Conhece-te
a ti mesmo.
Inscrição
no frontispício do Templo de Delfos
Seria,
sem dúvida, uma grave omissão encerrar esta nossa série de textos
sobre a lógica da diferença, sem trazermos antes uma palavra sobre
as repercussões que o seu desvelamento, já tardio, pode ou deveria
ter sobre a nossa educação. Dado o papel que este desvelamento
representa para a compreensão e reordenação geral do território
lógico, fica aqui implícito que na maioria das oportunidades em que
estivermos falando do ensino da lógica da diferença, estaremos
também nos referindo ao ensino das lógicas em geral, salvo nos
casos em que isto esteja expressamente excepcionado.
Dedicaremos
um primeiro item à tarefa de sumariar o que significa, para nós, o
desvelamento da lógica da diferença e os dois itens subsequentes
para delinear uma orientação geral para o ensino da lógica,
incluída naturalmente aí a lógica da diferença; primeiro, no
sistema de educação geral (segundo grau), depois, em alguns dos
principais campos de saber especializado, acadêmico ou não.
1.
Significação do desvelamento da lógica da diferença
O
desvelamento da lógica da diferença
falamos de sua identificação, nomeação, determinação de seus
principais traços operatórios, de seus valores de verdade, de suas
relações com outras lógicas, de seus correlatos entes-visados,
chegando-se mesmo aos procedimentos para sua axiomatização até
onde seja ela possível é bem
mais do que um simples episódios na história da lógica: ele é,
sem dúvida, um acontecimento maior da história da cultura.
Os
gregos ao se inventarem a desvelaram e fizeram pátria; e por
vivê-la aos extremos puderam deixar-nos de herança um imenso
território filosófico conquistado e o teatro – a comédia e a
inigualável tragédia. Os romanos civilizadores a assumiram
explorando-a por séculos até as suas últimas conseqüências
funcionais e fundiárias. A cultura cristã medieval trinitária,
para fins de sua própria ereção, de par com a lógica do Deus
único, a subsumiu: assim, por um lado, necessariamente a recalcou,
por outro lado fez de seu gasto ente-correlato
os corpos a “matéria prima”
de seu desejo de trans-formação-espiritual do mundo, como podemos
ainda hoje comprovar, contemplando, em sua aterradora quietude
intrínseca museologicamente amplificada, o enorme acervo de arte
sacra românica ocidental e oriental bizantina (2).
Entretanto, será apenas na Modernidade
já deixando de ser apenas cultura para dobrar-se e desdobrar-se
também em civilização planetária ,
no afã de compreender o seu próprio mal estar, obrigada por isso a
revolver as próprias entranhas, que se irá conseguir representá-la
enquanto tal, como saber do não-saber de si, com certa objetividade
e mesmo com laivos de formalismo, como pede a época. Isto ocorre por
tortos caminhos coetâneos à própria edificação da Modernidade,
em que se envolveram, por ordem de entrada em liça, Pascal, o
primeiro não(não(moderno)), seguindo-se Kierkegaard, Nietzsche,
Freud e toda sua corte de êmulos maiores e menores, Heidegger, seus
discípulos e cortejadores, muito especialmente o mestre Lacan e
ainda Deleuze, Foucault, Derrida, Rosset e tantos outros (3).
Teríamos que mencionar também aqui, mais recentes, os dissidentes
da própria lógica da dupla diferença hegemônica, que formam a
corporação acadêmica dos lógicos desviantes, onde se contam
intuicionistas (paracompletos) e paraconsistentes (4).
Recordemos
que num primeiro momento a Modernidade, para se afirmar, precisou
recalcar as lógicas femininas, a dialética e a lógica da
diferença – foi a época da caça às bruxas ,
para só num segundo e terceiro momentos reintegrá-las de cabeça
para baixo, já convenientemente desnaturadas, domadas e degradadas
(5).
Na
primeira fase da modernidade consolidada instala-se o capitalismo de
produção, a que se vem integrar a história, porém, não a
história visada pela dialética, mas sim a história degenerada,
pré-calculada, a que chamamos progresso, simples processo de
acumulação de capital.
A
partir dos primórdios do século XX entramos no período do
capitalismo de consumo, a que se vem integrar já agora o desejo,
porém, não o desejo visado pela lógica da diferença, mas sim o
desejo também degenerado, pré-fabricado, mera demanda induzida
pelo marketing. Nesta segunda fase da Modernidade, o poder
econômico não se consubstancia mais no controle dos fatores de
produção maquinário,
matérias primas, operários e polícia política ,
mas sim no controle dos meios de comunicação, meios de
apropriação do imaginário das grandes massas consumidoras
(entra-se na era do etnocídio intencional globalizado).
Nada
disso, contudo, poderia ter acontecido sem o desvelamento da lógica
do inconsciente e o subsequente desenvolvimento das técnicas de sua
manipulação, de que o marketing é de fato a grande
industria e a psicanálise, um mercadinho paralelo e artesanal.
Não
foi por acaso que nasceram quase juntas, na mesma Viena e mesma
valsa, primeiro, lá pelo último quartel do século XIX, a escola
neo-clássica ou marginalista de Menger e compatriotas, continuada
por Walras, Jevons, Pareto e outros mais (6), que desloca
o foco da teoria econômica da oferta (ou produção) para a demanda
(ou consumo), e, poucas décadas depois, a psicanálise, que desloca
a direção de busca pela compreensão da alma humana do consciente
intencional para o inconsciente desejoso.
Talvez,
seja justamente por sua condição de cultura governada pela lógica
da dupla diferença que a Modernidade tenha sido capaz de se
reconhecer também cultura da lógica da simples diferença
recalcada. Em termos psicanalíticos, é como se apenas na era do
superego imperante se se pudesse dar conta de um id de origem,
sufocado (7).
O
reconhecimento da lógica da diferença, em média, não significou
qualquer liberação; até pelo contrário, seu reconhecimento e
especialmente a compreensão de seu modus operandi foi um
pré-requisito para a ainda maior repressão ao seus correlatos
entes-pensados, quaisquer que fossem: a matéria desintegrada e
medida, o corpo esquadrinhado e operado por todos os furos naturais
ou produzidos e o inconsciente reduzido a só lugar de procedência
de pesadelos e de sintomas mais e mais intensos, menos e menos livres
em suas associações, pois surgem hoje já sectariamente
pré-etiquetados, segundo a aguda observação de Slavoj Zizek (8).
Por
que não reagimos?! Tão simplesmente porque não queremos abrir mão
da Modernidade (especificamente da Ciência), pois seria isto
desfazermo-nos da nossa própria essência meta-física e ao mesmo
tempo renunciar à nossa crença na vida eterna, todos os dias
prometida nos jornais e TVs, através da biopirotecnologia. A
superação da Modernidade, entrada em fase de pouca criatividade e
muita força bruta, logicamente, terá que se constituir numa
revolução cultural, que só se irá consumar por força da
mobilização das mais excelsas potencialidades humanas,
especificamente, do nosso constitutivo acervo lógico-qüinqüitário.
É
uma ilusão imaginar que algo possa ser feito mantendo-nos submersos
no âmbito de uma cultura comprometida com o recalque cada vez mais
asfixiante das lógicas femininas, em particular, da lógica da
diferença.
Não
pode haver mais, nem mesmo, a ilusão das ideologias, pois já
pudemos constatar sua congênita impotência na medida que se propõem
apenas à acanhada troca de sujeito, deixando intocado o poder da
ciência (9). É preciso que abandonemos de vez os ideais
neoliberais, sociais-democratas, vétero e neo-fascistas, das
esquerdas exangues, tanto reformistas quanto revolucionárias, pois
são todos, de algum modo, a mesma coisa: nada mais propõem senão a
modernidade com justiça social, a acumulação de capital
re-calculada, o mercado desembestado, mas sujeito a regras ou até
planejado, a ciência com ética e outras variantes do círculo
quadrado.
Nem
é mais suficiente a crítica à metafísica se acabando em essência
da técnica (Heidegger), nem a crítica da indústria da comunicação
de massa (Escola de Frankfurt), que de fato vão além das
ideologias, mas não o suficiente para se constituírem em instâncias
de uma verdadeira crítica da cultura a nível de seus determinantes
lógicos profundos. O que precisamos é justamente de uma crítica
radical da cultura, potente para iluminar os verdadeiros caminhos
para a cultura nova lógico-qüinqüitária. Precisamos de uma
etno-logia da cultura emergente e não de uma etnologia apenas das
culturas em extinção (10), diga-se de passagem, pela
força civilizatória da cultura moderna que fica, a rigor, ali
sempre impensada.
É
precisamente a partir daí que se pode deveras avaliar que representa
o desvelamento da lógica da diferença para a história da cultura e
o que se deve desde já fazer em termos educacionais com ela e suas
implicações para minimizar os traumas e sofrimentos desta que será
a mais dramática das passagens na história da cultura, pois estará
ali acontecendo a chegada do homem à altura de si mesmo e portanto
ao definitivo recolhimento das próprias forças telúricas que lhe
deram origem. Será o fim do penoso processo de auto-desvelamento do
espírito lógico-qüinqüitário. Só não será o fim da história,
mesmo que já concebida como hiperdialética qüinqüitária, porque
esta, embora sendo a mais elevada das lógicas mundanas, não se
pretende por isso também lógica do Absoluto, para não reincidir no
erro cometido por Hegel para com sua dialética trinitária. Somos
seres lógico-qüinqüitários, de fato no ápice da mundanalidade,
mas carregando junto com ela seu próprio horizonte transcendente
para impedir qualquer veleidade de uma soberba auto-absolutização
(11).
Resumindo,
diríamos que o desvelamento da lógica da diferença tem múltiplas
e importantes implicações: permitiu a compreensão em profundidade
dos processos inconscientes; levou à descoberta dos fundamentos e
do processo de síntese dialética generalizada das lógicas;
proporcionou a compreensão da estrutura e do jogo das lógicas de
base que, por seu turno, permitem a real compreensão da sexualidade
humana; e, sobretudo, deu condições para que se tornasse possível
inferir a estrutura hiperdialética que caracteriza o ser humano em
sua plenitude.
A
lógica da diferença é assim a peça que sem deixar de valer
enormemente por si, vale ainda muito mais pelo que contribui para a
compreensão de estruturas lógicas majorantes diversas, muito
especialmente, para o desvelamento da lógica hiperdialética
qüinqüitária. Através disso pode-se desde já antever os caminhos
que levarão à uma nova cultura, pela primeira vez na História, uma
cultura à altura do próprio homem. Aproximamo-nos assim do velho
preceito grego conhece-te
a ti mesmo. E é preciso que, pela educação, o mais
depressa possível, todos venham saber disso.
- O ensino da lógica da diferença na educação do cidadão comum
Por
tudo que ficou dito até aqui, não pode permanecer qualquer dúvida
quanto a importância do conhecimento das lógicas
aí necessariamente incluída a lógica da diferença ,
na formação do cidadão comum, muito especialmente na atualidade
brasileira. Em conseqüência, torna-se urgente a sua integração
ao naipe das matérias obrigatórias do segundo grau.
O
ensino da lógica da diferença deverá estar imerso num curso de
lógica em geral, portanto, ao lado do ensino das demais lógicas
mundanas. A nosso juízo, por uma questão de economia pedagógica,
este próprio curso de lógica geral deveria estar compreendido num
curso ainda mais amplo de Introdução à Filosofia, distribuído
pelos quatro últimos semestres do segundo grau (12), da
seguinte maneira:
No
primeiro semestre do 2o ano: Filosofia I
Noções de lógica clássica. Começaria com a apresentação e
discussão dos tradicionais três princípios da lógica clássica
(identidade, não contradição e terceiro excluído) para que, no
semestre seguinte, através de sua problematização, se pudesse mais
facilmente introduzir as demais lógicas. Constaria ainda de noções
de lógica proposicional (trato dos conectivos lógicos e suas
tabelas de verdade) e de lógica de predicados (trato com os
quantificadores lógicos). Dever-se-ia promover a aquisição de um
mínimo de destreza operatória, por via de procedimentos
algorítmicos, na solução de problemas de lógica proposicional, o
que irá servir também de base teórica para que o educando melhor
se haja na cadeira de Introdução à Informática, a ser ministrada
a partir do 2o semestre do 2o ano do segundo
grau;
No
segundo semestre do 2o ano: Filosofia II
Noções sobre as lógicas. Aqui se confrontaria o pensamento
lógico-formal com outros modos de pensar, que parece-nos a maneira
mais eficiente de relativizar o poder do primeiro. Fazê-lo de modo
organizado e exaustivo também se nos afigura ser o menor dos caminho
para proporcionar ao educando uma visão mais completa e harmônica
da essência do ser humano, da complexidade do mundo que o cerca e de
seu horizonte transcendente. Ter-se-ia assim como objetivo maior
levar o educando a reconhecer e valorizar os modos alternativos,
ainda assim rigorosos, de pensar que se contrapõem ao pensar lógico
formal, suporte do cientificismo moderno. Seriam então apresentadas,
lado a lado, as lógicas fundamentais, da identidade (transcendental)
e da diferença e, a seguir, o processo geral de síntese, tanto da
dialética como também da lógica clássica, estas que, junto com
suas lógicas geradoras, formam o conjunto das quatro lógicas de
base. A todas colmatando e subsumindo, estaria então a
hiperdialética qüinqüitária. Também seriam aqui apresentados os
princípios, operadores e correlatos valores próprios (valores de
verdade) para cada uma das lógicas mencionadas, ditas lógicas
mundanas; deveria ser também proporcionado algum conhecimento sobre
as relações entre as lógicas. Não se deixaria passar a
oportunidade para identificar a lógica qüinqüitária como sendo a
teoria do pensar humano em sua plenitude. Por fim, seria apresentada
uma boa amostra das incontáveis representações simbólicas das
lógicas, com o que se estaria flagrando a sua presença arquetípica
em todas as culturas históricas.
No
primeiro semestre do 3o ano: Filosofia III
Noções de História da Filosofia. Não existe dúvida de que a
cultura grega e a cultura judaica constituem as fontes originárias
do Ocidente, a última emblematicamente representada pela fé ardente
e pétrea moralidade de seus profetas, a primeira, pela potência
prometéica e soberba razão dos seus filósofos. Não se pode, pois,
penetrar fundo na compreensão da alma ocidental sem, entre outras
coisas, um mínimo de familiaridade com as grandes figuras e idéias
dos helenos. E é por isso que não pode faltar no currículo de
segundo grau um espaço, ainda que exíguo, para um primeiro contato
com a História da Filosofia, não só de suas origens gregas como
também de seus desdobramentos mais significativos na cultura cristã
medieval e na Modernidade. Para a apresentação da filosofia grega
pré-aristotélica, seria suficiente que se tomasse como referência
a estrutura das lógicas objetivas
identidade (I), diferença (D) e dialética (I/D)
e, para Aristóteles e toda a filosofia moderna, a estrutura das
lógicas subjetivas as mesmas
três lógicas objetivas acrescidas da lógica clássica (D/D=D/2)
e hiperdialética qüinqüitária (I/D/D=I/D/2).
No
segundo semestre do 3o ano: Filosofia IV
Introdução às Problemáticas Filosóficas. A visão
histórica proporcionada no semestre anterior teria tido como fio
condutor o que consideramos a temática fundamental da filosofia –
a questão onto-lógica, vale dizer, da correspondência entre ser e
pensar. Entretanto, este passeio histórico a autores e idéias teria
feito freqüentes referências a outras temáticas que não a
onto-lógica, sobre as quais o educando não teria tido ainda a
oportunidade de uma compreensão estruturada. Seria agora a ocasião
de corrigir aquela circularidade inevitável, substituindo o fio
histórico ou diacrônico pelo plano estrutural ou sincrônico, e
então procedendo ao inventário dos grandes temas filosóficos e
explicitando suas articulações. Começar-se-ia naturalmente pela
problemática onto-lógica, passando-se à temática epistemo-lógica
e, depois, à práxio-lógica. Dever-se-ia ainda fazer uma menção,
breve que fosse, às problemáticas estética (que se põe entre o
ser e o parecer) e ética (que se põe entre o ser e o poder-fazer).
Tudo isto estaria referido naturalmente às lógicas, conforme
ilustra a figura 1.
Problemática
Problemática Problemática
onto-lógica
epistemo-lógica práxio-lógica
Lógica
da Lógica da Lógica
Identidade
- I diferença - D dialética I/D
Problemática
Problemática
estética
ética
Lógica
I e D Lógica I e I/D
Figura
1
Sem
necessidade de que se venha ferir susceptibilidades confessionais,
seria ainda conveniente apresentar, em seus traços mais gerais, a
problemática do Absoluto (13) referida ao eixo ascendente
das lógicas, como ilustra a figura 2.
Problemática
Ser
do Absoluto
Ser
subjetivo
Ser
objetivo
Lógica
fenomênico
Lógica
qüinqüitária
Lógica
da dialética I/D/D=I/D/2
identidade
I/D
I
Figura
2
- O ensino da lógica da diferença na educação especializada
A
lógica da diferença, como parte fundamental da lógica em geral, a
nosso juízo, deveria ser ensinada, sem implicar isto a sua exclusão
de outros, nos seguintes cursos de graduação:
Antropologia
A
velha teologia se perguntava se os primitivos tinham alma. A
antropologia moderna, com Lévy-Bruhl, passou a perguntar se eles
tinham lógica (clássica), o que, não importam as respostas já
dadas, representa um enorme avanço, que não se pode mais perder.
Assim, a lógica, muito especialmente a lógica hiperdialética
qüinqüitária, viria se constituir aqui no principal pré-requisito
para a antropologia filosófica. Esta, por seu turno, serviria de
fundamento para todas as demais sub-especialidades, como a história
da cultura, a antropologia cultural, a antropologia econômica etc.
A
lógica da diferença gozaria aqui de um estatuto especial na medida
em que ela é a própria lógica da hermenêutica cultural
(arqueologia das mentalidades), um dos mais importantes instrumentos
para a delimitação/imersão simpática/compreensão de fases ou de
culturas e sub-espécies culturais.
Filosofia
A
lógica teria aqui um papel crucial na proporção que permitiria
promover, de saída, a reestruturação do curso de graduação,
conseguindo destarte o que a princípio poderia parecer paradoxal:
maior abrangência e, ao mesmo tempo, maior profundidade, que seriam
obtidas através de uma bem maior organicidade temática e elevada
economia pedagógica. O próprio curso de lógica, após a
reestruturação aqui imaginada passaria a se constituir na espinha
dorsal da graduação tomada em seu conjunto. Uma boa idéia de como
isto possa ser realmente efetuado está até certo ponto já posta
no item 2 anterior, que trata do ensino da filosofia e da lógica no
âmbito do ensino de segundo grau.
Física,
A
lógica aqui constituir-se-ia em pré-requisito para a cadeira de
filosofia da física, no último ano da graduação, em especial,
para alicerçar a discussão acerca dos conceitos fundamentais de
tempo, espaço e matéria, das enigmáticas relações entre a física
e a matemática, da história da física (em contraponto à
concepção, em voga, da história como processo das mutações/seleção
de paradigmas), de suas perspectivas evolutivas e, finalmente, para
ajudar na compreensão do papel social da ciência e da técnica na
Modernidade (14).
Linguística
A
lógica aqui se constituiria em pré-requisito para a compreensão
dos aspectos antropológicos e estruturais da linguagem. Nesta
altura, não se precisa mais enfatizar que a lógica qüinqüitária,
que caracteriza o homem em sua essencialidade, é a mesma lógica que
caracteriza a linguagem natural, também considerada em sua máxima
generalidade:
- A auto-referencialidade, ou seja, constituir-se metalinguagem de si mesma, capacidade governada pela lógica transcendental I;
- a hetero-referencialidade ou semanticidade, ou seja, valer na medida em que remete a outro, capacidade governada naturalmente pela lógica da diferença D;
- a historicidade, capacidade de seguir o devir não importa como, governada pela lógica dialética I/D;
- a capacidade demonstrativa ou de inferência formal, governada pela lógica clássica ou da dupla diferença D/D= D/2 ;
- por fim, a ilimitada complacência metafórica, que permite a pesar de Wittgenstein e tal como dão prova a toda hora os poetas , que ela fale acerca mesmo do que deveria calar, governada pela lógica hiperdialética qüinqüitária I/D/D= I/D/2.
A
propósito, tão só as lógicas de base são o bastante para que bem
se compreenda o adágio lacaniano que concebe o inconsciente
estruturado como linguagem: em I, o sujeito da enunciação; em D, o
inter-dito; em I/D, o que ficou por ser dito; e, por fim, em D/D=D/2,
o dito (15). Apenas faltou a Lacan acrescentar a posição
I/D/D=I/D/2, da lógica qüinqüitária, a partir da qual
se poderia subsumir tudo isto, vale dizer, o poder discursivo em sua
globalidade.
Matemática,
Não
é necessário enfatizar o papel da lógica (formal) na garantia das
demonstrações matemáticas. Destacaríamos aqui apenas o papel que
as lógicas, em especial o jogo das lógicas da diferença (D) e da
dupla diferença (D/D), podem ter para a mais profunda compreensão
da questão dos fundamentos da matemática, em torno da qual há
muito se confrontam logicistas, formalistas e intuicionistas
(16).
Psicologia
A
lógica se constituiria aqui pré-requisito para a compreensão da
própria estrutura mental do homem, também das etapas do seu
desenvolvimento intelectual e afetivo, como igualmente para a
compreensão da problemática das perturbações mentais e das
estratégias para seu mais eficiente enfrentamento (17).
Teologia
Atendo-nos
ao âmbito do cristianismo católico, observamos que quanto mais
contra-reformista, mais a formação teológica se vê comprometida
com a lógica aristotélica. Só por isso pode-se avaliar o quão
benéfico pode ser o estudo das lógicas, não apenas para teólogos
profissionais, mas também para sacerdotes preparados para os novos
tempos. Muito especialmente, as lógicas permitiriam renovar
radicalmente a problemática do Absoluto (18), agora em
termos mais coerentes, não aquém, mas para além da potência
lógica de quem por Ele pergunta.
Em
duas especialidades, além do curso geral de lógica, haveria lugar
para um curso específico sobre a lógica da diferença. Uma,
naturalmente, seria a própria graduação em Lógica (ou
Filosofia orientada para a Lógica) e o segundo, em Psicologia.
Se nesta última estiver compreendida uma cadeira dedicada à
Psicanálise, então a lógica da diferença torna-se simplesmente
indispensável, dado seu poder explicativo na compreensão dos
chamados processos primários do inconsciente. Nesta última
graduação, o próprio curso deveria prever uma reserva de tempo
para a revisão de noções de matemática de segundo grau
(operador, valor próprio de operador, raízes do número um, etc.)
costumeiramente descuradas pelos que optam pelas chamadas ciências
humanas. Em ambos os casos, graduação em Lógica ou Psicologia,
pensamos em cursos com duração de um semestre.
Na
formação de psicanalistas, dentro ou fora das fronteiras
universitárias, a lógica da diferença, por se constituir na lógica
mesma dos processos inconscientes, assumirá um papel central,
devendo por isso se erigir, ao lado da lógica em geral, em matéria
autônoma.
Notas
1.
Oitavo e último de uma série de artigos sobre Lógica da Diferença
para a Revista Brasileira de Filosofia. Os artigos anteriores foram
publicados em RBF, fasc. ... , São Paulo, 1999 e 2000
2.
Todos os historiadores da arte sem dúvida reconheceriam o gótico e
barroco como estilos essencialmente vinculados ao cristianismo.
Entretanto, barroco e gótico já são estilos referidos à lógica
da ciência. O gótico é afim à escolástica, com a qual ainda se
buscava impedir o advento da ciência, enquanto que o barroco é
jesuítico, já pertencente à era da ciência estabelecida. Ver para
detalhes SAMPAIO, L. S. C. de, Desejo,
fingimento e superação na história da cultura,
Rio, 1999.
3.
SAMPAIO, L. S. C. de A
lógica da diferença e a tradição filosófica
in RBF, fasc. ...
- SAMPAIO, L. S. C. de Sistemas axiomáticos da lógica da diferença in RBF, fasc....
- SAMPAIO, L. S. C. de. Noções de antropo-logia. Rio de Janeiro, UAB, 1996. Alternativamente, pelo mesmo autor, o vídeo Antropologia cultural, I, II, III e IV, Rio de Janeiro, EMBRATEL/ UAB, 1993.
- SAMPAIO, L. S. C. de Lógica e economia, Rio de Janeiro, I C-N, 1988 (xerografado), cap. 1.7, pp. 57-63
- A capacidade lógica X está geneticamente presente em todo ser humano; em certo momento histórico ela é objetivada ou simbolicamente representada/absolutizada no que decidimos denominar cultura nodal X; mas ela pode ainda ser re-desvelada por uma cultura que sucede à cultura X, e que de algum modo a estará recalcando. É este último o caso da lógica D na Modernidade D/D. Foram observações de nosso amigo Jorge Panazio sobre o presente texto que acabaram provocando este esclarecimento.
- Hoje as formações do inconsciente (desde sonhos até sintomas histéricos) perderam sua inocência; as “livres associações” feitas pelo típico paciente instruído consistem, em sua maioria, em tentativas de oferecer uma explicação psicanalítica de suas próprias perturbações.//Assim, temos não apenas interpretações annafreudianas, junguianas, kleinianas e lacanianas dos sintomas, mas sintomas que são em si mesmos annafreudianos, junguianos, kleinianos ou lacanianos ... ZIZEK, Slavoj, O superego pós-moderno, para The London Review of Books, traduzido e publicado no caderno mais! da Folha de S. Paulo em 23-5-99
- SAMPAIO, L. S. C. de Reflexões, moderadamente otimistas, acerca do advento de uma cultura nova lógico-qüinqüitária, in ........ Rio de Janeiro, , 1997
- Grandes antropólogos, entre eles Morgan, Tylor, Frazer e Lévi-Strauss viram sua ciência em crise tão logo constituída, em função do processo de desaparecimento de seus primeiros e mais caros objetos. Ver GOLDMAN, Marcio. Razão e Diferença, Rio de Janeiro, UFRJ/Gripho, 1994 , p. 16
11.SAMPAIO,
L. S. C. de Noções
de teo-logia. Rio
de Janeiro, UAB, 1997. (xerografado)
12.SAMPAIO,
L. S. C. de Noções
elementares de lógica – tomo I - compacto,
Rio de Janeiro, I C-N,1991, opúsculo elaborado para servir de
suporte à conferência Nova Visão da Lógica Moderna no Curso de
Reciclagem do Departamento de Filosofia do Colégio Pedro II –1991
em que traçamos uma estratégia para reformulação e/ou introdução
do estudo de filosofia no segundo grau a partir de uma nova visão da
lógica. Estas idéias foram um pouco mais desenvolvidas sob a
orientação do autor em Projeto
Reforço e Suplementação de Segundo Grau,
EMBRATEL, DDH, maio de 1994.
13.
SAMPAIO, L. S. C. de Noções
de teo-logia. Rio
de Janeiro, UAB, 1997. (xerografado)
14.SAMPAIO,
L. S. C. de, Apontamentos
para uma história da física moderna. Rio
de Janeiro, UAB, 1993/1997. (xerografado) e Octeto
dos entes físicos – vácuo, a classe dos fermions e os mediadoires
das seis forças da natureza,
Rio de Janeiro, 1998 (xerografado)
15.
SAMPAIO, L. S. C. de, Lacan
e as Lógicas.
Rio de Janeiro, 1992, Alternativamente, ver artigo A
lógica da diferença e a psicanálise em
RBF, fasc....
16.
SAMPAIO, L. S. C. de, A
matematicidade da matemática surpreendida em sua própria casa, nua
na passagem dos
semigrupos
aos monóides.
Rio de Janeiro, 1995 (xerografado) e, ainda mais especialmente,
Outra
vez, a matematicidade da matemática.
Rio de Janeiro, UAB, 1997 (xerografado)
17.
SAMPAIO, L. S. C. de, Lógica
e Psicanálise - nove ensaios.
Rio de Janeiro, I. C-N, 1990 (xerografado)
18.
Um dos principais problemas a se enfrentar é a superação da
desastrosa e tão espalhada metáfora do infinito, situação
agravada com a descoberta dos transfinitos de Cantor. Ver ainda o
item 2 anterior, tratando da problemáticas filosóficas no ensino de
segundo grau.
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