Dans
la structure de l'inconscient, il faut éliminer la grammaire. Pas la
logique, mais la grammaire."
Lacan,
L'insu que sait de l'une-bévue, s'aile a mourre. Seminaire du 11
janvier 1977.
Ser
e pensar são o mesmo,
logo, havendo o inconsciente há de haver um pensar que lhe convenha,
ainda que, tratando-se de quem se trata, deva ser um pensar por
outro, um pensar de desvãos e profundezas, sobretudo, um pensar que
se desconheça. E haverá, também, por conseqüência, uma lógica
que não sendo do mesmo ou da identidade, terá que ser
compulsoriamente lógica da diferença.
Deveras,
o novo, o realmente novo, “só se entrega a um concomitante novo
modo de pensar, a uma nova lógica... Em suma, ou se desvela uma
lógica ou não se consegue pensar grande coisa.” (2).
Ainda que tardasse um pouco, não tinha porque o inconsciente vir a
se constituir numa exceção.
- Lógica e psicanálise nos primórdios
Até
hoje, nada mais comum do que assistirmos à identificação, sem
mais, das noções de lógica
e
de lógica
clássica ou
formal.
A única atenuante para este fato é o próprio rumo que tomou a
lógica acadêmica
a de uma sub-especialidade matemática ,
mas que, por outro lado, reflete uma nada justificável
desconsideração de outras tradicionais concepções, como a
lógico-transcendental de Kant, Fichte, Husserl e a lógico-dialética
de Heráclito e Platão, na antigüidade, e de Hegel e Marx, na era
moderna. A conclusão é por isso imperativa: ou a lógica não se
resume apenas à lógica clássica formal, ou então Heráclito,
Platão, Kant, Husserl, Hegel, para ficar apenas nos maiores, não
têm qualquer significação filosófica, já que, confessadamente,
se valeram à larga de modos de pensar (ou de lógicas) incorretas
ou, até pior, simplesmente inexistentes. Neo-tomistas e
neo-positivistas de boa fé talvez concordem com a segunda
alternativa. A nós, a sua simples colocação já soa como absurda!
Infelizmente,
a grande maioria das pessoas não se dá conta deste dramático
imperativo e Freud se deixou ficar entre elas. Seu caso, aliás,
causa-nos uma certa estranheza, porque o mais essencial de todo o
seu contributo ao saber analítico está precisamente na descoberta
do caráter não aleatório ou caótico dos processos inconscientes.
Concluiu ele que a produção de sonhos, por exemplo, é um processo
além de teleológico (realizações
disfarçadas de desejos reprimidos)
também largamente regrado, embora isto se dê de uma maneira
diferente daquela pela qual se faz no pensamento formal e consciente.
Foi precisamente a hipótese da existência de um pensar
inconsciente
que fez viável a compreensão ou interpretação de sonhos. Por que
não, também, uma lógica referente a este particular modo de
pensar?! Era bastante óbvio que sempre devesse ser assim, porém,
isto só veio a ser posto às claras, dezenas e dezenas de anos
depois, com Lacan e sua certeira proposta de uma lógica do
significante.
Observemos
ainda que, nas descobertas fundamentais
como o ser, o conceito, o cogito
ou o sujeito da ciência, a história etc. ,
cujas oportunidades são extremamente raras, o inverso é também
verdadeiro. E neste caso exatamente se encontrava Freud. O
inconsciente se afigurava como algo radicalmente diverso de tudo que
até então fora visado (3),
o que requeria portanto um modo específico e novo de ser
pensado/desvelado.
Seguíssemos
entretanto as declarações expressas de Freud, concluiríamos que
lógica e psicanálise nada teriam a ver uma com a outra. É verdade
que em A
Interpretação de Sonhos (capítulos
VI v. I e no tópico Sobre
os Sonhos,
v. II) (4),
ele dedica uma significativa atenção aos aspectos propriamente
lógicos do operar inconsciente. Preocupa-se com a questão da
representação nos sonhos da negação, contradição, condicional,
conjunção e disjunção lógicas, das relações de maior e menor,
das relações de causalidade e similaridade, tudo isso, entrementes,
para concluir que as leis da lógica (clássica), em especial, o
princípio da contradição, não se aplicavam ao inconsciente (ou ao
que viria ser mais tarde identificado como o id).
Já
quase no fim da vida, voltando a se ocupar dos sonhos em Esboço
de Psicanálise,
reitera o que dissera quase quarenta anos antes acerca da presumida
ilogicidade do inconsciente:
O
estudo da elaboração onírica nos ensinou muitas outras
características dos processos do inconsciente que são tão notáveis
quanto importantes, mas só devemos mencionar aqui algumas delas. As
regras que regem a lógica não tem peso no inconsciente ; ele
poderia ser chamado Reino
do Ilógico.
Impulsos com objetivos contrários coexistem lado a lado no
inconsciente, sem que surja qualquer necessidade de acordo entre
eles.(nn=negritos
nossos) (5)
Preocupado
com a formação dos analistas, Freud, em dois momentos de
A Questão da Análise Leiga (6),
arrola disciplinas que deveriam fazer parte do que lhe parecia um
esquema
de formação para analista ideal.
Vemos lá citadas: psicologia profunda, ciências mentais (onde
naturalmente não estava a lógica), sintomatologia da psiquiatria,
introdução à biologia, estudo da evolução, anatomia, ciência
da vida sexual e ainda história da civilização, sociologia,
mitologia, psicologia da religião, ciência da literatura. Mas
nenhuma palavra sobre a lógica!
Em
que pese todos estes fatos, desde A
Interpretação de Sonhos,
texto realmente fundador da psicanálise, Freud, para sua própria
glória, já se contradizia. O que, diga-se de passagem, não é
assim tão grave para quem tanto arriscava na investigação e na
criatividade. Nós, sim, é que deveríamos ser um pouco mais atentos
e sobretudo menos crédulos. Ora vejamos:
...seu
aparente
desprezo por todos os requisitos da lógica é
a expressão de um fragmento do conteúdo intelectual dos pensamentos
oníricos.
(nn) (7)
Ficamos já aí
alertados de que o desprezo pela lógica é em verdade uma aparência,
e o próprio Freud tinha como nos explicar o porquê:
...um
sonho não precisa abandonar
inteiramente a possibilidade de reproduzir as
relações lógicas
presentes nos pensamentos oníricos. Pelo contrário, bastante amiúde
ele obtém sucesso em substituí-las por características
formais
de
sua própria contextura.
(nn) (8)
Eles reproduzem a conexão
lógica pela aproximação no tempo e no espaço, tal como
um pintor representará todos os poetas num único grupo, numa
pintura no Parnaso.(nn) (9)
O criador da psicanálise nos diz que,
a rigor, o sonho não tem necessidade de se desfazer das relações
lógicas, que apenas as substitui por características formais
de sua própria contextura. Em outras palavras, o sonho
procederia à substituição das relações lógico-formais
(clássicas) por relações igualmente lógico-formais, só que desta
feita próprias à contextura do sonho. Tem-se assim uma
primeira indicação de que ali não se estava lidando com a oposição
lógico/ilógico, como equivocadamente declarava Freud e como mesmo
hoje amiúde se crê, mas com a oposição lógico-clássico
“lógico-onírico”.
As conexões substitutivas que ele
mesmo menciona, aproximações no tempo (seqüencialidade) e
no espaço (superposição imagéticas), são precisamente os
modos formais de operação daquela “lógica onírica”. Em termos
de processo primário, respectivamente, deslocamento e condensação,
como podemos ler abaixo:
Se então tudo isso (complexo
material psíquico nas mais variadas e intrincadas relações
lógicas) deve ser transformado num sonho, o material psíquico
será submetido a uma pressão que o condensará
grandemente, a uma fragmentação e a um deslocamento
internos que, por assim dizer, criarão novas superfícies, e a uma
operação seletiva em favor daquelas partes dele que são as mais
apropriadas para a construção de situações. (nn) (10)
E, logo a seguir, o mais importante e,
acima de tudo, o mais surpreendente, vindo de quem insistia na
afirmação da “ilogicidade” dos processos inconscientes:
Se levarmos em conta a gênese do
material, um processo desta espécie merece ser descrito como
constituindo uma “regressão”. No curso
desta transformação, contudo, os elos lógicos
que até então mantiveram o material psíquico reunido se
perdem.... A restauração das ligações
que a elaboração onírica destruiu é uma tarefa que tem de ser
efetuada pelo trabalho de análise. (nn)
(11)
A perda dos elos lógicos não
seria pois um total aniquilamento ou anulação, mas uma “regressão”
vale dizer, uma redução
projetiva destas ligações a um nível lógico mais primitivo, que
vimos provisoriamente chamando de ‘lógico-onírico’
e o trabalho de análise, um esforço de restauração das
ligações lógicas (clássicas) que a elaboração onírica
destruíra.
Resumidamente: o trabalho de
análise é o trabalho de restauração das ligações lógicas
(clássicas) que o trabalho do inconsciente fizera regredir a um
estado mais primitivo (lógico-diferencial, diríamos agora),
subterfúgio encontrado pelo inconsciente desejante para burlar a
censura que, justamente por isso, teria que ter características
iniludivelmente lógicas (clássica) (12)
Descontada a nossa ênfase retórica,
ainda fica a evidência de que Freud só teve acesso ao inconsciente
porque descortinou o modo apropriado de pensá-lo. Isto fica mais do
que claro na identificação que fez dos processos primários do
inconsciente, condensação e deslocamento, que, não por acaso, são
formalmente isomórficos aos dois modos de realização da lógica da
diferença (13). A mesma conclusão emerge de sua
experiência clínica, especificamente da estratégia de escuta de
seus pacientes neuróticos uma
escuta marcada pela atenção flutuante, único modo capaz de
surpreender o que se desvela/velando-se em sua específica modalidade
contingente.
Em suma, embora não fosse
inteiramente consciente e objetivo na descrição de como operava, o
fato é que Freud conseguiu desvelar o inconsciente, e só o fez
porque, concomitantemente, descobriu o modo próprio de visá-lo
a lógica da diferença. A nosso ver, aí está a essência da
releitura lacaniana de Freud, já corretamente identificada como bem
mais formal e bem menos afetiva do que estaria proclamando o texto
original (14).
Muito provavelmente, o que mais atrapalhou Freud, para que ele próprio pudesse explicitar o lado fundamentalmente lógico de suas descobertas, foi seu apego doutrinário ao cientificismo, diríamos mesmo, ao positivismo, que sabemos bem, estão comprometidos por origem com o exclusivismo lógico-clássico-formal.
2.
Lógica e psicanálise em Hermann
O
primeiro psicanalista a conferir a merecida relevância ao tema
lógica
e psicanálise foi
Imre Hermann, companheiro de Roheim, Ferenczi, Balint e Szondi no
pioneiro e famoso grupo de psicanalistas húngaros. Seu primeiro
trabalho, de 1924, levava já o título Psychanalyse
et Logique,
ao qual seguiu-se, em 1929, Le
Moi et la Pensée (15).
Neste último, Hermann nos diz como lógica e psicanálise poderiam
se auxiliar mutuamente. Por um lado, a psicanálise poderia aclarar
a evolução efetiva do conjunto da ciência da lógica e,
através da antropologia (de inspiração psicanalítica),
fornecer-lhe também um
termo de comparação (16).
Por outro lado,
existiria
na lógica um
caminho conduzindo do material manifesto à compreensão do pano de
fundo psíquico do pensamento lógico.
E mais, a aridez e o caráter mecânico (compulsão à repetição)
de que a lógica é sempre acusada, na verdade, resultaria sim de
suas fundas raízes
acessíveis à psicanálise
no inconsciente dos lógicos
Entretanto,
Hermann, tal como seu mestre Freud e quase toda gente, continuava
confundindo lógica e lógica clássica. Isto veio impedi-lo de
perceber toda a extensão do que realmente estava em jogo na
confrontação lógica e psicanálise. Não eram relações
substanciais secretas entre campos do conhecimento (16),
mas, sim, confrontações lógicas
de um lado, a lógica pública, do socialmente sancionado, lógica do
in-significante, lógica
clássica;
de outro lado, a lógica do recalcado, do mais íntimo, lógica do
in-consciente, enfim, lógica
do significante.
Sem falarmos, naturalmente, noutras lógicas aqui e acolá
intervenientes.
De fato, só da lógica clássica (ou
aristotélica) se poderia dizer como ele o faz que:
...est au service de la défense,
son point de vue est celui d’un Surmoi rigoureux, objectivé
et idéalisé. Elle annonce une morale de la pensée, c’est là
un des traits principaux de cette science. (nn)
(17)
O psicanalista
húngaro sustenta a hipótese que a lógica (clássica) se nos impõe
de duas maneiras. Numa perspectiva individual, ela estaria ligada à
superação do conflito edipiano e, por conseqüência, à própria
constituição do super-ego:
...notre
conception de la science de la logique , en tant que fonction
surmoïque objectivé ...
permettent de conclure que l’humanité a appris la pensée
logico-systématique
en
surmontant le conflit d’OEdipe sur le plan individuel ...(nn)
(18)
Complementarmente,
numa perspectiva coletiva, ela era o produto da sublimação do
pensamento totêmico:
la
science
de la logique
serait un prolongement tardif et pour ainsi dire sublimé
de la façon de penser magico-mystique et totémique.
(nn)(19)
Mesmo equivocado no que tange ao
monopólio da lógica clássica, Hermann consegue explicitar a
dimensão lógica de Totem e Tabu e assim se adiantar às
descobertas da antropologia estrutural
a exogamia como instituidora do ser social (collectif de
l’espèce)
Le
totémisme cherche à surmonter le conflit oedipien par
l’instituition de l’exogamie. La logique
possède-t-elle quelque chose d’analogue
à l’exogamie.
(nn)(20)
Une
deuxième particularité de l’attitude de base de la logique
(aristotélica)
est une certaine visée du
collectif
de
l’espèce.
(nn)
(21)
Il
nous apparaît désormais qu’en ce qui concerne leur forme
(“concept”, “tout”) des éléments
de la pensée logique
(aristotélico) eux-mêmes
ont été élaborés par les conditions de la vie en société, et,
en dernière analyse, par l’instituition
du totémisme.
(nn)(22)
Estaria então a lógica (clássica ou
aristotélica) relacionada com o recalque do desejo incestuoso. O
pensamento lógico-matemático, negando-se ao manifesto (ao mundo da
percepção que jamais se deixa totalizar) e reativamente exacerbando
no formalismo, funcionaria como um mecanismo de defesa contra a volta
do recalcado. Ao fazê-lo, por ironia, acabava se pondo em contato
com o inconsciente que encontrava assim seu caminho de volta, o que
podia representar um sério perigo para o equilíbrio mental do
próprio lógico ou matemático. Vejamos:
L'exemple
de la théorie des ensembles
qui commence à se débarrasser de ses paradoxes
montre clairement le danger
interne de la logique:
obligée de tourner le dos au manifeste, elle le fait avec tant de
rigueur qu'elle finit par se retrouver en contact intime avec
l'inconscient, aveugle
au manifeste.
Cette contradiction interne
détournement et retour au manifeste ,
le ressurgissement, toujours menaçant, du refoulé, est liée à
cette origine. Le formalisme
rigide semble, là encore, représenter une tentative
de défense.
Ou alors la pensée "pure" ne serait-elle effectivement
rien d'autre que l'inconscient profond, dérobé aux perceptions?
(nn)(23)
Hermann
faz uma interessantíssima avaliação psicanalítica da problemática
dos fundamentos da matemática após a descoberta dos paradoxos,
aliás, problemática que pouco mudou de lá para cá. Se
apresentaram então três grandes opções: a logicista (do inglês
Russell), a formalista (do alemão Hilbert) e intuicionista (do
holandês Brouwer).
O logicismo, que sem sucesso tentara
reduzir a matemática à lógica, acreditava que os paradoxos eram
fruto de uma circularidade, aquela de se permitir a promiscuidade dos
níveis onto-lógicos (algo podendo ser, ao mesmo tempo, todo e
elemento de si mesmo).
Como remédio contra a emergência dos
paradoxos propunha então a instituição de uma teoria dos tipos
(níveis onto-lógicos) de sorte que cada totalização só poderia
ser re-totalizada num nível lógico superior, e assim
sucessivamente. Buscava-se assim debilitar a noção de todo através
de uma estratégia de interdição, que a tornava eternamente
provisória, como aquela que se vê sempre adiada. Isto iria
caracterizar uma síndrome fóbica, ou seja, uma disposição
caracterizadamente histérica:
On peut, en outre, observer que
l’interdiction, la restriction et l’évitement
soint, en psychopathologie, l’expressiond’une attitude aux prises
avec des mécanismes liésau réfoulement, mécanismes qui se
manifestent dans les phobies, et tout particulièrement les phobies
d’animaux qui constituent une forme d’hystérie.(nn)
(24)
Já os intuicionistas achavam que os paradoxos se originavam nas demonstrações por absurdo, onde o princípio do terceiro excluído é posto a operar em âmbito infinito. A solução seria pois a abstenção do uso do aludido princípio o que exigia doravante provas positivas. Isto tornava as demonstrações matemáticas excessivamente (segundo os rivais, desnecessariamente) complexas, porque sempre exaustivas. Segundo Hermann, se revelava ali o recôndito temor da inopinada emergência da realidade (da realidade dos paradoxos). Brouwer, era assim acusado de:
...
compliquer
à l’excès
les deductions logiques. ...Cette simple remarque permet déjà une
comparaison entre le mode de pensée
intuitionniste
et la pensée caractéristique de la
névrose obsessionnelle.
(nn)(25)
Oui
plus est, le sensible réprimé réapparaît à un niveau supérior
dans les vision intellectuelles, dans l’intuitionnisme.
(26)
Por
fim, os formalistas adotavam a mais perigosa das opções,
simplesmente virando o rosto à realidade, vale dizer, à semântica,
refugiando-se no gélido reino da sintaxe, no puro jogo de traços
significantes, o que vinha revelar uma inequívoca propensão
psicótica esqizofrênica:
A
titre de hypothèse, on peut remarquervque la froideur abstraite que
l’on rencontre dans l’oeuvre de Hilbert, ainsi que les limites
qu’il s’impose, évoquent certaines caractéristiques de la
pensée schizoïde. En effet, la froideur, la distance par rapport au
monde et le manque de compréhension sont cractéristiques de
l’attitude schizoïde. (27)
Em
resumo, as três estratégias de enfrentamento dos paradoxos,
respectivamente logicismo, intuicionismo e formalismo, traduziam,
respectivamente, atitudes histéricas (logico-dialética), obsessivas
(lógico-clássica ou formal) e esquizofrênicas
(lógico-identitária). Se lembrarmos que Cantor, o inventor da
teoria dos conjuntos, sucumbiu a uma desagregação
maníaco-depressiva (28),
chegamos à conclusão que Hermann tinha alguma razão quando nos
advertia dos perigos
internos da lógica,
por dever de ofício, obrigada a tão íntimos contatos com o
inconsciente.
3. Lacan e as lógicas
A
maioria dos psicanalistas permanece, quando muito, na literalidade
das formulações lacanianas, o que nos parece um evidente sinal de
insegurança. Por isto mesmo é que os vemos freqüentemente apelando
a uma suposta autoridade dos lógicos profissionais. De parte destes,
entretanto, o que se nota é uma atitude de extrema defesa: de modo
quase unânime, em seu próprio círculo, rejeitam as formulações
lógico-lacanianas como sendo até pouco sérias. Fora do âmbito
estritamente acadêmico, porém, assentem em abordar o tema,
atendo-se, entretanto, ao mero aspecto sintático daquelas
formulações. Sobre a lógica do significante nada comentam;
particularmente sobre os famigerados matemas
asseveram que não se constituem em formulações lógicas
estritamente canônicas.(29)
Com
uma sonsa condescendência, sugerem modificações ad
hoc nas
regras sintáticas usuais de modo a tornar fisionomicamente
aceitáveis as ditas formulações, sem no entanto ligarem a mínima
para as conseqüências de ordem semânticas que poderiam daí advir.
Mesmo sabendo que os matemas se propõem à importante missão de
traduzir as alternativas da sexualidade humana, não se pronunciam.
Sobre
a interpretação das modalidades aléticas, o completo silêncio.
Aliás, é prova de uma certa ingenuidade esperar qualquer
esclarecimento de formalistas sobre formalismos; não fossem estes,
justamente, aqueles que transformam uma disposição psicótica
esquizofrênica em respeitada especialidade acadêmica!
Nossa
questão fundamental aqui será, pois, Lacan e a lógica, desdobrada
em: qual o verdadeiro estatuto da lógica do significante? o que
significam os matemas? e onde residiria a novidade na concepção
lacaniana das modalidades aléticas (possível, necessário,...).
Porém, cuidando de inverter a abordagem corrente que se lhes vem
dando. Elas são de fato questões, entretanto, o que nelas há de
problemático provêm menos Lacan e muito mais da total
insensibilidade dos lógicos acadêmicos para com tudo que resiste à
sua rígida formalidade.
3.1
A lógica do significante como lógica da diferença
Não passará muito tempo até que as expressões
lógica
da diferença
e lógica
do significante
venham a se incorporar ao jargão do cotidiano acadêmico e serem
consideradas expressões quase sinônimas, do mesmo modo como o são
hoje lógica dialética e lógica da História (Hegel/Marx). A
diferença das denominações nos dois casos devendo-se, apenas, à
diferença de perspectivas: de um lado o pensar (operatório), de
outro, o pensado (produto).
Que
a lógica da diferença pense o significante é uma conseqüência
quase que natural da velha postulação platônica (30)
que apontava a dialética (pensar síntese do pensar do um e do
múltiplo, do idêntico e do diferente) como sendo o modo próprio de
visar a idéia, o conceito ou o signo. Desconsiderar ou colocar entre
parênteses a significação do signo é desfazer-se do seu “lado”
imaginário para ficar apenas com o seu “lado” significante, com
o seu traço diferencial.
Por
que, nesta operação redutora, não retornamos simplesmente à res
extensa
de onde proveria o significante? Porque agora, o traço
lógico-diferencial, mesmo apartado de sua significação, permanece
susceptível de uma articulação gramatical (simbólica, na
terminologia lacaniana) de natureza humano-convencional e não apenas
física como acontecia com a res
extensa.
Examinando-se um jornal finlandês (não sendo naturalmente um
natural de lá), nada compreendemos, mas não temos qualquer dúvida
de que tudo ali deve estar ordenado segundo leis convencionais, isto
é, por uma gramática. É claro que só para iludir-nos alguém
poderia ter impresso um jornal caótico, se valendo para tanto de um
programa de computador que gerasse seqüências aleatórias de
palavras finlandesas e depois blocos de frases. Não importa:
valendo-nos de um programa ainda mais potente poderíamos descobrir
que de fato não se trata de um jornal finlandês, mas da simples
tagarelice de um computador ainda assim dotado de uma “gramática”
(o “gerador de aleatoriedade”) que se poderia pretender
agramatical, mas que em essência jamais o pode ser.
O
significante estaria assim para a esfera do ser subjetivo/
discursivo/humano assim como a res
extensa
está para a esfera do ser objetivo/simbólico/animal, conquanto
estejam ambos sendo necessariamente pensados pela mesma lógica da
diferença.
Vale
lembrar que o significante é precisamente aquele que vale na medida
em que se retira remetendo a outro, por isso, sua lógica é a lógica
do que não é o mesmo, mas pelo outro, ou seja, lógica da
diferença.
Para
reforçarmos ainda mais a tese da equivalência das expressões
lógica
da diferença
e lógica
do significante,
lembramos que a primeira tem como valores de verdade o verdadeiro, o
indeterminado e o falso representados por 1, 0 e -1, uma essencial
estrutura especular
(31).
Com isto, ficam definidos apenas dois modos excludentes de negação,
conforme se venha definir a negação do zero (32).
São elas:
Negação Negação
paraconsistente paracompleta
D(0)
= 1 D(0) = -1
x
D(x) D(D(x) D(D(D(x) x D(x) D(D(x) D(D(D(x)
1
-1 1 -1 1 -1 1 -1
0
1 -1 1 0 -1 1 -1
-1 1 -1
1 -1 1 -1 1
D(x)
= D(D(D(x))) D(x) = D(D(D(x)))
A negação de um indeterminado estado zero que leva ao verdadeiro obriga que o interpretemos como sobre-determinado, concomitantemente, verdadeiro e falso. A propósito, ver parte esquerda da figura 1. A negação do estado zero que leva ao falso, obriga que o interpretemos como sub-determinado, nem verdadeiro nem falso. Ver parte direita da figura 1.
Figura
1. Negações paraconsistente e paracompleta
Ainda
no âmbito da trivalência
a única que aqui reconhecemos como de significação realmente
lógica
são possíveis também duas representações para a implicação,
uma paraconsistente e outra paracompleta ou intuicionista, a saber:
s
1 0 -1 p
1 0 -1
1
1 1 -1 1 1 -1 -1
0
1 1 -1 ou 0 1 1 1
-1
1 1 1 -1 1 1 1
Apenas
a negação e a implicação, escolhidas coerentemente – ambas
paraconsistentes ou ambas paracompletas –, são suficientes para
definir toda uma estrutura axiomática da lógica da diferença
proposicional (33).
Elas seriam obviamente duas: uma, que podemos denominar realização
paradoxal, paraconsistente, depressiva ou, enfim, como tendo a ver
com a condensação;
outra, que podemos denominar realização intuicionista,
paracompleta, maníaca ou, enfim, como tendo a ver com o
deslocamento.
Em suma, as realizações da lógica da diferença, paraconsistente e
paracompleta, constituem-se nos dois modos formalizados do processo
primário inconsciente, respectivamente, condensação e
deslocamento.
3.2.
A lógica dos matemas
Lacan
introduziu a noção de “matemas da sexuação”
que, segundo ele, seriam expressões verdadeiramente formais e únicas
portadoras eficazes na transmissão de um saber analítico. A
expressão “sexuação” serve à distinção “onto-lógica”
que se deve fazer entre a sexualidade humana e a sexualidade
propriamente animal (34).
Os
matemas são expressões de óbvia fisionomia lógico-formal que, no
entanto, no discurso lacaniano, assumem uma significação inusitada.
Assim, por exemplo, qualquer lógico ou matemático reconheceria as
expressões x(x)
(a todo elemento x cabe o predicado )
e ~x~(x)
(não existe qualquer x ao qual convenha o predicado não-).
Todos concordariam, também, em que suas significações são
idênticas: ‘todo homem é mortal’ tem o mesmo sentido que
‘nenhum homem é imortal’. Bem, Lacan lê estas fórmulas do
mesmo modo, mas as considera como portadoras de significações bem
diversas. De que se trataria então?
Poderemos
chegar a uma resposta muito precisa acerca da lógica dos “matemas
da sexuação”, se dividirmos previamente a questão em três
partes, a saber:
1º
A que lógica em geral pertencem as expressões matêmicas?
2º
A que lógica ou lógicas cada uma das expressões matêmicas se
refere?
3º
Por que se pode expressar as alternativas da sexualidade humana pelos
pares diagonais do quadripolo matêmico?
A
primeira questão é de natureza essencialmente sintáxica e por
certo a de mais fácil resposta. A exclusão feita já pelo próprio
Lacan de que seus matemas sejam expressões da lógica aristotélica
(lógica do terceiro excluído ou da dupla diferença), aliado ao
fato de pertencerem a uma lógica mais fraca que esta, não nos
deixam alternativas: eles são expressões bem
formadas
do cálculo de predicados da lógica da diferença, vale dizer, da
lógica do significante. Só na lógica da diferença as
expressões x
(x)
e ~x~(x)
não são sinônimas (35),
o mesmo acontecendo com o par ~x
(x)
e x~(x),
tal como requer Lacan.
A
resposta à nossa segunda questão, de natureza semântica, é um
pouco menos óbvia que a primeira, mas não apresenta dificuldades
extremas. No contexto lacaniano as expressões x
(x)
e x~(x)
referem-se a modos de pensar necessariamente complementares: para que
seja afirmada a lei humana, ou seja, que todos os x estejam sob o
império do disposto em ,
é preciso que um x se constitua exceção, isto é, que pelo menos
um x se mantenha em ~
para de lá impô-la a “todos” os outros. Ora, este poder de
escapar a qualquer limitação (ou a qualquer predicação) é a
transcendência que justamente caracteriza a lógica da identidade
(I2
= I). Do outro lado se tem a lógica clássica, fazendo de conta que
pode tudo abarcar e que se caracteriza, entre outras coisas, pela
obediência ao princípio da identidade (I=I). Fica aí bem visível
que o princípio da identidade clássico (I=I) é tão apenas a
neeutralização ou a mumificação do verdadeiro princípio da
identidade transcendental (I2=I),
o que vem justamente evidenciar a complementaridade destas duas
lógicas. Em suma, x
(x)
e x~(x),
embora expressões do cálculo de predicados da lógica da diferença,
têm aqui uso metafórico, designando modos complementares de ser
lógico, respectivamente, a lógica clássica ou formal (lógica da
lei enquanto tal) e a lógica transcendental ou da identidade (lógica
do pai simbólico instituidor da lei).
Isto
posto, não é difícil perceber que a expressão ~x~(x)
refere-se a um pensar da totalidade absoluta (da História ou do
Conceito), um pensar para o qual não há qualquer x que lhe escape.
Trata-se, sem dúvida, da lógica dialética. Resta-nos apenas a
expressão ~x(x),
complementar à anterior. Afirmada a totalidade absoluta, estará
necessariamente pressuposta uma falha ou uma dobra “interna” que
pode permanentemente renovar a negatividade e manter viva a própria
dialeticidade. Caso contrário o Absoluto iria se confundir com o Um,
matando qualquer possibilidade de um autêntico devir. Assim, se de
fato não ocorre qualquer x em ~,
ou seja, se ~x~(x)
é preciso complementarmente que nem todo x se submeta ao imperativo
da lei ,
ou seja, que ~x(x).
Em suma, ~x~(x)
e ~x(x),
embora expressões do cálculo de predicados da lógica da diferença,
têm aqui uso metafórico, designando modos complementares de ser
lógico, respectivamente, a lógica dialética e a lógica da
diferença.
A
circunstância de todos os matemas serem expressões da lógica da
diferença, e mais, do matema ~x(x)
designar esta mesma lógica, confere-lhe um estatuto todo especial,
fato este sobejamente enfatizado por Lacan. Note-se, ademais, que ao
contrário da lógica clássica que requer uma metalógica para a ela
referirmo-nos, a lógica do significante é, como se acabou de ver,
sua própria metalógica. Não tem sentido, pois, falar em metalógica
para a lógica do significante, fato este também assinalado por
Lacan: não existe, na circunstância, o Outro do Outro (36).
Por tudo isto é que Lacan, para as suas elucubrações, não podia
mesmo se valer da lógica aristotélica.
Em toda esta interpretação lógica a
função (por Lacan chamada
função fálica) eqüivale em termos lógicos à predicabilidade
genérica, isto é, representa
um predicado qualquer P, não importando que P seja positiva ou
negativamente definido. Por exemplo, a expressão x~(x)
quer dizer que existe um x que escapa a todo e qualquer predicado.
Note-se que é justamente esta interpretação que autoriza que se
faça alusão aos teoremas de Gödel (incontornável imcompletude dos
sistemas formais interessantemente complexos) para bem caracterizar a
relação entre as expressões x
(x) e x~(x).
Chegamos agora à nossa terceira
questão? Por que os pares de matemas designam apropriadamente as
alternativas da “sexuação”? É uma evidência biológica que as
mulheres são telescópicas, saem umas de dentro das outras,
indefinidamente. Em termos lógicos, o feminino tem, pela
maternidade, o monopólio da continuidade histórica o que eqüivale
dizer que ser faminina é assumir a lógica dialética [~x~(x)].
Isto impede que o feminino se comprometa com a transcendentalidade da
consciência/projeto, ficando obrigado a optar pelo decantado pensar
intuitivo (ora paradoxal, ora intucionista), que em termos lógicos
pode ser expresso pelo comprometimento com a lógica da diferença
[~x(x)].
Por força de simetria, caberão ao
masculino as lógicas da identidade [x~(x)]
e a clássica [x (x)].
O ser-masculino é o próprio ser cartesiano, o ser da modernidade:
na cabeça, sempre algum projeto (lógico- transcendental) a
serviço da eterna reprodução do mundo geometrizado/calculável
(lógico-formal). É bom lembrar que a imposição da modernidade
fez-se, de um lado, com a sobre-valorização do masculino, da
racionalidade clássica (ciência) e da autonomia projetiva (sujeito
liberal) ; por outro lado, se fez também pela sub-valorização ou
recalque da feminilidade. Como o desejo é o desejo do outro –
ensinou-nos Hegel e agora Lacan – a tarefa precisou ser executada
no outro sexo, vale dizer, através de quatro séculos de ingentes
esforços para aquietar ou resfriar a sexualidade feminina: foi a
época da caça às bruxas, enfim, do recalque da lógica dialética
(a História transmudada em acumulação de capital) e da lógica da
diferença (o inconsciente domesticado pelo marketing) (37).
A figura 2 resume as correspondências até aqui desveladas entre
matemas e lógicas.
É evidente que masculino e feminino
são os dois únicos modos possíveis de realização da
subjetividade plena, ou seja, da lógica hiperdialética
qüinqüitária, síntese das lógicas da identidade (I), da
diferença (D), da dialética (I/D) e da clássica ou da dupla
diferença (D/2) (38). Esta só pode ser
realizado, pois, através de (I)/(D/2), isto é, pelo
masculino, ou por (I/D)/(D), isto é, pelo feminino. Assumindo-se
ainda que I seja a lógica do sujeito da enunciação, D, a lógica
do significante, I/D, a lógica do signo, D/2, a lógica
da gramática e por fim, I/D/2 a lógica do discurso pleno
articulado, podemos repetir Lacan, afirmando que, na verdade,
masculino e feminino são os dois únicos modos possíveis de
inserção no discurso (39).
Lógica
da diferença Lógica clássica ou
ou
do significante da dupla diferença
~x(x)
x
(x)
MASCULINO
FEMININO
x~(x)
x~(x)
Lógica
da identidade Lógica dialética
ou
transcendental
Figure
2. Lógicas versus
matemas
A adjudicação sexo-lógica de Lacan,
vê-se, é perfeita e definitiva.
3.3.
As modalidades como modos de ser lógicos
As modalidades aléticas
necessário, possível, impossível e contingente
originariamente estavam vinculadas à questão do futuro contingente.
Perguntava-se: a proposição ‘acontecerá amanhã, em tal sítio,
uma batalha’ deve ser tida, hoje, por verdadeira ou falsa? Seria
natural, a nosso juízo, que tal situação levasse à concepção
das modalidades como valores de verdade (40). O valor de
verdade da proposição acima poderia ser:
- necessário, no sentido do logicamente verdadeiro, ou seja, verdadeiro sejam quais forem as circunstâncias;
- impossível ou logicamente falso, se as circunstâncias hoje
já presentes impedem que a batalha venha a ocorrer mesmo amanhã;
- possível, caso não esteja ainda configurada a impossibilidade da batalha;
- contingente, caso considerações apenas lógicas sejam insuficientes para dirimir a questão em favor do falso.
Em
suma, os valores de verdade não seriam mais bivalentes, mas
tetravalentes em função da “multiplicação” do par
verdadeiro/falso pelo par dos modos de sua determinação,
lógico/empírico. Ter-se-ia então os seguintes valores de verdade:
- verdadeiro = lógica ou empiricamente verdadeiro
- falso = lógica ou empiricamente falso
e
ainda os valores propriamente modais
- necessário = logicamente verdadeiro
- impossível = logicamente falso
- possível = verdadeiro e/ou empiricamente falso
- contingente = falso e/ou empiricamente verdadeiro
Por
força de uma pura obsessão formalista, acreditamos, as modalidades
têm sido axiomatizadas dentro dos estreitos limites da lógica
clássica, através da introdução de um operador modal. Este pode
ser, por exemplo, o operador N (necessidade), de sorte que dada a
proposição p, (vai chover amanhã) gera-se a proposição Np (é
necessário que chova amanhã). As demais modalidades são
introduzidas por definição, no caso:
impossível
=d
N~p (é impossível chover amanhã = é necessário que não chova
amanhã)
possível
=d
~N~p (é possível que chova amanhã = não é necessário que não
chova amanhã)
contingente
=d
~Np (é uma contingência que venha chover amanhã = não é
necessário que chova amanhã)
e ainda os axiomas:
Np p (se é necessário que chova amanhã então vai chover amanhã) e
N(p
q)
(Np
Nq) (se é necessária que chovendo amanhã, então, a temperatura
vá descer depois de amanhã, então sendo necessário que chova
amanhã então é também necessário que a temperatura vá descer
depois de amanhã)
A
introdução da modalidade como operador dentro dos limites da lógica
clássica, que faz do sistema modal uma simples extensão da lógica
proposicional clássica, a nosso juízo, trai completamente o
espírito de como foi levantado a questão das modalidades, pois, por
trás de tudo, se manteria ainda válido o princípio de terceiro
excluído.
Deve-se
a Lacan uma idéia revolucionária
parece-nos, a que melhor capta o sentido implícito das modalidades
,
que é concebê-las como modos de ser lógico. Cada modalidade
estaria associada a uma lógica: quatro modalidades aléticas para
quatro lógicas de base. (41).
Para justificarmos tal correspondência, basta tomarmos os matemas
como termos intermediários.
Embora
dispersa em diversos textos (42),
não existe a menor ambigüidade com respeito à correspondência
entre modalidade
e matemas
da sexualidade
segundo Lacan. Ela é a seguinte:
~x(x)
x(x)
CONTINGENTE
POSSÍVEL
x~(x)
~x~(x)
NECESSÁRIO
IMPOSSÍVEL
Ora,
como anteriormente estabelecemos a correspondência dos matemas às
lógicas, podemos, apelando à elementar propriedade da
transitividade, deduzir de pronto a correspondência das lógicas às
modalidades. Teríamos então:
Lógica
da diferença Lógica clássica ou da
ou
do significante dupla diferença
CONTINGENTE
POSSÍVEL
L.ógica
da identidad Lógica dialética
ou
transcendantal
NECESSÁRIO
IMPOSSÍVEL
Eis
aí mais uma lição que os lógicos acadêmicos podem tirar do
ensino lacaniano: as modalidades não são internas a uma lógica,
ainda menos quando esta é a lógica clássica; as modalidades, na
verdade, são uma característica fundamental de cada um dos
modos-de-ser-lógico
ou, equivalentemente, dos modos-de-pensar.
NOTAS
- Sétimo artigo de uma série sobre o tema lógica da diferença publicados na Revista Brasileira de Filosofia, fasc. ......, São Paulo, 1999.
- SAMPAIO, L. S. C. de Lacan e as Lógicas in Sete Ensaios a Partir da Lógica Ressuscitada, Rio de Janeiro, Ed. UERJ, 1999 (no prelo)
- Novo em termos afirmativos e psico-estruturais, pois, havia muito, Pascal, Kierkegaard, Schopenhauer e Nietzsche, por diferentes caminhos, já davam testemunho da existência de uma razão outra que a transparente razão cartesiana. Ver L. S. C. de Sampaio, Lógica da Diferença em RBF, fasc. 1999.
- FREUD, S. A interpretação de Sonhos, in Obras Psicológicas Completas, v. IV e V, Rio de Janeiro, Imago, 1969.
5.
FREUD, S. Esboço
de Psicanálise
in Obras
Psicológicas Completas, v. XXIII,
Rio de Janeiro, Imago, 1975. p. 195.
6.
A
Questão da Análise Leiga
in FREUD S. Obras
Psicológicas Completas v. XX,
Rio de Janeiro, Imago, 1976. pp.278 e 286.
7.
FREUD, S. A
interpretação de Sonhos,
in Obras
Psicológicas Completas,
v.
V,
Rio de Janeiro, Imago, 1969. p. 701
8.
ibid.
p. 699
9.
ibid.
p. 700
10.ibid.
p. 699.
11.ibid.
p. 699.
12.
Veremos adiante, corroborando o que dizemos, Imre Hermann estatuir a
lógica clássica (do terceiro excluído) como sendo a lógica
própria do super-ego.
13.SAMPAIO,
L. S. C. de Realizações
Paraconsistente e Paracompleta da Lógica da Diferença,
RBF, fasc. ....,1999. A lógica da diferença possui três valores de
verdade: verdadeiro, falso e indeterminado. Sendo este último
sobredeterminado, concomitantemente verdadeiro e falso, ou seja,
paradoxal, sua negação será verdadeira, dando origem assim à
variante paraconsistene da lógica da diferença. No caso de uma
subdeterminação, isto é, do indeterminado que não é verdadeiro
nem falso, sua negação será falsa, o que vai dar origem à
variante paracompleta ou intuicionista da lógica da diferença.
14.GREEN,
André. Le
Discurs Vivant
– La
Conception Psychanalytique de l’Affect. Paris,
PUF, 1973. pp. 6-7.
15.
HERMANN, Imre. Psychanalyse
et Logique.
Paris, Denoël, 1978. Onde se encontram reproduzidos os dois
trabalhos citados Psychanalyse
et Logique e
Le moi e la pensée.
16.
O termo de referência para a lógica a que o autor se refere aqui é
o domínio do “pré-lógico”, que teria sido descoberto por
Lévy-Bruhl. Isto foi contestado por Lévi-Strauss, que teria
demonstrado, através da análise das relações de parentesco e dos
mitos, a equivalência lógica de todas as culturas. Não poderemos
entrar em detalhes, porém, basta reparar nas aspas envolvendo o
pré-lógico para, pelo menos, desconfiar que o autor não quer se
referir a ‘destituído de lógica’, mas, sim, a ‘dotado de
uma outra
lógica’. HERMANN, Imre. Psychanalyse
et Logique.
Paris, Denoël, 1978. p 112
17.
ibid.
p. 114
18.
ibid.
p. 117
19.
ibid.
p. 116
20.
ibid.
p. 120
21.
ibid.
p. 115
22.
ibid.
p. 131
23.
ibid.
p. 124
24.
HERMANN, IMRE. Parallélismes.
Paris, Deoël, 1980. p. 248
25.
ibid.
p. 256
26. HERMANN, Psychanalyse
et Logique. op. cit. p. 12327. HERMANN, IMRE. Parallélismes. Hermann, op. cit. p. 265
28.
Este diagnóstico está em Hermann (Parallélisme,
op. cit., pp. 227-242) e é citado por Nathalie CHARRAUD, Infini
et Inconscient –
Essai
sur Georg Cantor.
Paris, Anthropos-Economica, 1994. Este último é um
interessantíssimo trabalho sobre Cantor e suas concepções sobre o
infinito, que consegue dar continuidade à linha de pesquisa
inaugurada por Hermann. Só poderia ser feito, obviamente, por alguém
com sólida formação matemática e analítica (lacaniana), como é
o caso da autora.
29.
Podemos tomar como exemplo recente Andréa Loparic, com seu artigo
Les
négations et les univers du discours,
em AVTONOMOVA, N. et
allii.
Lacan
avec les philosophes.
Paris, Albin Michel, 1991, particularmente pp. 239-243.
30.PLATÃO.Théétète,
Parménide.
Paris, Flammarion,1967.
31.
...
o significante é primeiro aquilo que tem efeito de significado, e
importa não elidir que, entre os dois, há algo de barrado a
atravessar. LACAN,
J. O
Seminário, Mais, ainda.
L. 20 Rio de Janeiro, Zahar, 1982. Acrescentaríamos que os valores
de verdade 1, 0 e –1 são uma representação formal exata da
reflexão especular, onde 1 e –1 representam o objeto e sua imagem
invertida. Dado o efeito catóptrico, isto é, a inversão da imagem
especular, objeto e imagem só poderão se encontrar se uma deles
virar do avesso, e o valor zero representa este “barra” que faz
obstáculo à inversão.
32.
Para maiores detalhes ver SAMPAIO, L. S. C. de . Realizações
Paraconsistente e Paracompleta da Lógica da Diferença. RBF,
fasc. ... 1999.
33.
ibid.
34.
LACAN, J. O
Seminário, Mais, ainda.
L. 20 Rio de Janeiro, Zahar, 1982.pp. 105-143
35.
SAMPAIO, L. S. C. de Realizações
paraconsistente e paracompleta da lógica da diferença, op. cit.
36.
LACAN, J. O
Seminário, op. cit. p.
109
37.
SAMPAIO, L. S. C. de Noções
de Antropo-logia..
Rio de Janeiro, UAB,1996.
38.
As expressões I, D, I/D etc. são apenas uma taquigrafia, uma
simbologia mnemônica para designar as diversas lógicas
da tradição.
Existiriam duas lógicas fundamentais: I (lógica
transcendental ou da identidade)
e D (lógica
da diferença).
As demais lógicas seriam delas derivadas através da operação de
síntese
dialética generalizada
simbolizada por “/ ”. Teríamos, então, I/D (lógica dialética),
D/D=D/2
(lógica
clássica),
I/D/D=I/D/2
(lógica
hiperdialética
ou qüinqüitária)
etc. Na esfera mundana, a ultima é por nós considerada a lógica
própria e exclusiva do ser humano.
39.
LACAN, J. O
Seminário, op. cit. p.
107
40.
SAMPAIO, L. S. C. de,
Pequeno Ensaio sobre as Modalidades Aléticas in Noções Elementares
de Lógica, Tomo II. Rio
de Janeiro, IC-N, 1989.
41.
Lógicas de base são as quatro lógicas subsumidas pela lógica
hiperdialética qüinqüitária
da identidade (I), da diferença (D), dialética (I/D) e clássica
(D/2).
Ver também nota 37 anterior.
42.
LACAN, J. O
Seminário, op. cit. pp.
80-84 e 126-135
Nenhum comentário:
Postar um comentário