, por seus bons serviços bélicos, o condado de Porto Cale. Casa-se com uma filha do rei de Leão, de cuja união nasce Don Afonso Henrique, futuro rei do Porto Cale independente, nosso imenso Portugal.
Os mouros são completamente expulsos do ocidente europeu em 1492 numa longuíssima guerra, durando mais do que 700 anos, mas boa parte dos judeus que os acompanhavam, ficaram nos interstícios extra-feudais (6). É nesta condição de marginalidade que pequenas populações judaicas se preservam e desenvolvem atividades que lhes serão típicas, como o artesanato de calçados, a cartografia, a medicina e, sobretudo, conseguem estruturar, com base em sua unidade cultural, um mercado financeiro acoplado ao sistema periódico das feiras que se expandia à sombra da miriade de castelos feudais.
É tal o desenvolvimento deste mercado financeiro que se lhe torna possível financiar a formação – pela força das armas, ameaças e núpcias –, dos estados nacionais europeus modernos. Isto irá liquidar com o poder absoluto político/cultural da Santa Sé, ditando a derrocada do cristianismo lógico-trinitário. Textos aristotélicos trazidos pelos árabes começam a ser traduzidos do grego para o latim, em boa parte, por eruditos judeus, já a partir do ano 1000. Em meados do século XIII, Santo Alberto Magno e São Tomás de Aquino procedem á irreversível racionalização ou aristotelização da teologia cristã. Se não fora possível pela força fazer implodir (voltar ao Deus-Uno) o cristianismo trinitário, tornara-se possível, aproveitando agora a direção do vento – direção em que irreversivelmente ao homem desvela-se sua própria lógica –, com um pouco de argúcia cultural e enormes fundos financeiros, fazer eclodir na Europa a Modernidade (a fazem passar da lógica dialética trinitária (do Deus Uno-Trino) à lógica formal ou científica (do Deus desempregado, vale dizer, do Deus Mercado). O que veio a seguir já sabíamos (7); o epílogo está aí pronto para quem tiver coragem de decifrá-lo.
Luiz Sergio Coelho de Sampaio
Rio de Janeiro, 12 agosto de 2001
Notas
1. Este texto é parte de nossa obra maior Filosofia da Cultura – Brasil, luxo ou originalidade, que já andou por várias editoras que sempre “gentilmente” o recusaram, talvez porque nestes tempos de intolerância democrática (ou plutocrática, de Pluto, da Dieneylandia), a defesa das culturas (com exclusão das dominantes) tenha sido criminalizada. Realmente, que editor iria querer correr riscos de tal natureza?!.
2. PLATON, Timée, Critias, Paris, Les Belles Lettres. 1985, pp. 136-137
3. Radical porque tardio, tardio (século VII) porque ela é uma cultura lógico-identitária (do real e do Deus únicos), que só surge depois que o mundo já conhecera, havia muito, a própria cultura da identidade (judaica), a cultura da diferença (grega, do real como outro, do homem prometéico, daquele que confronta os deuses) e a cultura dialética trinitária (do Deus Uno-Trino cristão). Por isso, a cultura muçulmana não constitui na História uma cultura nodal (culturas que inauguram um novo modo de ser e pensar o mundo), como é o caso da cultura judaica.
4. Sabe-se quão doloroso foi para os judeus o contato com a cultura grega. Tudo começa com as invasões de Alexandre, depois, dos romanos; um intenso drama que termina só com sua auto-mutilação, ou seja, a definitiva separação dos cristãos.
5. O interesse por Abraão à Santa Clara reacendeu quando Victor Farias, em Heidegger e o Nazismo, chamou a atenção para o fato que foi justamente na cerimônia de inauguração de uma estátua deste religioso, herói da resistência a invasão muçulmana da Europa, que Heidegger faz sua primeira aparição política/pública.
6. Feudos (trinitário imperfeito) tem a unidade garantida por sua semelhança à Cidade de Deus (trinitário perfeito); nações modernas têm sua unidade fundada no Outro. Uma nação, ao contrário, moderna acaba precisamente aonde uma outra começa; constitui-se numa reserva de mercado, cujas portas são aduanas frente a frente. Justamente por esta particular topo-logia é que houve um espaço físico para que a cultura judaica pudesse se preservar e desenvolver. A formação dos estados nacionais (mercados econômicos nacionais) acabava com este espaço, mas fazia dos judeus, doravante, naturais de alguma parte. Sua unidade cultural, entretanto permanecia, tornando-se assim a base para a solidificação do complementar mercado financeiro internacional.
7. Primeiro, a constituição dos alicerces, através do recalque da sexualidade (irracionalidade) feminina, ou seja, pela caça às bruxas; depois, a invenção da racionalidade masculina: como primeiro passo, a ciência e, logo á frente, a constituição de seu sujeito liberal correlato, ou melhor, sujeitado. SAMPAIO Luiz Sergio Coelho de, Filosofia da Cultura – Brasil, luxo ou originalidade (algum dia, no prelo!)
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